sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

TORTURADORES DE ABU GHRABI, GUANTÁNAMO, etc

Argemiro Ferreira.

O presidente Gerald Ford, que ao ser empossado em seguida à renúncia de Richard Nixon (forçada pelo escândalo de Watergate) tinha declarado o fim do “longo pesadelo nacional”, chamou dois ex-colegas da Câmara, Donald J. Rumsfeld e Dick Cheney, para o governo. Os dois seguiam filosofia popular em Washington: “eu coço suas costas, você coça as minhas”. Cheney era estagiário na Câmara ao conhecer Rumsfeld, já deputado. Depois os dois foram deputados juntos.

Também estiveram juntos no governo Nixon - Rumsfeld buscou Cheney. Depois cada um foi uma vez chefe de gabinete da Casa Branca e duas secretário da Defesa. Sempre um coçando as costas do outro. Em 2001 Cheney, vice, retribuiu: impingiu Rumsfeld a Bush. E então o terrorismo do 11/9, além de ter criado o momento de glória para Osama Bin Laden, permitiu à mídia, nos meses sombrios entre 2001 e 2003, fabricar Rumsfeld como celebridade, elevando-a ao status de Madonna - ou, quem sabe, O. J. Simpson.

saddam_rumsfeld1Como milhões de pessoas, acompanhei a façanha pela TV. Vi como Rumsfeld passou a ser tratado como os astros de rock e do futebol. Não o vi cantar ou requebrar como Elvis Presley, mas isso em nada impediu seu enorme sucesso junto ao pessoal da mídia. Tornou-se atração diária da tarde nas redes all news, em confraternização promíscua com jornalistas de todos os veículos (inclusive os dos jornais mais influentes) na sala de imprensa do Pentágono. No espetáculo deprimente, jornalistas gargalhavam com ele - para vergonha da profissão.

Eu me lembrei disso tudo no início do ano passado, quando Rumsfeld abandonou o governo tão rejeitado como seu ex-adjunto Paul Wolfowitz, botado para fora até no Banco Mundial. E ao contrário da mídia desmemoriada dos EUA, que não ousava perguntar a ele sobre o aperto de mão com Saddam Hussein na foto acima (em Bagdá, 1983, depois de ter o Iraque usado armas químicas contra os iranianos), lembrei de novo agora, quando Rumsfeld está outra vez em foco - como o principal entre os acusados de crimes como abusos, tortura e morte em Guantánamo e demais prisões secretas dos EUA pelo mundo.
Quem pagará por estes crimes?

As acusações criminais, em tom vigoroso, estão no relatório bipartidário elaborado pela comissão dos Serviços Armados do Senado americano e divulgado há uma semana (saiba mais AQUI). Junto com Rumsfeld podem ser acusados ainda seu assessor jurídico William Haynes; o ex-assessor do presidente Bush na Casa Branca e ex-Procurador Geral Alberto Gonzales; e o ex-chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney, David Addington.

Hoje, quinta-feira, o New York Times acordou, com alguns dias de atraso, para a relevância do relatório do Senado. Lembrou como a ação desses personagens conspícuos “levaram diretamente” ao que aconteceu em Abu Ghrabi, no Afeganistão, na baía cubana de Guantánamo (em território sob indecente ocupação militar dos EUA há mais de um século) e em outras prisões secretas da CIA espalhadas pelo mundo, muitas das quais continuam a ser um mistério.

Claro que todo mundo sabe que os responsáveis maiores são o próprio presidente George W. Bush e seu vice Cheney. Antes de violarem a Carta da ONU para lançcar a agressão militar contra o Iraque, a dupla também já tinha encomendado à CIA as provas fraudulentas sobre inexistentes armas de destruição em massa (ADM). Rumsfeld e o resto da turma foram os que, para atendê-los, atolaram a mão na lama - fizeram o serviço sujo.

