"Irmãozinho, conte comigo amanhã no fórum." A mensagem, deixada em uma página pessoal do site de relacionamentos Orkut, foi suficiente para que a Justiça caracterizasse o falso testemunho de uma pessoa que havia negado haver uma relação de amizade com o réu de um processo trabalhista. Em outra ação judicial, um vídeo exposto no site YouTube foi aceito pela Justiça do Trabalho como prova para que fosse mantida a demissão por justa causa de um funcionário da empresa Têxtil Tabacow. Situações como essas ilustram a expansão do uso de novas tecnologias como provas em ações judiciais - que, a julgar pelos primeiros casos que se tem notícia, estão sendo bem recebidas pelos juízes, a exemplo da já consolidada aceitação de e-mails como documentos em ações judiciais e da utilização de vídeos, essa já há mais tempo.
Nos últimos anos, e-mails vêm sendo amplamente aceitos como provas em processos trabalhistas - como acusações de assédio moral e sexual, por exemplo - e penais, em casos de vazamento de informações sigilosas de empresas em ações judiciais de concorrência desleal. Agora, é a vez de os magistrados terem que lidar com o exame de novos tipos de "provas virtuais". Como no caso julgado pela 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba, no interior de São Paulo, em que um ex-auxiliar de expedição da Têxtil Tabacow tentava reverter sua dispensa por justa causa alegando que foi imotivada. A demissão ocorreu porque a empresa tomou ciência de um vídeo no YouTube no qual o funcionário realizava manobras perigosas com uma empilhadeira da empresa sem sua autorização, colocando em risco equipamentos e vidas. Ao analisar o vídeo, a juíza Elizabeth Priscila Satake Sato indeferiu o pedido do trabalhador por considerar que ele utilizou a máquina de forma indevida, "brincando" durante o horário de trabalho. Segundo o advogado Fernando de Morais Pauli, do escritório Marcos Martins Advogados Associados, que defende a empresa, a nova prova pôde ser enquadrada no quesito "mau procedimento" do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata da justa causa.
Dados e imagens armazenados no Orkut são outra novidade na hora de levantar provas contra réus ou mesmo impugnar depoimentos de testemunhas. Ao defender uma empresa em uma ação trabalhista, o advogado Guilherme Gantus, do escritório Gantus Advogados, mostrou ao juiz o registro de uma página no Orkut, que havia sido apagada, com depoimentos carinhosos de uma das testemunhas destinados ao reclamante, que tentava caracterizar o vínculo empregatício. Em uma delas, inclusive, a testemunha fazia referência ao julgamento - como ela havia dito que não tinha nenhum laço de amizade com o trabalhador, o juiz acatou a prova, impôs ao trabalhador uma multa de R$ 2 mil por litigância de má-fé e determinou a apuração de crime de falso testemunho.
A decisão não é isolada. Em março, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região proferiu uma decisão contra onze alunos que ingressaram na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio do sistema de cotas por considerar que se tratavam de pessoas de classe social privilegiada - a desembargadora levou em consideração fotos de viagens internacionais expostas pelos cotistas no Orkut. Em outra ação defendida pelo advogado Fernando de Morais na 2ª Vara do Trabalho de Assis, em São Paulo, a Justiça aceitou o testemunho de uma depoente que participava da mesma comunidade que o réu no Orkut, por entender que, a despeito da modernidade da situação, o compartilhamento de comunidades pela internet não retrata intimidade suficiente que comprometa o depoimento.
As provas levantadas em casos de crimes eletrônicos, por sua própria natureza, envolvem cada vez mais o uso de tecnologias avançadas. "Todas as provas do meio físico estão migrando para o eletrônico e os juízes têm que se familiarizar com isso", diz Rony Vainzof, do escritório Ópice Blum Advogados, especializado em crimes cibernéticos. Segundo ele, em recentes ações judiciais acompanhados pela banca foi comum o acesso à internet por meio de celulares para a prática de fraudes bancárias ou o envio de dados sigilosos de empresas - já que desta forma é mais difícil rastrear o crime. O advogado conta que, em um caso ocorrido em Portugal, a Justiça aceitou como prova um "torpedo" enviado para o celular de um criminoso para condená-lo à prisão. Ele teve o aparelho apreendido ao ser revistado na rua pela polícia e em uma das mensagens havia informações sobre a prática de tráfico de drogas. Em outra ação defendida pelo escritório Opice Blum, a prova usada foi um perfil falso criado por um ex-funcionário de um banco no Orkut onde ele anunciava vender milhares de senhas de acesso a cartões de crédito. Já o advogado David Rechulski, da banca Rechulski e Ferraro Advogados, também especializado em cibercrimes, teve que comprovar, em uma ação judicial, que houve uma invasão na uma rede de internet sem fio de seu cliente para atestar que ele não participou de crimes pela rede. Segundo Rechulski, o processo ainda está em curso e foi demonstrado ao juiz que há softwares e vídeos no YouTube que ensinam usuários a quebrarem redes de segurança, operação que levaria apenas quatro minutos.
O avanço de softwares em áreas específicas também vem auxiliando a produção de provas - como no caso da maquete de uma empresa construída por meio de um software de arquitetura para uso na defesa de uma seguradora. Segundo o advogado Ernesto Tzirulnik, da banca que leva seu nome e responsável pela produção da prova, a idéia é demonstrar ao juiz que a lista de bens apresentada pela empresa, após um incêndio, não era verídica. "Vamos levar a maquete ao Fórum João Mendes", diz Tzirulnik.
Fonte: Valor online.
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