domingo, 11 de janeiro de 2009

ONDE NÃO HÁ UTOPIA NÃO HÁ FUTURO.

por Michelle Amaral da Silva.

Para dom Pedro Casaldáliga, somente a construção de um mundo só (e não dois ou três ou quatro) poderá salvar a Humanidade. Segundo ele, é utopia, mas uma utopia "necessária como o pão de cada dia"
Para dom Pedro Casaldáliga, somente a construção de um mundo só (e não dois ou três ou quatro) poderá salvar a Humanidade. Segundo ele, é utopia, mas uma utopia "necessária como o pão de cada dia"

Nilton Viana

da Redação

Dom Pedro Casaldáliga tem sido uma voz firme na defesa de que, para o socialismo novo a utopia continua. E esclarece: a utopia de que falamos, a compartimos com milhões de pessoas que nos precederam, dando inclusive o seu sangue, e com milhões que hoje vivem e lutam e marcham e cantam. Para ele, esta utopia está em contrução, somos operários da utopia.


Mesmo convivendo com o “irmão Parkinson”, como ele mesmo define a doença de Parkinson - uma enfermidade neurológica, que afeta os movimentos da pessoa, causa tremores, lentidão de movimentos, rigidez muscular, desequilíbrio além de alterações na fala e na escrita - carinhosamente respondeu às nossas perguntas. E, nesta entrevista ao Brasil de Fato, Casaldáliga fala do “absurdo criminal de constituir a sociedade em duas sociedades de fato: a oligarquia privilegiada, intocável, e todo o imenso resto de humanidade jogada à fome, ao sem-sentido, à violência enlouquecida”. E defenque que, hoje, só a participação ativa, pioneira, de movimentos sociais pode retificar o rumo de uma política de privilégio para uns poucos e de exclusão para a desesperada maioria. E adverte: o latifúndio continua a ser um pecado estrutural no Brasil e em toda Nossa América.


Brasil de Fato - Como o senhor tem visto a devastadora crise que já afeta todos os países e principalmente a classe trabalhadora?

Dom Pedro Casaldáliga - Com muita indignação e revolta; com uma sensação de importência e ao mesmo tempo a vontade radical de denunciar e combater os grandes causantes dessa crise. Esquecemos, fácil demais, que a crise fundamentalmente é provocada pelo capitalismo neoliberal. Irrita ver governantes e toda a oligarquia justificando que as economias nacionais devam servir ao capital financeiro. Os pobres devem salvar economicamente aos ricos. Os bancos substituem a mesa da familia, as carteiras da escola, os equipamentos dos hospitais...


Eu estava comentando ontém (19 de dezembro) com uns companheiros de missão que a avalanche de demissões acabará justificando uma avalanche de assaltos, por desespero. Está crescendo cada dia mais o absurdo criminal de constituir a sociedade em duas sociedades de fato: a oligarquia privilegiada, intocável, e todo o imenso resto de humanidade jogada à fome, ao sem-sentido, à violência enlouquecida. Fecham-se as empresas, quando não conseguem um lucro voraz, e se fecha o futuro de um trabalho digno, de uma sociedade verdadeiramente humana.


Como o senhor analisa o papel dos movimentos sociais frente a atual conjuntura?

Já faz um bom tempo que, sobretudo no Terceiro Mundo (concretamente no nosso Brasil, na Nossa América), se vem proclamando por cientistas sociais e dirigentes populares que hoje só a participação ativa, pioneira, de movimentos sociais pode retificar o rumo de uma política de privilégio para uns poucos e de exclusão para a desesperada maioria. Os partidos e os sindicatos têm ainda sua vez; devem conservá-la ou reivindicá-la. Sindicato e partido são mediações políticas indispensáveis; mas o movimento social organizado, presente no dia-a-dia do povo, é sempre mais urgente, como uma espécie de "vanguarda coletiva".

Diante deste cenário, na sua avaliação, quais são as alternativas para os pobres do mundo hoje?

A alternativa é acreditar mesmo, que "Outro Mundo é Possível" e se entregar individualmente e em comunidade ou grupo solidário a ir fazendo real esse "mundo possível". O capitalismo neoliberal é raiz dessa crise e somente há um caminho para a justiça e a paz reinarem no mundo: socializar as estruturas contestando de fato a desigualdade socio-econômica, a absolutização da propriedade e a própria existência de um Primeiro Mundo e um Terceiro Mundo, para ir construindo um só Mundo, igualitário e plural. Com frequência respondo a jornalistas e amizades do Primeiro Mundo que somente a construção de um mundo só (e não dois ou três ou quatro) poderá salvar a Humanidade. É utopia, uma utopia "necessária como o pão de cada dia". Onde não há utopia não há futuro.
Fonte:Brasil de Fato.

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