quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A DERROCADA FINANCEIRA DE WALL STREET VISTA DA ÁSIA.

Walden Bello.

O poder do Império norte-americano e do dólar como moeda internacional são cada vez mais contestados, um pouco por todo o lado. Agora é no sudeste asiático, onde “tanto os governos asiáticos como os agentes financeiros estão cépticos quanto aos zunzuns de Washington voltar a regular o sector financeiro”.

Para muitos, a crise da Wall Street é, ainda que a uma escala muito maior, uma repetição da crise financeira asiática de 1997 que deitou abaixo as vibrantes economias dos “tigres” do Leste. A escandalosa falta de regulação da Wall Street traz-nos a terrível memória da eliminação dos controles de capital decidida pelos governos leste-asiáticos sob pressão do Fundo Monetário Internacional e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Foi essa decisão o detonador do tsunami de capital especulativo que invadiu os mercados asiáticos e que logo a seguir retrocedeu drasticamente, depois dos astronómicos preços do imobiliário e dos valores em bolsa virem por aí abaixo.

A proposta do Secretário do Tesouro Paulson para uma gigantesca operação de salvamento dos atrofiados titãs da Wall Street faz recordar aqui às pessoas os milhares de milhões de dólares que o FMI pôs em campo logo a seguir à crise de 97 pretensamente para as apoiar, quando o destino do dinheiro foi na realidade para salvar os investidores estrangeiros.

Deste modo, tanto os governos asiáticos como os agentes financeiros estão cépticos quanto aos zunzuns de Washington voltar a regular o sector financeiro e, ainda que os bancos centrais e fundos nacionais tenham os cofres cheios de efectivos, os governos actuam com cautela para não serem arrastados pela voragem da Wall Street. Entre os fundos oficiais do Leste asiático, apenas a Temasek de Singapura e a China Investment Corporation se puseram às ordens. A Temasek injectou há poucos meses mais de 4 mil milhões de dólares na Merril Lynch, mas só depois de duro regateio. A CIC investiu 5 mil milhões de dólares na Morgan Stanley em Dezembro passado, mas recusou o desesperado pedido deste problemático banco para aumentar a sua participação accionista na firma. Inicialmente visto como potencial salvador, o Banco de Desenvolvimento Coreano recusou as propostas da Lehman Brothers uma semana antes da sua histórica queda em falência.

São investidos biliões de dólares de fundos asiáticos, públicos e privados, em empresas e propriedades americanas, com os cinco maiores detentores asiáticos representando mais de metade de todo o investimento estrangeiro nos instrumentos de dívida do governo dos EUA. Os fundos provenientes da Ásia tornaram-se os impulsionadores-chave da despesa pública e do consumo da classe média americana, elementos que se tornaram o motor da economia do país. Com tanta da riqueza asiática dependente da estabilidade da economia americana, não é nada provável que se produza um movimento precipitado de abandono das acções da Wall Street e dos certificados do Tesouro dos EUA.

A nível nacional, contudo, é crescente a preocupação e defesa dos consumidores, ONG’s e universidades estão exigindo mais transparência sobre qual o grau de exposição do sistema bancário local aos activos tóxicos da Wall Street. Nas Filipinas, há apelos de grupos da sociedade civil para que se proíba o negócio dos derivados, se faça regressar o controle dos capitais e se renegoceie a enorme dívida externa do país, agora que os bancos internacionais estão em posição de fraqueza.

Em toda a Ásia, por toda a parte, existe além disso um conformismo quanto à inevitabilidade de uma profunda recessão nos EUA e ao seu provável impacto grande no Oriente: os EUA são o principal destino das exportações chinesas e a China importa matérias-primas e produtos intermédios do Japão, da Coreia e do Sueste Asiático para fabricar os produtos que envia para os Estados Unidos. Apesar de ainda há poucos meses se falar na possibilidade de “desacoplar” os destinos económicos da Ásia dos Estados Unidos, a maior parte dos economistas actuais considera estas economias formando uma cadeia de elos entrelaçados uns com os outros, pelo menos no curto e médio prazo.

Uma maior integração regional é agora geralmente considerada como o antídoto conveniente para uma integração mundial que saíu fora de controle. Alguns elementos de cooperação económica regional estão já a funcionar, nomeadamente no caso do grupo chamado “ASEN mais três” reunindo a Associação dos Países do Sueste Asiático (ASEAN, segundo as iniciais em inglês) com a China, a Coreia e o Japão, num sistema que procura facilitar o intercâmbio bilateral de fundos na eventualidade de uma crise financeira. Este acordo poderia mais tarde transformar-se num fundo monetário regional em pleno.

Por outro lado, os movimentos sociais e as ONG’s, embora em teoria apoiem a integração regional, desconfiam de um processo monopolizado pelas elites governamentais, que consideram não merecedoras de confiança. A participação activa da sociedade civil, segundo insistem, deve ser elemento central na criação de tais formações regionais.

* Walden Bello é analista e ex-director executivo do Instituto de Investigação e Activismo para o Sul Global, com sede em Banguecoque e vice-presidente do Fórum Social Mundial.

Este texto foi publicado em “Focus on the Global South.
Fonte:ODiario.info.

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