A tentativa de dispersar os manifestantes e impedi-los de chegar à Paulista é inspirada num game.
Do centro aos Jardins, eu acompanhei a loucura que tomou conta das ruas de São Paulo na quinta passada. Ninguém sonha em ver barricadas flamejantes na mesma Rua Augusta que nos recebe sempre tão voluptuosa.
Um especialista israelense em guerrilha urbana e consultor de games de guerra, que preferiu ficar anônimo, me disse que a estratégia utilizada pela PM chama-se Pac Man. Sim, você leu direito. Pac Man, o clássico jogo do come-come. “Isso costuma ser usado em cidades cujo centro é congestionado e cheio de vielas, principalmente no Oriente Médio e norte da África”, diz.
Explico.
Por volta das 20h30, juntei-me a um grupo de cerca de 50 manifestantes. Ficamos encurralados entre a Paulista e outras vias. Enquanto gravo um garoto dançarino provocador (“atira na sua mãe, atira na sua mãe”), um disparo da PM passa a um metro e meio de distância. Corri sem olhar para trás.
No fim da rua, alguns jovens agitados montam uma barricada de lixo e nela ateiam fogo. De um lado, uma barreira da tropa de choque. No fim da rua, uma revoada de Blazers rosnando ininterruptamente. Numa travessa lateral, outra tropa de choque. Bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, balas de borracha. Ao lado de um prédio de escritórios, noto uma menina de camisa branca e sapato de salto desabando nos braços de um passante voluntarioso. Arruaceiros usariam roupa mais confortável, desconfio.
Ao estabelecer como principal objetivo fragmentar a massa de manifestantes e impedi-los de chegar à Paulista, a PM se preparou em número e agilidade para preferir o “combate” de pequenos grupos ao monitoramento de uma turba maciça enfurecida. Era impossível avançar em direção à avenida. A cada cruzamento, uma tropa de choque.
Cria-se então um Pac Man humano, que os helicópteros puderam acompanhar melhor.
Manifestantes, jornalistas, curiosos e desavisados foram colocados involuntariamente dentro desse traçado sem saída. Era virtualmente impossível ficar parado na mesma esquina sem se intimidar pela movimentação.
O vídeo que abre este texto mostra um dos raros momentos em que consegui ficar parado aguardando uma ofensiva, no cruzamento entre Paulista e Augusta. Fui poupado pela sorte do imobilismo.
Na física, atrito presume existência de movimento. Uma manifestação ancorada em uma ampla avenida teria ocorrências? Certamente. Com 100 feridos e 235 detidos? Jamais.
Em tais condições, houve alta previsibilidade de tragédia.
Assim, bastava apontar a câmera ou o celular na direção da tropa de choque para cair automaticamente na classificação genérica de manifestante (poupados os cinegrafistas de televisão, com seus equipamentos volumosos e luzes potentes).
Se foi impossível conter os primeiros atos de violência, notórios nas primeiras três manifestações, a PM acabou por fortalecer e participar do cenário de abusos que deveria combater.
A estratégia Pac Man atraiu, enfim, mais simpatizantes à causa, independentemente da natureza dela – ou delas. A repercussão negativa da ação policial, espera-se, deve alterar a estratégia nas manifestações seguintes. O Diário sugeriu, aliás, que Haddad participe da próxima.
Na noite de quinta, fui embora quando acabou a bateria da câmera de vídeo. Game over. Sobrava ali apenas cheiro de lixo queimado, estilhaços de vidro – e a sensação de estar dentro de um game perverso.
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