segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

QUEM CUIDARÁ DAS RUÍNAS DE GAZA?

Do blog Vi o Mundo.

Ethan Bronner, International Herald Tribune (edição global do NYT), 4/1/2009

(http://www.iht.com/articles/2009/01/04/mideast/assess.php?page=2)

PASSAGEM DE EREZ, fronteira entre Israel e Gaza – Tanques israelenses continuam a entrar em Gaza, na segunda fase dessa tentativa para pôr fim aos Qassams, e uma pergunta paira sobre toda a operação: haverá meio para impedir o lançamento de Qassams, enquanto o Hamás governar Gaza?

Se a resposta continuar a ser negativa, como até agora, então, o real objetivo dessa guerra será derrubar o Hamás, custe o que custar?

Depois da visita a Paris, na 3ª-feira, para explicar ao governo francês por que não seria hora de pensar em cessar-fogo, a ministra dos Negócios Estrangeiros de Israel, Tzipi Livni, disse que "Ninguém duvida de que, enquanto o Hamás controlar Gaza, haverá problemas para Israel, para os palestinenses e para toda a Região."

O vice-Premiê Haim Ramon foi mais longe, em entrevista na 6ª-feira à televisão israelense, e disse que Israel não deveria encerrar a operação enquanto o Hamás permanecer no poder.

"Minha opinião é que temos de impedir que o Hamás governe", disse Ramon no Channel 1. "Isso é o que interessa."

Nem Ehud Olmert nem Ehud Barak chegaram a tanto. Apesar disso, há crescente preocupação entre os líderes israelenses, de que qualquer ação direta para derrubar o Hamás acabe por criar novos problemas para Israel, em relação aos seus objetivos de longo prazo, porque fortaleceria o grupo – de fato um partido político cujos estatutos listam, entre os objetivos partidários, a destruição de Israel.

"Se a guerra terminar em impasse, como se deve temer que termine, e Israel não reocupar Gaza, o Hamás ganhará reconhecimento diplomático", escreveu Aluf Benn, analista político, no jornal Haaretz anteontem. "Não importa o quanto digam que o Hamás seria organização terrorista, a brutalidade com que está sendo atacado gerará legitimitade para eles."

Além disso, qualquer trégua possível incluirá intensificar o tráfego comercial de Israel e Egito na direção de Gaza – exatamente o que o Hamás reivindica desde o início: fim do bloqueio econômico e abertura maior das fronteiras. Em situação de trégua, com Gaza ocupada por Israel, reconstruir a economia de Gaza, sob governo do Hamás, dizem líderes israelenses, será reconstruir o Hamás. Ao mesmo tempo, manter o bloqueio, depois de haver massacrado 1,5 milhão de palestinenses, tornará a ocupação um inferno, sobretudo, para forças de ocupação que permaneçam em Gaza, quer dizer, para as forças israelenses, autoras do massacre.

Implícita no argumento de Benn, contudo, está a idéia de que o único modo de impedir que o Hamás ganhe legitimidade é a total reocupação de Gaza, mais de três anos depois de Israel ter evacuado colônias de judeus e retirado tropas. Ninguém, em Israel ou fora de Israel, atreve-se a defender essa via de ação. A reocupação é impensável.

Além disso, ao mesmo tempo em que derrubar o Hamás parece ser a questão-chave, ninguém que conheça Gaza e a política da Região considera esse encaminhamento realista. O Hamás tem deputados eleitos, são maioria conquistada em eleições democráticas há 4 anos, além de terem entre 15 mil e 20 mil homens em armas. É poder político e militar consolidado nos últimos 18 meses, depois de derrotar o partido Fatah, do presidente Máhmude Abbas, estabelecido em Ramállah, na Cisjordânia, e considerado governo aliado de Israel.

E, embora haja muitos eleitores do Fatah em Gaza, não são suficientemente organizados nem estão suficientemente armados para chegar ao poder, nem mesmo com ajuda de políticos exilados em Ramállah que, de qualquer modo, dizem que jamais aceitarão voltar a Gaza "sobre os tanques de Israel". De fato, quanto mais durar a guerra de Israel contra Gaza, mais fraco ficará o Fatah, condenado como partido traidor ou colaboracionista.

O mais provável resultado de destruir a infra-estrutura do Hamás, portanto, será o caos, que ferirá, primeiro e mais, em todos os casos, não só a população de Gaza, mas também a população do sul de Israel.

Até agora, a campanha militar israelense, além de ter matado centenas de civis, muitas crianças, não dá sinais de ter sequer arranhado a soberania do Hamás. E atacou alvos que não são alvos militares. Israel tem repetido que as mesquitas seriam depósitos de armas e que a Universidade Islâmica – várias vezes bombardeada – abrigaria fábricas de explosivos. Verdade ou não, o mesmo argumento não explica a destruição dos prédios da administração pública em Gaza.

"Os prédios da administração são parte da estrutura financeira, logística e de Recursos Humanos que dão apoio ao terror," disse o capitão Benjamin Rutland, porta-voz dos militares israelenses. "Quase todo o governo trabalha como suporte ativo e no planejamento do terror."

[Além de todas as dificuldades para governar Gaza, em caso de ocupação permanente] Israel terá de enfrentar também críticas ferozes que já começam a soar, contra a guerra. Não só por causa das cenas horripilantes que a televisão mostrou em todo o mundo, mas também porque já paira no ar uma impressão de déjà vu: são as mesmas táticas, que Israel repete e repete, sem que jamais, no passado, tenham levado a qualquer progresso na Região.

Muitos já lembraram a guerra de 2006, no Líbano, contra o Hizbóllah, quando Israel também tentou destruir a infra-estrutura de outro grupo que também lançava foguetes... e só conseguiu, além de número escandaloso de mortos civis – e resultado final que para muitos foi total derrota –, tornar o Hizbóllah mais popular e certamente mais forte do que era antes da guerra.

Estrategistas israelenses têm repetido que a comparação não é válida, e que aprenderam a lição. Gaza é menor e é terreno menos acidentado que o sul do Líbano e, mais importante, não tem fronteira com a Síria, caminho pelo qual o Hizbóllah sempre recebeu armas. Dizem que, depois de destruídos os túneis que ligam o Egito a Gaza e os depósitos clandestinos de armas do Hamás (além das bases de lançamento dos Qassams) e toda a infra-estrutura... a vitória é garantida.

Talvez demore. Talvez a guerra se arraste ainda por semanas e meses, dizem, mas dará certo. Ainda que dê certo, várias perguntas permanecem sem resposta: não terá custado caro demais? E quem conseguirá administrar as ruínas de Gaza, quando essa guerra acabar?
Fonte: Blog Vi o Mundo.

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