quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

EUA - O gabinete de Obama contradiz seus ideais.

Hillary, Gates, Jones, Holder, Volcker, Summers, Emmanuel, Richardson, são alguns dos nomes mais conhecidos da cúpula política dos Estados Unidos. Agora são integrantes do "novo" governo, o que prometeu "mudar" o mundo que eles mesmos, entre outros, criaram.

Por David Brooks, correspondente do La Jornada em Washington.

O presidente eleito, Barack Obama, justifica a nomeação de tantos veteranos de Washington, sobretudo integrantes do governo de Bill Clinton, como algo necessário ante os "ingentes desafios" que o país enfrenta, e sustenta que isso não implica em continuísmo.

"O que vamos fazer é combinar a experiência com o pensamento novo. Mas entendam de onde provém a visão de mudança, primeiro e antes de tudo: provém de mim", afirmou na semana passada em uma coletiva de imprensa.

Durante estas duas semanas, Obama apresentou o seu gabinete econômico e de segurança nacional. Quase todos os designados têm larga trajetória política (a "experiência") e são figuras muito reconhecidas nos EUA e no exterior. Entre eles, Paul Volcker, presidente do Federal Reserve durante as administraçõs de Jimmy Carter e Ronald Reagan, como chefe de uma nova entidade assessora que orientará a política econômica do novo governo; Timothy Geithner, próximo secretário do Tesouro, e Lawrence Summers, como principal assessor presidencial em políticas econômicas.

Na segunda-feira apresentou Hillary Clinton como próxima secretária de Estado, manteve Robert Gates como secretário de Defesa, nomeou assessor de Segurança Nacional o general aposentado James Jones, secretária de Segurança Interna a governadora do Arizona, Janet Napolitano, Eric Holder como Procurador-Geral, e Susan Rice (nenhuma relação com Condoleezza) como embaixadora na ONU.

Antecipa-se que passará a carteira do Comércio ao governador do Novo México, Bill Richardson (que será o latino de mais alto posto em seu governo) e a da Saúde e Recursos Humanos ao ex-senador Tom Daschle. Já nomeou outros dois veteranos do governo Clinton em postos significativos: Rahm Israel Emanuel como chefe de equipe da Casa Branca e Greg Craig como Conselheiro Legal.

Líderes de ambos os partidos, os principais analistas e assessores políticos e seus think tanks, assim como os grandes meios, elogiaram em geral a soma de experiência coletiva e individual do governo em construção.

Mas a "experiência" política também tem um problema: está formada por longas histórias, nem todas tão puras ou cândidas, e muias vezes muito contraditórias com as posições do novo chefe.

De início, nem um só integrante da equipe de segurança nacional e política externa se opôs à guerra contra o Iraque. Isto é, nenhum deles compartilhou a postura de quem será seu novo chefe, o qual mostrou com precisão esse tema durante a eleição passada, como prova de que não era como os demais.

Hillary, como senadora, não só votou a favor da guerra de Bush contra o Iraque, como também a justificou e promoveu antes e depois da invasão. Alguns críticos assinalam que, mesmo se ela vier a romper com vários esquemas de política externa dos oito anos anteriores, também possui um histórico de repudiar normas internacionais e de direitos humanos que obstróem os "interesses" dos Estados Unidos, sobretudo quando se refere a Israel.

Além do mais, seu talento diplomático é questionado, ao relembrar algumas de suas posições e afirmações. Uma das declarações mais espantosas dadas por ela durante a disputa das primárias democratas foi quando declarou que, se o Irã se atrevesse a atacar Israel com armas nucleares, ela como presidente "atacaria o Irã... nos próximos 10 anos, se tiverem a torpeza de pensar em lançar um ataque contra Israel, nós seriamos capazes de arrasá-los por completo". O Irã tem uma população de 66 milhões de habitantes, que Hillary parece estar disposta a apagar do mapa... diplomaticamente falando.

O chefe de equipe da Casa Branca, Rahm Israel Emanuel, também é conhecido como fervoroso defensor de Israel e apoiador da guerra. Usou seu posto de liderança parlamentar (foi o quarto na hierarquia da Câmara) para negar apoio a candidatos de seu próprio partido ao Congresso que se opunham à guerra.

Por outro lado, Gates não só foi o encarregado das duas guerras atuais durante quase dois anos — criticadas por Obama, o que lhe deu amplo apoio desde o início da campanha eleitoral — como também em sua longa trajetória foi um "combatente da guerra fria". Também foi chefe da CIA na presidência do pai de Bush, culminando uma carreira de 26 anos na agência, onde ainda não está claro seu papel no escândalo Irã - Contras. Tampouco acertou em prever o fim da União Soviética, entre outros problemas.

Joe Biden, o vice-presidente eleito, foi outro entusiasta promotor da guerra contra o Iraque e é conhecido por suas posições como falcão — o lado belicoso — na política externa.

O jornalista Jeremy Scahill resume tudo assim, no The Guardian: "Hillary, Robert Gates, Susan Rice e Joe Biden são um punhado de falcões com um histórico de comprovado apoio à guerra no Iraque, à intervenção militarista, as políticas econômicas neoliberais e a uma visão mundial consistente com o arco de política externa desde os tempos de George H. W. Bush até o presente.

"O que finalmente os vincula à equipe de Obama — agrega — é seu apoio uniforme à clássica receita da política externa dos Estados Unidos: a mão invisível do livre mercado, apoiada pelo punho de ferro do militarismo, para defender a doutrina dos 'Estados Unidos, antes de tudo'."

Junto com os integrantes da equipe econômica — os quais agiram nas políticas econômicas que produziram a desregulamentação dos setores financeiros — o que conduziu a um das mais dramáticas transferências de riqueza nos últimos 80 anos, das maiorias aos mais ricos, só para explodir na pior crise desde a Grande Depressão —, estes políticos de ampla "experiência" conduzem a perguntas sobre o que passou com a tal "mudança" prometida por Obama.

Quando até opositores conservadores de Obama — figuras como Karl Rove, estratega político de Bush; assessores de seu adversário John McCain, assim como o New York Times e outros do chamado establishment – elogiam suas escolhas para o novo governo, tudo parece indicar que Obama conseguiu gerar "confiança" entre a cúpula política e econômica do país. Mas não é o mesmo que gerar confiança nas enormes maiorias que repudiaram as políticas bélicas, a manipulação do medo, a manipulação econômica e a violação de direitos civis, constitucionais e internacionais, e que correram para responder ao convite para votar pela "mudança".


Agora estarão na expectativa para ver se, como argumentam alguns citando precedentes na história deste país, Obama emprega a experiência e o capital político que representa sua equipe para colocar em marcha essa "mudança na qual se possa acreditar".

O lema de sua campanha foi "Sim, podemos!". Será que podemos mesmo?
Fonte:Site do O Vermelho.

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