por Rick Wolff [*]
No núcleo do sistema capitalista jaz um conflito central. Por um lado, os conselhos de administração das corporações buscam extrair sempre mais excedente dos trabalhadores produtivos. Por outro, os trabalhadores procuram sempre mais salários, benefícios e melhores condições de trabalho que reduzam o excedente disponível para os empregadores. O conflito de classe entre capitalistas e trabalhadores acerca da dimensão desse excedente torna-se perpétuo. A forma do conflito varia desde o oculto ao aberto e desde o moderado ao violento.
Os conselhos de administração descobrem continuamente meios para reduzir os salários. Mas eles queixam-se quando os consumidores, cujos salários caem, não podem comprar todas as mercadorias que os capitalistas precisam vender-lhes. Na verdade, o consumo insuficiente frequentemente contribui para provocar ou agravar uma recessão. A contradição aqui é que muitos capitalistas parecem incapazes de vê-la, e muito menos relacioná-la com a estrutura de classe da produção capitalista e o conflito dela resultante.
Os trabalhadores procuram continuamente melhorar os seus rendimentos, benefícios e condições de trabalho. Mas com isso confrontam os empregadores, que respondem terciarizando empregos para trabalhadores mais baratos ou subservientes ou eliminando empregos através da automação, mesmo ao custo de por em risco vendas de mercadorias a trabalhadores, levando a recessões ou agravando-as. A contradição aqui – trabalhadores que atingem ganhos de risco perdendo seus empregos – está subjacente a outro dos conflitos sistémicos do capitalismo. Como discutido mais adiante, se os trabalhadores se tornassem os seus próprios conselhos de administração colectivos eles provavelmente não reduziriam salários ou terciarizariam empregos. Trabalhadores que se apropriassem do seu próprio excedente acompanhariam a automação com reciclagem profissional a sério e apoio de transição para trabalhadores deslocados – o que raramente é feito quando conselhos de administração capitalistas automatizam.
. O conflito entre administradores corporativos e trabalhadores produtivos ajudou a produzir tanto a estagnação dos salários dos últimos 25 anos como a resultante bolha de excedente que inchou e acabou por explodir em 2008. O conflito de classe sempre contribuiu para a instabilidade sistémica do capitalismo. O gráfico ao lado, elaborado pelo Center on Budget and Policy Priorities, regista muitas recessões nos EUA após 1945. A instabilidade do capitalismo foi uma constante, embora a política e a cultura nacional tenham mudado muitas vezes desde 1945, pois a Guerra Fria irrompeu e declinou. A estrutura de classe do capitalismo manteve-se entretanto a martelar seu ritmo de ciclos de crescimento e queda nas nossas vidas.
Cada recessão desde 1948 custou milhões de perdas de empregos que prejudicou os trabalhadores envolvidos, as suas famílias, vizinhos e comunidades (incluindo os seus empregadores). Grande porções da capacidade produtiva (máquinas, equipamento, escritórios, lojas) ficaram ociosas: produções no valor de milhares de milhões que poderiam ter sido produzidas nunca o foram devido à recessão. Se a produção houvesse sido efectuada e utilizada para aliviar problemas sociais (pobreza, falta de moradia, cuidados infantis inadequados, infraestrutura deteriorada, etc) estaríamos a viver numa país muito diferente. As recessões sempre cortam receitas para os governos locais, estaduais e federal, forçando a reduções em educação pública, cuidados de saúde e assim por diante. A instabilidade recorrente ridiculariza e invalida toda aquela conversa acerca da "eficiência capitalista".
Seria razoável identificar, investigar e discutir publicamente toda a causa possível de tal instabilidade. Os objectivos seriam compensar, moderar ou eliminar os seus efeitos ou, melhor ainda, a própria instabilidade. Mas há um tabu que bloqueia a consideração de uma das suas causas, nomeadamente a estrutura de classe do capitalismo. Durante o último meio século, análises e políticas debatidas pela maior parte dos líderes de negócios, políticos, académicos e mesmo trabalhistas evitaram conectar a instabilidade económica à estrutura de classe do capitalismo. Ao invés disso, muitos culpavam os políticos (democratas ou republicanos), sindicados ou o big business. Outros centravam-se nas fraquezas humanas ("cobiça", tomada de empréstimos "irresponsável", etc). Outros ainda culpavam a inadequada "regulação" estatal dos negócios privados. Com a maior parte das análises cegas quanto à estrutura de classe como uma das causas, a mudança na estrutura de classe da produção raramente figurava nas soluções propostas para a instabilidade capitalista.
