quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

PETRÓLEO - O petróleo do Iraque e o futuro.

Kjell Aleklett.

Que a invasão do Iraque pelos EUA e Inglaterra tresandava a petróleo já hoje ninguém tem dúvidas. O que se duvida é das provas que foram apresentadas a Blair, Aznar e a Durão Barroso nos Açores e que eles agora reconhecem ser que eram falsas. Mas talvez não seja assim, talvez as provas apresentadas fossem verdadeiras, mas não dissessem respeito a armas, mas antes às reservas de petróleo do Iraque e que não estavam anunciadas…

O dia 13 de Novembro é um dia que não irei esquecer tão cedo. Durante várias horas, eu e o meu grupo de investigação tivemos a oportunidade de conversar detalhadamente sobre o petróleo do Iraque com o Dr Issam A. R. al-Chalabi. Ele trabalhou na indústria petrolífera do Iraque durante 23 anos, tendo sido presidente da empresa estatal para projectos petrolíferos SCOP (State Company for Oil Projects), da empresa petrolífera nacional INOC (Iraq National Oil Company), assim como vice-ministro e ministro do petróleo do seu país. Por ocasião da guerra no Koweit, foi demitido e transferido para a Jordânia. Poucas pessoas terão um melhor conhecimento do petróleo do Iraque do que ele.

Jean Laherrere, antigo responsável pelo sector de exploração na Total, produziu uma síntese das descobertas de petróleo no Iraque. Os dados compilados revelam que durante os anos em que o Dr. al-Chalabi deteve posições de liderança no Iraque, as descobertas do país aumentaram de 70 para 140 mil milhões de barris. Actualmente, o Iraque é referido como possuindo 115 mil milhões de barris de reservas. A nossa conversa começou com uma análise da dimensão de tais reservas. Existirão “barris políticos” nessas reservas e como foi que se chegou ao valor de 115 mil milhões de barris?

Em 1968, foi tomada a decisão de manter secreta a dimensão das reservas petrolíferas do Iraque, mas durante o período em que deteve cargos de responsabilidade, o Dr al-Chalabi fez os possíveis para que as mesmas fossem contabilizadas de forma aberta e transparente. O Dr al-Chalabi declarou que durante os anos em que foi responsável pelos valores das reservas petrolíferas do seu país, nunca Saddam Hussein lhe ordenou que reportasse tais valores de uma forma que servisse qualquer fim político.

A pré-condição para a descoberta de jazidas de petróleo é a existência de estruturas geológicas adequadas. No Iraque, existem 525 estruturas dessa natureza para investigar. Evidentemente que os iraquianos escolheram investigar primeiro as estruturas que lhes pareciam mais promissoras. Até à data, foram investigadas 125 dessas estruturas geológicas. Quando o Dr al-Chalabi era responsável por essa actividade, o Iraque dispunha de 40 equipas sismológicas e de 30 a 40 equipas que faziam sondagens em busca de petróleo. Os trabalhos sismológicos realizados forneciam apenas dados a duas dimensões. A primeira vez que surgiu uma oportunidade de utilizar equipamento que fornecia dados tridimensionais foi em 1990, pouco antes do Dr al-Chalabi ter sido afastado dos seus cargos. Ele considera que o Iraque é ainda um território virgem em termos de prospecção. Um furo de prospecção, designado na gíria por “wildcat”, pode ficar seco ou encontrar petróleo. O Dr. indicou que haviam sido muito bem sucedidos e que 73% dos furos realizados tinham resultado em novas descobertas, uma taxa de êxito fantástica e que se situa provavelmente entre as melhores do mundo. Apesar das condições difíceis, os trabalhos de prospecção prosseguiram durante os oito anos que durou a guerra com o Irão. O Iraque também tem direito a realizar trabalhos de prospecção numa pequena área do Golfo Pérsico mas, até agora, nada foi feito.

Em Junho de 1990, um grupo de geólogos e engenheiros petrolíferos reuniu-se para avaliar as reservas de petróleo do Iraque. Os geólogos são geralmente pessoas optimistas e estimaram que as reservas seriam da ordem dos 140 milhares de milhões de barris. Quando os engenheiros petrolíferos apresentaram uma estimativa mais realista que incluía, entre outras coisas, um factor de recuperação na ordem dos 15 a 25%, concluíram que as reservas seriam de cerca de 115 mil milhões de barris. Trata-se de uma estimativa muito conservadora, quando comparada com a que é feita para a Arábia Saudita, onde é utilizado um factor de recuperação superior a 50%. Uma razão para essa estimativa conservadora tem que ver com o facto dos seus autores apenas terem acesso a análises sismológicas a duas dimensões.

