Emir Sader.
De repente, parece que o mundo inteiro passou a se preocupar com a China, com os eventuais efeitos da crise sobre sua economia. Porque a China passou a desempenhar um papel tão central na economia mundial, que a preocupação é pela própria possibilidade do desempenho chinês funcionar como amortecedor dos profundos efeitos da recessão mundial, gerada nos países do centro do capitalismo e disseminados por todo o mundo, com diferente intensidade.
Os chineses encaram com calma a crise. Sabem que, pela própria presença já global da sua economia – e pelo papel que suas exportações, assim como pela posse dos papéis da dívida norte-americana e pela importação de investimentos -, não passarão incólumes. Porém, acreditam que dispõem dos instrumentos para enfrentá-la, mesmo tendo que diminuir um pouco o espetacular ritmo de crescimento que sua economia exibe nas três últimas décadas.
Saudada pelo editorial desta semana da revista The Economist, a conservadora publicação britânica, como “a mais assombrosa transformação econômica na história humana, mencionando, entre outros coisas, como “200 milhões de pessoas foram tiradas da pobreza” em um país em que nenhum outro na história fez, tendo crescido 9,8% em media nos últimos 30 anos, passando de 1,8% do PIB mundial em 1978 a 6% , entre outros dados. O editor do Financial Times, Martin Wolf, presente neste seminário, disse que “a emergência da China nas ultimas três décadas é o mais significativo acontecimento econômico e político de todo o período que nos toca viver.”
Os chineses, orgulhosos das conquistas e dos elogios, mas modestos e realistas, pretendem seguir adiante, embora com níveis mais baixos de crescimento, o que de qualquer maneira seria esperado, porque é fácil crescer a partir de um nível muito baixo de desenvolvimento, mas manter esse ritmo, depois de três décadas, é praticamente impossível. Crescer a 6%, por exemplo, a partir do nível que têm hoje, significa continuar a dar saltos enormes para a economia chinesa.
Transformados nos maiores portadores de papéis da dívida dos EUA e de reservas no mundo, eles seguem incrementando seus superávits comerciais. Em 2007, o superávit comercial obtido pela China era 80% dos superávits somados da Alemanha e do Japão, competidores durante décadas entre si para ter o primeiro posto arrebatado pela China. As reservas chinesas representam 27% do total de reservas existentes no mundo, mais do dobro do Japão, que vem em segundo lugar.
A solidez do seu sistema bancário – ao contrário do que se propalou durante muito tempo, principalmente dos bancos estatais – e o acúmulo de reservas permitem à China encaram com relativa tranqüilidade a crise. No entanto, o peso do mercado externo terá que diminuir em favor do interno, para que os efeitos da crise diminuam relativamente.
A China anuncia que continuará a comprar os papéis da dívida dos EUA, que consideram que continuam a ser, no médio e longo prazo, bons negócios. De fato, quando compraram ações de empresas produtivas norte-americanas, os chineses perderam dinheiro, não pretendendo seguir por esta via.
Passos na direção de acentuar a construção de um mundo multipolar são considerados estratégicos pelas autoridades chinesas. Daí o destaque que dão à reunião dos mandatários da China, do Japão e da Coréia do Sul, nesta semana, para coordenar ações e aprofundar os intercâmbios comerciais e financeiros. Da mesma forma a imprensa chinesa dá grande destaque à reunião de mandatários latino-americanos em Sauipe, processos que convergem na mesma direção.
Vista de Beijing, a crise não é considerada como um destino que levará todo o mundo à depressão, mas como um fator que afetará os ritmos de crescimento e deslocará mais o poder de decisão das mãos dos EUA e das grandes potências capitalistas para os países emergentes, especialmente para aqueles que reagirem coletivamente diante da crise.
Fonte: Agência Carta Maior.
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