As política realmente debatidas são sempre variações de (1) Respostas do Estado estado-unidense à Grande Depressão da década de 1930 e (2) Intervenções do Estado japonês na sua longa recessão após o ano de 1990. As propostas de acções estatais na recessão global de hoje incluem "salvamentos" de indústrias seleccionadas (especialmente financeiras); (re)regulamentações de empresas e mercados; reduções nas taxas de juros do banco central e expansões da oferta monetária; e cortes fiscais federais e gastos para "estímulo". Tais intervenções por vezes ajudaram os EUA ao longo das recessões passadas. Elas nunca resolveram o problema básico das recessões recorrentes.
As lutas de classe muitas vezes provocam as ascensões e quedas cíclicas do capitalismo. As recessões mais severas provocam intervenções do Estado e regulamentações para ajudar os capitalistas a sobreviverem às convulsões do capitalismo. Uma vez ultrapassada a crise económica imediata, os capitalistas tratam de desfazer outra vez as intervenções do Estado. Enquanto os capitalistas se apropriam dos excedentes, eles sempre os utilizam para fugirem, enfraquecerem ou destruírem as intervenções do Estado que os constrangem. Enquanto isso, tentam manter o debate público e político longe das soluções sistémicas para as recessões recorrentes.
E assim, os ciclos capitalistas voltam outra vez. Cada ciclo económico impõe enormes e penosos custos sociais. Num ciclo ideológico paralelo, a maior parte dos políticos, mass media e académicos oscilam ridiculamente entre celebrações excitadas da desregulamentação e (re)regulamentação como "a solução para os nossos problemas económicos".
A instabilidade do capitalismo é sistémica. Tratar delas sem considerar mudança sistémica é continuar a história de fracassos para "resolver" tal instabilidade. O núcleo do conflito de classe do capitalismo entre trabalhadores e conselhos de administração nunca foi alterado no fundamental por salvamentos, (re)regulamentações ou políticas monetárias e fiscais do Estado. A estrutura de classe do capitalismo tão pouco é mudada sistemicamente mesmo se substituirmos conselhos de administração eleitos por accionistas privados por conselhos de administração de responsáveis do Estado. O capitalismo de Estado (URSS), também, não apenas o capitalismo privado (EUA), mostrou instabilidades orientadas por conflitos de classe entre produtores de excedente e apropriadores. Apesar das diferenças entre as instabilidades de Estado e do capitalismo privado, ambas ainda provocam ineficiências e desperdícios que cada uma tão persistentemente documentou na outra.
Uma mudança sistémica possível elimina o conflito de classe capitalista reorganizando as empresas de modo a colocar os trabalhadores produtivos como o seu próprio conselho de administração, removendo portanto um factor chave da instabilidade capitalista. Tais decisões de administradores pós capitalistas (acerca de mudanças técnicas, acumulação de capital, salários e assim por diante) seriam marcadamente diferentes das decisões das administrações capitalistas. Conselhos de administração pós capitalistas difeririam das administrações capitalistas também nas suas relações com o Estado. Uma economia sistemicamente pós capitalista teria os seus problemas de instabilidade, mas eles também difeririam dos do capitalismo.
O importante não é que esta mudança sistémica seja a única que poderia (ou poderia só por si) tratar seriamente da instabilidade do capitalismo. O objectivo aqui é revelar a generalizada – e politicamente auto-derrotante – recusa, mesmo na esquerda, em reconhecer tais causas sistémicas. O centro e a direita sempre debaterão e oscilarão entre causas não sistémica e políticas (salvamentos, regulamentações, estímulos, etc). A única contribuição que a esquerda poderia e deveria fazer é insistir em que soluções sistémicas – por exemplo, mudanças na estrutura de classe das empresas – façam parte da discussão pública e da política pública.
[*] Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst. Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (com Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006). Ver também o vídeo da palestra de Rick Wolff "Capitalism Hits the Fan: A Marxian View" :
O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/wolff311208.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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