Nas estruturas que investigaram, os iraquianos apenas fizeram perfurações superficiais, mas o Dr al-Chalabi acredita que, com modernas tecnologias de perfuração, encontrarão significativamente mais petróleo nas estruturas antigas do que no conjunto das estruturas que ainda estão por explorar. O valor que foi citado foi o dobro. Com estas ideias para nos orientarmos e a estimativa de que encontrarão mais 30-60 mil milhões de barris nas estruturas mais antigas, podemos prever que o Iraque tem um potencial futuro de 40-60 mil milhões de barris, ou seja, um máximo de dois anos de consumo global de petróleo.

O Dr al-Chalabi considera que o período que vai de 1973 a 1980 foi a época de ouro do Iraque no que se refere ao petróleo. Nessa época, existia dinheiro e reinava a paz no Iraque. A Figura 1 mostra também que se tratou de um período cheio de sucessos. Os iraquianos descobriram, entre outros, o campo de “East Bagdad”. Na verdade, uma parte da população de Bagdade vive em cima de um campo petrolífero.

Debatemos a distribuição geográfica das reservas e o Dr al-Chalabi afirmou que 60% estão localizadas nas regiões mais a sul do país, enquanto que o restante está distribuído de forma mais ou menos equitativa entre as regiões norte e centro.

O debate prosseguiu depois com a questão da produção de petróleo. Quando o Império Otomano foi desmembrado no final da Primeira Guerra Mundial, criaram-se diversas nações e o Iraque tornou-se a jóia da coroa. Após prolongadas negociações, foi decidido que os proventos futuros da extracção de petróleo seriam divididos entre a Grã Bretanha, França, Países Baixos e os EUA – ou seja, uma situação em que os vencedores ficaram contudo. A empresa petrolífera nacional do Iraque foi constituída e os direitos de prospecção de petróleo foram atribuídos a empresas petrolíferas bem conhecidas. Após diversas transformações políticas, o Iraque teve um governo que, em 1961, decidiu que todos os direitos de prospecção que não tivessem sido usados teriam de ser devolvidos às autoridades. As empresas petrolíferas nacionais ficaram apenas com os campos petrolíferos que já estavam em produção, aproximadamente 5% da área que lhes fora inicialmente atribuída. Durante a década de 1970, mesmo essas áreas acabaram por ser nacionalizadas e as empresas petrolíferas internacionais foram expulsas do país. Estas últimas tentaram encetar acções judiciais mas sem êxito. O Iraque tornou-se dono do seu petróleo.

Antes da reunião havíamos preparado um cenário para a produção petrolífera futura do Iraque. A Figura 2 mostra que será relativamente simples aumentar a produção de petróleo para 5 milhões de barris diários, mas que tal exigirá algum investimento.

Os valores da produção de petróleo mostram que a guerra constitui uma forma eficaz de interromper a produção. A parte sul do campo de Rumaila fica situada no Koweit. Esta parte poderá corresponder a 5% da área total do campo. A questão de saber onde se situa exactamente a fronteira no deserto tem sido um foco de tensões. O Koweit decidiu iniciar a produção do seu lado do campo antes de existir um acordo com o Koweit. As estruturas geológicas têm características tais que, se alguém extrair petróleo a sul, a área será automaticamente preenchida de novo com petróleo proveniente das zonas mais a norte – ou seja, o petróleo do Iraque está a passar por baixo da fronteira. Para contrariar este fenómeno, foram abertos diversos poços no lado iraquiano da fronteira. Muitos afirmam que a produção petrolífera de Rumaila foi uma das razões por detrás da invasão do Koweit pelo Iraque. Actualmente, a fronteira está redefinida pela ONU de tal modo que mesmo os poços que anteriormente estavam no Iraque fazem agora parte do Koweit.

Em 1979, existiam planos bastante avançados para aumentar a produção petrolífera do país para 6 milhões de barris diários. A guerra e a política alteraram drasticamente tais planos. Contudo, o petróleo continua a existir no subsolo e no final da década de 1980 foram retomadas as discussões sobre os velhos planos. Mais uma vez, a guerra e a política vieram interromper o processo.