O relatório agora revelado foi distribuído tanto pelo presidente da comissão, o senador democrata Carl Levin, como pelo republicano de maior hierarquia na mesma comissão, o ex-candidato presidencial John McCain. Resulta do estudo mais profundo feito até hoje no Congresso sobre as origens dos abusos sofridos por prisioneiros sob custódia de autoridades dos EUA.
rumsfeldeconomist1Aprovado pela alta hierarquia

Revistas estrangeiras - como a conservadora The Economist, da Grã Bretanha, já exigiam a renúncia de Rumsfeld em 2004 (veja a capa ao lado). Agora o documento rejeita explicitamente a alegação anterior do governo Bush de que os métodos de interrogatório usados ajudaram a evitar novos ataques de terroristas aos EUA. Rejeitou ainda outras alegações anteriores de Rumsfeld, entre elas a versão sem qualquer base de que as políticas do Pentágono nada tiveram a ver com os abusos praticados contra os presos de Abu Ghrabi, Guantánamo e em outros casos de torturas.

As autoridades americanas sustentavam, desde o escândalo de Abu Ghrabi, que tudo fora provocado por uns poucos soldados fora de controle, agindo por conta própria. O relatório refuta a desculpa esfarrapada. Deixa claro que aqueles métodos de interrogatório foram aprovados pelo próprio secretário Rumsfeld e outras altas autoridades do Departamento da Defesa, a pretexto de que “pressões físicas e degradação eram apropriadas”.

Como destacou o editorial do Times hoje (leia a íntegra AQUI), aquelas autoridades “encarregadas de defender a Constituição e a postura da América no mundo, introduziram metodicamente práticas de interrogatório baseadas em torturas ilegais a que agentes chineses recorriam na guerra da Coréia”. Até o governo Bush, a única utilização de tal conhecimento nos EUA tinha sido para treinar seus soldados em resistência caso fossem capturados por “inimigos sem princípios”.

A comissão constatou que à época do escândalo de Abu Ghraib, Rumsfeld tinha revogado uma aprovação que expedira para o uso das técnicas mais cruéis. Autorizara tais métodos em dezembro de 2002, voltando atrás depois. Segundo o relatório, os excessos, até aquelas posições extremas e nudez forçada, já tinham sido disseminados por todo o sistema de detenção militar, “prejudicando nossa capacidade de coletar informações confiáveis de inteligência, capazes de salvar vidas. Além de fortalecer a mão do inimigo, comprometiam nossa autoridade moral”.
O zelo e a dedicação aos chefes

A maioria dos americanos, segundo o Times, sabia há muito tempo que os horrores de Abu Ghrabi não eram obra de uns poucos sociopatas de hierarquia inferior. Todos, à exceção dos mais obcecados na dedicação ao presidente Bush, reconheciam haver uma cadeia de decisões inescrupulosas que levaram aos abusos, às torturas e às morte em prisões dirigidas pelos serviços militares e de inteligência dos EUA.

O excesso de zelo de gente que servia a Bush (como Gonzales, seu consultor no governo do Texas e na Casa Branca, depois promovido a Procurador Geral e forçado a renunciar) e a Cheney (como Addington, que fazia pareceres trabalhosos para dar fundamento jurídico às obsessões malignas do vice) produzia documentos jurídicamente e moralmente reprováveis, na ânsia de justificar as ações desejadas pelos chefes.

Foi o caso da Ordem Presidencial (equivalente a decreto) estabelecendo que as convenções de Genebra não se aplicavam a presos da chamada “guerra ao terror” - a primeira vez que um país democrático reinterpretou unilateralmente as convenções. Coisas assim golpearam a imagem dos EUA no mundo. As imagens de Guantánamo e Abu Ghrabi, segundo um ex-advogado da Marinha, estão hoje entre as causas maiores de mortes de militares do país.

O Times acha compreensível a ansiedade dos americanos para virar a página e esquecer essa questão sombria. “Mas seria irresponsável para o país se o novo governo (de Barack Obama) ignorasse o que ocorreu - e pode ainda estar acontecendo nas prisões secretas da CIA”, advertiu o editorial, que ainda defendeu a nomeação de um promotor especial para conduzir a acusação às altas autoridades do Pentágono e demais envolvidos no planejamento dos abusos.
Fonte:Blog do Argemiro Ferreira.

Nenhum comentário: