quarta-feira, 4 de março de 2009

AS RAZÕES DE TANCREDO.

Mauro Santayana

Em abril, fará 24 anos que milhares de brasileiros acompanharam o corpo de Tancredo Neves em São Paulo, em Brasília e em Belo Horizonte, a caminho do pequeno cemitério da Ordem de São Francisco, em São João del-Rei, na maior manifestação de luto registrada em nossa história. As imagens daquelas horas mostram que todos o pranteavam como se o presidente fosse um parente próximo. Eles não choravam apenas o desaparecimento de um grande homem, que faria 99 anos hoje, mas a frustração da esperança.

Aqueles meses memoráveis de luta o consagraram como o homem do Brasil. Ele tinha consciência de que fora escolhido pelas circunstâncias para reconstruir a vontade republicana, e essa responsabilidade era assumida em sua assustadora dimensão. Tratava-se do desfecho natural de sua biografia, em coerência com a atuação que desenvolvera ao longo do processo político brasileiro de seu tempo. De repente, ele se deu conta de que os apelos que recebia para assumir o movimento de conciliação nacional tinham sua razão. Ele fora testemunha, como jovem jornalista e estudante de direito, em Belo Horizonte, dos desencontros políticos do fim dos anos 20, que levaram à Revolução de 30. Voltando à sua cidade, logo depois de formado, elegeu-se vereador e presidente da Câmara, em 1934. Com o Estado Novo, voltou à advocacia. A redemocratização de 1945 devolveu-o à vida pública, como deputado estadual, deputado federal, primeiro-ministro no parlamentarismo de 1961, senador da República e presidente eleito. No meio tempo, coube-lhe estar no centro de algumas crises: em 1954, quando ministro da Justiça de Vargas, propôs a resistência armada aos golpistas e fustigou o general Zenóbio da Costa, que temia serem massacrados no Palácio, com a frase definitiva: "General, poucos homens têm a oportunidade de morrer por uma boa causa, por que não aproveitamos esta?"; em 1955, ao lado de Juscelino na resistência ao frustrado golpe de 11 de novembro; em agosto de 1961, com a renúncia de Jânio, evitando a guerra civil; em 1964, resistindo com bravura, no plenário do Congresso, contra o golpe que destituiu o presidente João Goulart, ao investir com seus punhos contra o presidente do Congresso, que declarava, ilegalmente, a vacância presidencial, e teve que ser contido.

Na eleição indireta do marechal Castello Branco, Tancredo foi o único de seu partido, o PSD, a votar contra o autor do golpe de Estado, contrariando até mesmo Juscelino. Durante o longo período ditatorial, Tancredo atuou com firmeza e discrição, e manteve, com grande sacrifício pessoal, o seu mandato de deputado federal.

A nação se frustrou com sua morte, inexplicável até os nossos dias, mas a imagem de homem público, honrado e corajoso, permanece na memória daqueles que viveram o seu tempo. Tancredo sempre teve grande respeito pelo povo de São Paulo, constituído de dedicados brasileiros, procedentes de todo o país, e de diligentes emigrantes. Na campanha de Juscelino, em 1955, que enfrentava forte oposição de alguns paulistas – resíduo da idiossincrasia da aristocracia conservadora contra Getúlio Vargas – coube-lhe articular o apoio de vastos setores do Estado ao candidato de Minas. Passava ali alguns dias por mês, conversando, desfazendo equívocos. Essa presença favoreceu o apoio, mais tarde, de personalidades destacadas de São Paulo no movimento que o levaria a ganhar as eleições indiretas de 1985, exatamente contra um candidato de São Paulo, o senhor Paulo Maluf. Entre elas estiveram Olavo Setúbal, Antonio Ermírio de Moraes e Franco Montoro. Os homens de bem sabem identificar os homens de bem.

Quem acompanhou de perto os fatos daqueles meses intensos, sabe que coube exatamente a Montoro incentivar a candidatura de Tancredo, mediante as eleições diretas – como se pretendia, a partir do encontro de Foz do Iguaçu, ainda em 1983 – ou pelo Colégio Eleitoral, se essa fosse a única opção, como acabou sendo. O grande paulista sabia que Tancredo não era o candidato, era o escolhido: seu nome se impunha pela necessidade histórica. Por isso, muitos governadores (nem todos eleitos pela oposição), que conheciam o que pensava o Brasil, não hesitaram em buscar a liderança na experiência e autoridade do mineiro, já em seus primeiros dias no Palácio da Liberdade.

Alguns homens, como Tancredo, nascem para fazer História. Outros se empenham em negá-la.
Fonte:JB

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