Eduardo Sales de Lima
da Redação
A declaração dada no dia 25 de fevereiro pelo presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, sobre a morte de quatro capangas em São Joaquim do Monte (PE) e a escalada de ocupações no Pontal do Paranapanema (SP), mostra conflito de interesses que impediria sua permanência no cargo.
A opinião é de Aderson Bussinger, advogado e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ele, tal posicionamento público do magistrado, justamente o de um presidente do STF, é inaceitável, pois, “como autoridade máxima do Tribunal, ele está encarregado do julgamento dos processos que chegam ao órgão”. Por isso, “é legítimo que as entidades sociais encaminhem ao STF pedido para sua suspensão”, explica Bussinger, para quem Mendes “é suspeito para continuar enquanto ministro do STF”.
De fato, Mendes cometeu uma infração grave. Pela lei complementar nº 35, de 1979, é vedado ao magistrado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem”.
O ministro acusou tanto o MST quanto o governo federal de cometerem atos ilícitos: o primeiro infringe o chamado “Estado de Direito”; e o Executivo o financia. “Não pode haver dinheiro público para subsidiar tais movimentos, que agem contra o Estado de Direito”, disse.
Criminalização
Por sua vez, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, cobrou provas de Mendes, afirmando que "não existe ilicitude abstrata”. Ainda sobre as declarações do presidente do STF, Cassel disse que a "criminalização é o caminho mais fácil, aparentemente, e menos eficaz".
No entanto, parece que não é isso o que pensa seu supervisor direto, o presidente Lula. Ele criticou com veemência o MST pelas mortes de quatro capangas em Pernambuco, mesmo sem se inteirar de todo o ocorrido.
Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) , de 1985 a 2007, foram cerca de 1500 assassinatos de trabalhadores rurais, muitos deles mortos enquanto defendiam seu direito à terra.
Atualmente, segundo o Fórum Nacional de Reforma Agrária (FNRA), existem aproximadamente 250 mil famílias de sem-terras acampadas nas beiras das estradas, sem direitos básicos como educação, saúde e moradia.
O dirigente do MST, João Paulo Rodrigues, recorda a omissão, por parte de Mendes, em relação a milhões de reais repassados à ONGs ligadas ao PSDB, à Força Sindical e aos ruralistas, sobretudo no período do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Ele lembra que somente o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), vinculado à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, recebeu cerca de R$ 1 bilhão nos últimos dez anos. E ainda há, segundo ele, processos no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre desvio de federações patronais em proveito pessoal de seus dirigentes.
Serra 2010
Além disso, a pretensa retidão moral do ocupante do cargo de presidente do STF não desmorona devido somente a seu desrespeito à lei e incoerência. Esse mesmo dinheiro público que, segundo ele, financiaria o MST, foi jorrado numa empresa sua, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Entre 2000 e 2008, a entidade obteve cerca de R$ 2,4 milhões em contratos com órgãos ligados ao governo federal, todos firmados sem licitação.
Contraditório para muitos, coerente para a direita. “Ele é um ministro que está o tempo todo fazendo luta política com suas declarações. Ele não tem nada para dizer sobre as demissões nas fábricas, ou sobre a ajuda do governo aos banqueiros e às montadoras de veículos. Ele tem um posicionamento claramente de classe”, sintetiza, ao Brasil de Fato, o deputado federal Ivan Valente (Psol/SP).
Para João Paulo Rodrigues, a direita brasileira tem, agora, seu “Berlusconi tupiniquim”, referindo-se ao presidente italiano. Tal “Berlusconi”, segundo Rodrigues, ainda deve, para a opinião pública brasileira, uma explicação sobre a rapidez com que soltou o banqueiro Daniel Dantas que, segundo o membro da coordenação do MST, financia muitas campanhas eleitorais e alicia grande parte da mídia.
Solidariedade
Ainda segundo Rodrigues, a tentativa de criminalização das organizações populares é sintomática. Para ele, Mendes, além de ter assumido o papel de porta-voz da direita, faz intenso ataque ideológico à esquerda e aos movimentos sociais. O objetivo seria o de pavimentar uma retomada eleitoral da direita em 2010.
Assim também pensa Renato Simões, ex-deputado estadual e membro da Secretaria Nacional de Movimentos Sociais do Partido dos Trabalhadores (PT). “Ele usa o cargo que tem para fazer aquilo que hoje os partidos políticos e os congressistas de oposição não fazem. E com ampla retaguarda dos meios de comunicação de massa”, afirma.
Segundo Simões, Mendes aumenta o tom de seu discurso a medida em que se aproxima 2010. “Nesse sentido, ele quer colocar contra a parede tanto os movimentos quanto o próprio governo”, analisa.
Fato é que as organizações sociais já começam a se mobilizar para se posicionar diante do ataque de Mendes. A União Nacional dos Estudantes (UNE), na voz de sua presidenta, Lúcia Stumpf, compreende que as manifestações dele não se referiram exclusivamente ao MST, “com quem a UNE se solidariza”, mas sim criminalizaram todos os lutadores e lutadoras “que reivindicam um Brasil mais justo e democrático”. (Leia mais na edição 314 do Brasil de Fato.
Fonte: Brasil de Fato.
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