domingo, 30 de novembro de 2008

COMEÇAR DE NOVO.

Mair Pena Neto.

Em visita ao Brasil para apresentar seu novo livro e inaugurar uma exposição, o escritor português José Saramago lançou questões sobre o atual estágio da humanidade. “A palavra bondade hoje significa qualquer coisa de ridículo. É preciso conquistar, triunfar. Ninguém se arrisca a dizer que seu objetivo é ser bom. Querer ser bom em uma época como esta é se apresentar como voluntário para a eliminação”, disse Saramago.

O desenvolvimento do capitalismo chegou ao estágio da barbárie, com o desdém pelo próximo e o amor desenfreado pelo dinheiro e o poder. Para motivar seus funcionários, Steve Ballmer, o atual presidente da Microsoft, diz, aos berros, que ama a companhia. Se ama o seu próximo, não se sabe, mas que é capaz de dar a vida pela Microsoft parece provável pelo teor de seu discurso, que pode ser visto na internet.

Na competição desenfreada, um quer engolir o outro. Parece que não existe mais espaço para a convivência de concorrentes. O capitalismo pós-moderno enterra uma de suas máximas de que a concorrência é a alma do negócio. Nos workshops, o logotipo ou até mesmo produtos dos concorrentes são literalmente alvejados por funcionários em transe, nos quais é instilado o vírus da destruição.

Estes valores corporativos se disseminam na sociedade como um todo. O bem sucedido é o agressivo, o que aparece, o que traz resultados. Nem que para isso lance mão de práticas pouco ortodoxas. Neste universo, não há mais espaço para a solidariedade.

A atual crise financeira global começou assim, pela ganância, pela facilidade dos lucros rápidos mesmo que alavancados em bases frágeis. Quem ganhou, ganhou, quem perdeu, e nesse caso foram as economias de todos os países, que trate de lidar com os prejuízos. Nessa crise, até empresas se deram mal. Foram deixadas quebradas por dirigentes admirados que saíram com os bolsos recheados por bônus ofensivos.

A recessão que se avizinha prejudica, sobretudo, os mais pobres. O mundo subdesenvolvido, que jamais chegou perto das benesses ultracapitalistas, perde mais uma chance de avançar um estágio.

Como chegamos a isso?, indaga Saramago, perplexo, como todas as pessoas de bem, com os níveis de violência, corrupção e indiferença. Não existe uma única resposta e o escritor nos sugere que para mudarmos a vida precisamos mudar de vida.

Podemos começar sugerindo às novas gerações que busquem suas futuras profissões pensando em como poderiam contribuir para o bem comum. Que não coloquem a remuneração em primeiro plano, que ela vem como consequência da realização. E que esta não se mede apenas pelos ganhos financeiros, mas, sobretudo, pela função social de suas atividades.

Parece utópico, mas é uma tentativa. Sem um primeiro gesto tudo pode ficar como está. Mesmo com mais uma crise que jogou o mundo no chão e revelou a falência de um modelo que agoniza mas ainda não morreu.
Fonte:Direto da Redação.

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