Carta aberta do MPL-SP à Presidenta
buscado no Passa Palavra
24 de junho de 2013
À Presidenta Dilma Rousseff,
Ficamos surpresos com o convite para esta reunião.
Imaginamos que também esteja surpresa com o que vem acontecendo no país nas
últimas semanas. Esse gesto de diálogo que parte do governo federal destoa do
tratamento aos movimentos sociais que tem marcado a política desta gestão.
Parece que as revoltas que se espalham pelas cidades do Brasil desde o dia seis
de junho tem quebrado velhas catracas e aberto novos
caminhos.
O Movimento Passe Livre, desde o começo, foi parte
desse processo. Somos um movimento social autônomo, horizontal e apartidário,
que jamais pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomou as ruas
do país. Nossa palavra é mais uma dentre aquelas gritadas nas ruas, erguidas em
cartazes, pixadas nos muros. Em São Paulo, convocamos as manifestações com uma
reivindicação clara e concreta: revogar o aumento. Se antes isso parecia
impossível, provamos que não era e avançamos na luta por aquela que é e sempre
foi a nossa bandeira, um transporte verdadeiramente público. É nesse sentido que
viemos até Brasília.
O transporte só pode ser público de verdade se for
acessível a todas e todos, ou seja, entendido como um direito universal. A
injustiça da tarifa fica mais evidente a cada aumento, a cada vez que mais gente
deixa de ter dinheiro para pagar a passagem. Questionar os aumentos é questionar
a própria lógica da política tarifária, que submete o transporte ao lucro dos
empresários, e não às necessidades da população. Pagar pela circulação na cidade
significa tratar a mobilidade não como direito, mas como mercadoria. Isso coloca
todos os outros direitos em xeque: ir até a escola, até o hospital, até o parque
passa a ter um preço que nem todos podem pagar. O transporte fica limitado ao ir
e vir do trabalho, fechando as portas da cidade para seus moradores. É para
abri-las que defendemos a tarifa zero.
Nesse sentido gostaríamos de conhecer o
posicionamento da presidenta sobre a tarifa zero no transporte público e sobre a
PEC 90/11, que inclui o transporte no rol dos direitos sociais do artigo
6o da Constituição Federal. É por entender que o transporte deveria
ser tratado como um direito social, amplo e irrestrito, que acreditamos ser
necessário ir além de qualquer política limitada a um determinado segmento da
sociedade, como os estudantes, no caso do passe livre estudantil. Defendemos o
passe livre para todas e todos!
Embora priorizar o transporte coletivo esteja no
discurso de todos os governos, na prática o Brasil investe onze vezes mais no
transporte individual, por meio de obras viárias e políticas de crédito para o
consumo de carros (IPEA, 2011). O dinheiro público deve ser investido em
transporte público! Gostaríamos de saber por que a presidenta vetou o inciso V
do 16º artigo da Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12) que
responsabilizava a União por dar apoio financeiro aos municípios que adotassem
políticas de priorização do transporte público. Como deixa claro seu artigo 9º,
esta lei prioriza um modelo de gestão privada baseado na tarifa, adotando o
ponto de vista das empresas e não o dos usuários. O governo federal precisa
tomar a frente no processo de construção de um transporte público de verdade. A
municipalização da CIDE, e sua destinação integral e exclusiva ao transporte
público, representaria um passo nesse caminho em direção à tarifa
zero.
A desoneração de impostos, medida historicamente
defendida pelas empresas de transporte, vai no sentido oposto. Abrir mão de
tributos significa perder o poder sobre o dinheiro público, liberando verbas às
cegas para as máfias dos transportes, sem qualquer transparência e controle.
Para atender as demandas populares pelo transporte, é necessário construir
instrumentos que coloquem no centro da decisão quem realmente deve ter suas
necessidades atendidas: os usuários e trabalhadores do
sistema.
Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela
força das ruas, que avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais
no Brasil sempre sofreram com a repressão e a criminalização. Até agora, 2013
não foi diferente: no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas
e a Força Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma
reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas semanas em meio às
mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da FIFA. A resposta da polícia
aos protestos iniciados em junho não destoa do conjunto: bombas de gás foram
jogadas dentro de hospitais e faculdades; manifestantes foram perseguidos e
espancados pela Polícia Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas
foram presas arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de
quadrilha e incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi
violentada sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás
lacrimogêneo. A verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado –
em todas as suas esferas.
A desmilitarização da polícia, defendida até pela
ONU, e uma política nacional de regulamentação do armamento menos letal,
proibido em diversos países e condenado por organismos internacionais, são
urgentes. Ao oferecer a Força Nacional de Segurança para conter as
manifestações, o Ministro da Justiça mostrou que o governo federal insiste em
tratar os movimentos sociais como assunto de polícia. As notícias sobre o
monitoramento de militantes feito pela Polícia Federal e pela ABIN vão na mesma
direção: criminalização da luta popular.
Esperamos que essa reunião marque uma mudança de
postura do governo federal que se estenda às outras lutas sociais: aos povos
indígenas, que, a exemplo dos Kaiowá-Guarani e dos Munduruku, tem sofrido
diversos ataques por parte de latifundiários e do poder público; às comunidades
atingidas por remoções; aos sem-teto; aos sem-terra e às mães que tiveram os
filhos assassinados pela polícia nas periferias. Que a mesma postura se estenda
também a todas as cidades que lutam contra o aumento de tarifas e por outro
modelo de transporte: São José dos Campos, Florianópolis, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador, Goiânia, entre muitas outras.
Mais do que sentar à mesa e conversar, o que importa
é atender às demandas claras que já estão colocadas pelos movimentos sociais de
todo o país. Contra todos os aumentos do transporte público, contra a tarifa,
continuaremos nas ruas! Tarifa zero já!
Toda força aos que lutam por uma vida sem
catracas!
Movimento Passe Livre São
Paulo
24 de junho de 2013
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