quinta-feira, 27 de novembro de 2008

ANOS DE CHUMBO - O que falta para virar a página?

Mario Augusto Jakobskind.

O perdão do Estado brasileiro a Jango através da Comissão de Anistia não significa, vale sempre repetir, uma virada total de página da ditadura. Falta ainda o Brasil cumprir compromissos firmados em fóruns internacionais, como o assumido na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sobre o julgamento de crimes imprescritíveis, como foram as torturas e assassinatos de presos políticos no final dos anos 60 e década de 70.

Não se trata de revanchismo, como insinuam alguns setores comprometidos com o período ditatorial. É uma questão não só de justiça, como também uma forma de evitar a repetição desses crimes. A impunidade leva a isso.

Se olharmos o que se passa nos países do Cone Sul na área de direitos humanos neste momento vamos constatar que o Brasil é o único onde ainda continua a prevalecer a impunidade. E não adianta o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, abrir o bico ameaçadoramente para dizer que a lei da anistia em vigor perdoou opositores, torturadores e todo mundo. No caso brasileiro ainda há um agravante: torturadores, civis e militares, nem julgados foram.

A lei que os manteve impunes foi aprovada pelo Congresso sob pressão. No dia da votação, recordou o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Junior, na abertura do importante Seminário Latino-americano de Justiça de Transição, realizado na semana passada no Rio de Janeiro, as galerias da Câmara dos Deputados foram ocupadas por militares a paisana que impediam o acesso de representante de entidades defensoras de direitos humanos que questionavam alguns tópicos da referida legislação, que acabou aprovada. A Arena tinha o controle total da situação e mesmo no antigo MDB havia setores que queriam restringir a anistia a determinados grupos opositores. O rolo compressor do governo fez a festa.

É importante toda esta lembrança histórica para se tentar entender melhor o presente. Quem teve oportunidade de acompanhar o Seminário Latino-americano de Justiça de Transição pôde ter um panorama aprofundado sobre a situação dos direitos humanos nos mais diversos países da América.

Na Argentina, por exemplo, segundo o jurista Ramon Molina, 368 militares estão respondendo processo por torturas e assassinatos cometidos a partir de março de 1976 até a redemocratização, em 1983. No país de Maradona, o então presidente Carlos Menem havia indultado quem violou direitos humanos e o Congresso, em outro contexto político, aprovou legislação da Obediência Devida e Ponto Final que garantiam a impunidade. No governo de Nestor Kirchner o panorama mudou, ou seja, crimes de lesa-humanidade, como os cometidos por Rafael Videla, o capitão Alfredo Astiz, o “anjo da morte”, um torturador da pior espécie e mais 366 do gênero passaram a enfrentar o banco dos réus.

No Uruguai, como informou Álvaro Rico, integrante da Secretaria de Direitos Humanos do governo de Tabaré Vazquez, mesmo um plebiscito popular tendo aprovado a Lei de Caducidade e que por algum tempo garantiu a impunidade, não impediu que o ex-presidente Juan Maria Bordaberry e o seu Ministro do Exterior Juan Carlos Blanco fossem presos sob a acusação de serem os mentores dos assassinatos ocorridos na Argentina durante a Operação Condor do Senador democrata cristão Zilmar Michelini e do deputado Gutierrez Ruiz, do Partido Nacional. Neste momento, defensores dos direitos humanos no Uruguai estão recolhendo assinaturas para a realização de uma nova consulta popular sobre a revogação da Lei de Caducidade.

No Paraguai, que viveu uma das ditaduras mais cruéis de que se tem notícia no mundo, a de Alfredo Stroessner, uma Comissão de Verdade está passando o país a limpo, inclusive o período de transição que se seguiu à queda da ditadura em 1989, conforme informou a representante do país vizinho Yudith Jacquet.

No Chile, nem se fala, torturadores e assassinos estão a enfrentar o banco dos réus.

No Peru, onde 85% das vítimas da repressão no período do governo Alberto Fujimori foram indígenas, como informou Sofia Macher, crimes lesa humanidade estão sendo investigados e os responsáveis julgados.

Vale registrar trechos da Carta Latino-americana de Justiça e Transição divulgada ao final do Seminário de Justiça de Transição, evento que passou praticamente a margem da mídia: “deve-se buscar a cooperação entre todos os órgãos governamentais e organizações da sociedade civil para que se engajem na luta pelo não esquecimento dos fatos ocorridos durante os regimes de exceção(...) “É imperativo da justiça que os Estados latino-americanos, que passaram por regimes de exceção, coloquem à disposição de toda a sociedade nacional e internacional seus aparatos institucionais para que sejam apurados e julgados os crimes praticados em nome dos Estados considerados imprescritíveis pelas normas do direito internacional, amplamente aceitas pelos países da América Latina”.

Em suma, o que o Brasil está esperando, Ministro Nelson Jobim? E aí, Lula? A aí. Ministros do STF?

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PS. O que dirão agora os analistas de sempre sobre o resultado das eleições da Venezuela em que o partido do presidente Hugo Chávez conquistou 17 dos 22 governos de Estado, 265 prefeituras, portanto um crescimento maior do que em 2004, quando ficou com 226 executivos municipais? Em número de votos os bolivarianos partidários de Chávez também cresceram, com 5.504.902 votos, enquanto no plebiscito do ano passado tiveram 4.379.392 votos. Já a oposição, que ganhou em cinco estados, ficou com cerca de 4.280.000 votos e no plebiscito do ano passado obteve 4.504.354 votos. Ai os canais de televisão brasileiros “informam” que o presidente, “ditador”, da Venezuela foi derrotado.

Isto tem um nome: manipulação da informação, e de forma grosseira. Podem imaginar o que vem por aí em matéria de noticiário sobre a República Bolivariana da Venezuela?
Fonte: Site Direto da Redação.

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