Argemiro Ferreira.
Os executivos-chefes (CEOs), como tenho lembrado aqui, afinal perderam nos últimos anos a imagem de herói dada pela mídia. Em 2002 Jack Welch, da GE, recebera mais do que o papa João Paulo II como adiantamento para um livro. O título "Jesus CEO", dado a outro livro, publicado antes, buscara aproximar executivos da imagam de Cristo. Uma capa do "Time" os exaltou como "homens do ano" (Jeffrey P. Bezos, da Amazon.com, e Andrew S. Grove, da Intel, entre outros).
Não é mais assim. Nas reuniões de acionistas eles já não são reverenciados e sim questionados - até ridicularizados. De Steve Case, glorificado nas primeiras páginas à época da AOL com a Time Warner, que se revelaria desastrosa, exigiram-se explicações para perdas bilionárias. Na GE, Jeffrey Immelt foi encurralado como nunca se fizera com Welch, cujo passado passou também a ser revisto com olhos críticos, de forma implacável.
O que aconteceu nos EUA para mudar tão radicalmente a cabeça do acionista, do contribuinte, do consumidor, do americano comum - e até da mídia leviana? Por que os CEOs perderam a imagem de herói reverenciado e se tornaram vilões abjetos, criminosos de colarinho branco, ladrões de casaca? A reavaliação, alias, ainda afetou o presidente Bush, que no início do mandato dizia-se "um CEO à frente da Casa Branca".
A vigarice não é só da Enron
O processo de desmitificação começou com o escândalo da Enron, a corporação da área de energia que antes era apontada como exemplo de modernidade capitalista - no governo, no mundo dos negócios e na mídia. A modernidade dela, na verdade, resultava de receitas fradulentas produzidas pela desregulamentação e pela privatização, para as quais se buscara apoio de políticos em troca da generosidade duvidosa das contribuições de campanha.
A Enron foi a maior patrocinadora da carreira política de Bush. Obteve, em troca, papel privilegiado na formulação do programa de energia do governo. Quando o país descobriu a realidade sobre as práticas contábeis dela, as parcerias fraudulentas, de nada mais adiantou a Enron ter investido em políticos (e não só republicanos). Tornou-se impossível salvá-la.
Acionistas e empregados, que nada sabiam sobre a contabilidade "criativa" dos executivos, foram as vítimas maiores da Enron - alguns ficaram sem emprego, sem as economias da vida inteira e até sem as aposentadorias. Executivos como Ken Lay (ligado pessoalmente à família Bush), Jeffrey Skilling, Andrew Fastow e mesmo Clifford Baxter, que se matou em meio ao escândalo, faturaram milhões de dólares vendendo ações ilegalmente, às escondidas.
No início de dezembro de 2001 já não era mais possível esconder a extensão dos estragos da Enron. Mas a cobertura da mídia - talvez para não ferir o ex-executivo Bush e seu papel na guerra sem prazo e sem fronteiras contra o terrorismo - foi extremamente discreta até meados de janeiro de 2002. Só então o país começou a tomar consciência de que as práticas fraudulentas das corporações não se limitavam à Enron.
Rota da ganância desenfreada
A generalizada suspeita sobre as corporações e seus executivos passou a derrubar as ações em Wall Street - e os novos escândalos contribuiram para ampliar a crise de confiança. Vieram, um atrás do outro, os casos Global Crossing, Adelphia, Tyco International, ImClone, Dynergy, WorldCom e Xerox, junto com mais suspeitas, que não poupavam nem algumas das mais conhecidas - e, antes, respeitadas - corporações do país.
A cada novo escândalo o público ficava sabendo de mais abusos, excessos e fraudes de seus mais altos executivos - CEOs que tinham jatos, helicópteros, iates e um inacreditável padrão de gastos, vivendo cercados de acólitos submissos. Como Gary Winnick, da Global Crossing, que tivera infância humilde mas passara a viver em Bel Air, na residência unifamiliar mais cara (US$60 milhões) já adquirida por qualquer pessoa no país.
Dennis Kozlowski, CEO da Tyco, filho de modesto detetive de Nova Jérsey, descobriu a maneira de sonegar impostos comprando milhões de dólares em quadros de artistas célebres, em especial impressionistas. Ele costumava dizer aos jornalistas que seria o novo Jack Welch - e a Tyco, uma nova GE. Bernie Ebbers, da WorldCom, prometia derrubar a AT&T e se tornar a maior operadora de telefonia interurbana no país. Os dois se arrebentaram.
A falácia das fusões e aquisições
Em vez de estranhar ou questionar a audácia das fusões e aquisições, a mídia dava a eles amplo espaço, saudando-os como gênios do capitalismo e não meros escroques determinados a enganar incautos e a mídia que os celebrava. A revista "Forbes", por exemplo, enfeitou sua capa com Winnick (a 24 de dezembro de 2001), Kozlowski (16 de outubro de 2000) e Chuck Watson, da Dynergy (19 de abril de 1999). Três vigaristas.
Ao surgirem as primeiras dificuldades, decorrentes das fraudes contábeis e outros abusos internos, os executivos anunciavam medidas mirabolantes. Como fez Ebbers: para reduzir gastos e salvar a WorldCom, ele imaginou um "plano de sete pontos", segundo o qual subordinados de sua confiança foram encarregados de cortar gastos - nãos os dele, mas o consumo de chá, café e outras migalhas - ou seja, transformando empregados humildes em suspeitos da ladroagem dos chefões
Os escândalos de Wall Street escancaram, no entanto, que ladrões eram os próprios executivos do escalão mais alto, beneficiários de esquemas generalizados segundo os quais determinados resultados significariam ganhos na forma de opções de ações. Na ânsia de embolsarem os ganhos eles recorriam à "criatividade" contábil (leia-se: fraudes para fabricar resultados positivos fictícios). Depois, ante a iminência do escândalo, ainda vendiam suas ações às pressas, ignorando a lei.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário