domingo, 30 de novembro de 2008

NA MÃO DO AGIOTA.

Por: Rogério Lessa*

Quando lhes convém, a imprensa grande e os politiqueiros são campeões em didática. Um bom exemplo é a um tanto forçada comparação entre as contas nacionais e a economia familiar: “O governo deve fazer como as donas-de-casa, que não gastam mais do que ganham”. Como se elas pudessem evitar o crediário para adquirir um simples DVD. Como se o Estado, ao gastar mais, também não arrecadasse mais em impostos no futuro, além de gerar empregos.No momento em que o Banco Central, depois de retomar a trajetória de alta da taxa de juros a pretexto de controlar uma suposta inflação de demanda, toma caminho inverso do mundo inteiro e mantém a Selic nas alturas, expondo o Brasil ao vexame no G20, não caberia perguntar se uma pessoa, empresa ou país podem se desenvolver estando na mão do agiota?

Yes, cada vez mais, nós só temos bananas. Cada vez mais nos especializamos em exportar produtos básicos para financiar importações de bens de maior valor agregado.

De acordo com o economista Miguel Bruno, da Escola Nacional de Estatística (Ence/IBGE), que agora está também no IPEA, os juros já representam 29% da renda nacional, ficando os bancos com 7% e o restante sendo destinado a segmentos privilegiados da sociedade. Já Marcio Pochmann, presidente do mesmo IPEA, constatou que apenas 20 mil clãs familiares (um milhão de pessoas) se apropriam de 75% da renda de juros pagos pelos títulos públicos do governo. Por outro lado, enquanto em 1994 a especulação com títulos públicos correspondia a 4% das receitas dos bancos, no final de 1998 essa especulação chegava a 43%.

Esse um milhão de privilegiados denunciados por Pochmann constitui uma nova Casa Grande, no país em que o salário mínimo seria insuficiente para sustentar um escravo. Metade da força de trabalho amarga na informalidade, mas na Casa Grande ninguém perdeu nada com a crise, pois os títulos públicos são garantidos pelo governo.

Mas se os juros baixarem, todos os “bons fundamentos” da nossa economia vão por terra, pois a pequena elite correrá para outros ativos, no Brasil e no exterior. Para agradá-la, vale inventar inflação, arrombar as contas externas e arrasar as exportações da indústria com o real sobrevalorizado. Aí está a explicação para tanta dificuldade de tirar o país do primeiro lugar no ranking mundial da taxa de juros: nossas reservas são três vezes menores que o dinheiro que pode sair do país (ou do Tesouro) a qualquer momento.

O Passivo Externo Líquido (PEL) brasileiro - medida bem mais abrangente que a dívida externa para medir os compromissos líquidos com o exterior - cresceu 49,3% entre dezembro de 2006 e dezembro de 2007, quando atingiu US$ 574 bilhões. Somente o estoque de investimento estrangeiro de portfólio (ações e títulos públicos) correspondia a 2,8 vezes as reservas cambiais, também em dezembro de 2007 - a coisa piorou em 2008.

Para agradar o agiota vale também inventar déficit na Previdência, falar das despesas, “esquecer” as receitas. Tudo com apoio da mídia. Assim, a previdência privada tornou-se a principal fonte de lucro dos bancos, ao lado dos juros extorsivos e das tarifas inacreditáveis. Para o IBGE, o brasileiro vive cada vez mais (quase 73 anos em média), enquanto pesquisa do próprio Ministério da Saúde revela que 41% de nós não chegamos aos 60 anos.

Já dizia Celso Furtado que um projeto de desenvolvimento precisa da mídia para motivar o povo. Aqui no Brasil ela joga contra, pois é aliada da Casa Grande e do capital estrangeiro.

Sabemos que FHC vendeu as jóias da coroa a preço de banana (olha ela aí outra vez), deixou o caixa (reservas) zerado e aumentou a dívida. Sabemos também que ele pôs a leilão o petróleo encontrado pela Petrobras, quase dobrou o desemprego e fez subir acentuadamente a renda de juros, em detrimento da participação da renda do trabalho no PIB. Mas confesso que fiquei pasmo (outra vez) ao ler estudo de Fabio Konder Comparato, “A desnacionalização da economia brasileira e suas conseqüências políticas”, mostrando que, antes de FHC, os estrangeiros participavam com 7,1% do comércio varejista brasileiro e hoje já controlam 60% desse mercado. Na siderurgia, os gringos saíram praticamente do zero para abocanharem uma fatia de 34% do setor. Pior o caso dos bancos: de uma participação de 9%, os estrangeiros passaram a controlar metade do mercado. E vejam que FHC posa de austero criador da Lei de “Responsabilidade” Fiscal.É fácil entender porque a pequena Singapura produz mais patentes que o Brasil.

O capital estrangeiro inicia o novo século XXI controlando 90% do setor eletro-eletrônico no país; 89% do setor automotivo; 86% do setor de higiene, limpeza e cosméticos; 77% da tecnologia da computação; 74% das telecomunicações; 74% do farmacêutico; 68% da indústria mecânica; 58% do setor de alimentos; e 54% do setor de plásticos e borracha. Nos últimos cinco anos, o número de bancos estrangeiros saltou de 2% para 17% do total das agências existentes.

E há quem consiga dormir com um barulho desses.

*Rogério Lessa Benemond: Jornalista do Monitor Mercantil, colaborador da revista Rumos do Desenvolvimento. Prêmio Corecon- RJ de jornalismo econômico 2006. Meus Artigos.
Fonte: Blog do Desemprego Zero.

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