Com investimentos pouco significativos, seria possível aumentar a produção actual (proveniente de 18 ou 19 campos) em 4 milhões de barris diários. Com investimentos adicionais em novos campos, os velhos planos poderiam ser concretizados e o Iraque transformar-se-ia numa nação com uma produção petrolífera de 6 milhões de barris diários. Os nossos próprios cálculos não são tão optimistas mas nós não dispomos certamente de todos os dados correctos.

Depois entrámos na parte política da nossa conversa. Por diversas vezes, o Dr al-Chalabi referiu a lei iraquiana nº 80 de 1961 que estabelece ser necessária aprovação parlamentar para que empresas estrangeiras possam obter direitos de propriedade sobre o petróleo do Iraque. Presentemente, está a ser discutida uma nova lei do petróleo que irá transferir a competência para tomar essa decisão para o governo, existindo grande oposição a tal medida no seio da população.

Recentemente, foram lançados concursos para direitos de extracção em diversos campos petrolíferos. O facto de 125 empresas de todo o mundo terem manifestado interesse nos concursos revela que o petróleo do Iraque é decisivo para a futura produção global. O Dr al-Chalabi não acha que essas empresas devam ser responsáveis pela produção. Em sua opinião, a responsabilidade deveria permanecer em mãos iraquianas. É certo que o Iraque irá necessitar da assistência de empresas de serviços nesta área e talvez também de empresas petrolíferas estrangeiras, mas o direito a decidir sobre a produção de petróleo deve permanecer com o povo do Iraque. Aquilo que está a acontecer agora está a fazer o Iraque regressar ao período que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. “Quando se fala em Iraque, pensa-se em petróleo, e quando se refere petróleo está-se a pensar no Iraque.” Alan Greenspan, Colin Powell e um número cada vez maior daqueles que conduziram os EUA na sua invasão do Iraque confessam agora que o petróleo foi a razão por detrás da guerra.

Num artigo de opinião no Uppsala Nya Tidning [o jornal diário de Uppsala] datado de 3 de Outubro de 2002, escrevi o seguinte: ”A guerra que está agora a ser planeada contra o Iraque pode ser mascarada com todos os factos que quiserem e ser perfumada com água de colónia para cheirar bem, mas quando se lhe abrir o casaco continuará a cheirar a petróleo”. Fui então criticado pelas minhas opiniões mas é agora claro que eu tinha razão.

Para concluir, debatemos as descobertas de gás natural no Iraque. São reservas modestas, em comparação com as que existem no Irão e Qatar. A nossa conversa foi parar rapidamente ao acordo que a Shell assinou recentemente com a empresa iraquiana South Gas. O Dr al-Chalabi ficou muito agitado e declarou que a Shell, em princípio, obtivera o monopólio da extracção de gás no Iraque e que o preço que pagara fora apenas um décimo daquilo que poderá valer 40 mil milhões de dólares daqui a 20 anos. O Dr al-Chalabi esteve envolvido na construção da infraestrutura para o gás natural no seu país e garante que as reparações necessárias são limitadas. O povo iraquiano deveria tomar ele próprio conta da sua produção de gás natural.

Aquilo que aqui ficou relatado é parte da informação que recebemos. Como investigador universitário, foi com prazer que verifiquei que o Dr al-Chalabi considerou ser adequado relatar abertamente as conversas havidas entre nós. Iremos analisar criticamente os valores fornecidos, mas em termos de futuras descobertas no Iraque é provável que sejam descobertas muitas mais jazidas de petróleo. A questão é saber se voltarão a ser encontrados campos supergigantes. Adicionando todos os campos supergigantes e gigantes ficamos na nossa lista com 27 “elefantes”. O mundo necessita do petróleo extraído desses campos. Segundo o Dr. al-Chalabi, o governo do Iraque prepara-se para vender cinco campos supergigantes com cerca de 43 mil milhões de barris. Numa segunda volta já planeada, irão ser postos à venda a maioria dos restantes campos gigantes com 52 mil milhões de barris. O que sobrará para o Iraque serão 115 – 95 = 20 mil milhões de barris. Consigo compreender o transtorno do Dr. al-Chalabi uma vez que ele esteve envolvido na descoberta de 70 mil milhões de barris que irão agora ser colocados no mercado.

A visita do Dr al-Chalabi à Universidade de Uppsala concluiu-se com uma conferência onde aproximadamente 200 estudantes, funcionários da universidade, público em geral e imprensa puderam também escutar parte daquilo sobre que havíamos conversado.
* Professor de Física da Universidade de Uppsala
Este texto foi publicado em Global Energy Systems.

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