quinta-feira, 5 de março de 2009

DESENCONTRO EM NOVEMBRO.

Mauro Santayana

Tenha sido falsa ou não, divulgou-se, durante muito tempo, nos meios políticos internacionais, uma história que faz sentido: Washington e Cuba se encontravam próximos de um entendimento em novembro de 1963. Uma das versões lembra bom romance de espionagem, e é coerente com a prática cotidiana da diplomacia secreta. Em dezembro de 1962 – depois da crise dos mísseis em Cuba – diplomata norte-americano conversou com um colega cubano em recepção promovida pelo governo de Gana, dos primeiros países da costa ocidental a obter a independência. Na conversa, informal e amistosa, concordaram que eram possíveis entendimentos diretos entre Havana e Washington, e convieram que levariam a conversa ao conhecimento de seus superiores.

O segundo movimento teria ocorrido em Praga. O corpo diplomático promovia competição periódica de beisebol amador – esporte com alguma popularidade na República Tcheca. Durante o intervalo de uma das partidas, funcionário norte-americano se aproximou de seu correspondente na hierarquia da Embaixada de Cuba, e ambos, já instruídos, retomaram o diálogo anterior. O passo seguinte, conforme a mesma versão, se deu na Polônia, no chalé de caça de Gomulka, quando os embaixadores de Cuba e dos Estados Unidos se reuniram em certo fim de semana e esboçaram a proposta de encontro entre Raúl Castro e Robert Kennedy, no território neutro do México. De acordo com o que se soube, o presidente Kennedy foi informado do assunto na primeira quinzena de novembro de 1963 – e disse a seu interlocutor que cuidaria do problema quando retornasse da viagem a Dallas. Em Dallas, com o assassinato do presidente e a posse de Johnson, frustrou-se o projeto.

Não me recordo de haver lido qualquer informação sobre tais entendimentos, mas deles soube por mais de uma fonte, quando fui correspondente deste jornal na Europa. Os fatos, mais do que possíveis, eram prováveis, no quadro daquele tempo. Tanto é assim que há outras – e procedentes – informações sobre a busca de negociações. No início do segundo semestre de 1963, o embaixador americano nas Nações Unidas buscou, mediante a jornalista Lisa Howard, antiga simpatizante da Revolução Cubana, aproximação com o embaixador de Cuba, mas não se sabe se houve o encontro. No início de novembro de 1963, o grande jornalista francês Jean Daniel entrevistou Kennedy e lhe disse que estava indo a Havana, a fim de entrevistar também Fidel. Estaria disposto, se Kennedy o autorizasse, a conversar sobre um acordo com o líder cubano. Kennedy lhe disse que sondasse as intenções de Fidel e voltasse a Washington a fim de lhe transmitir suas impressões. Enquanto Jean Daniel ainda se encontrava em Havana, ocorreu a tragédia de Dallas. Agora é oficial: Obama quer aproveitar o momento, que exige novo embaralhar das cartas do jogo político mundial, a fim de buscar o entendimento com Havana, da mesma forma que deseja melhorar suas relações com Moscou. De acordo com El País, o presidente dos Estados Unidos conta com a intermediação da diplomacia brasileira. O Brasil retoma assim a mesma postura que teve durante o governo Jango, quando o chanceler Santiago Dantas procurou, com habilidade, convencer Washington e Havana que era possível a coexistência entre os dois sistemas.

O socialismo cubano entra em fase que exige reforma: o modelo dos anos 60 terá que se adaptar à revolução tecnológica. Não que isso signifique a volta ao capitalismo clássico, que se encontra em xeque em todos os países do mundo. Quando Gordon Brown propõe um new deal mundial, seria estultice imaginar o retorno aos tempos de Fulgêncio Batista.

O entendimento é necessário, mas não se pode concluir que ele se faça sem que Washington (e pela primeira vez) respeite a dignidade do povo cubano. Nos últimos 108 anos, desde a emenda do senador norte-americano Orville Platt, imposta à Constituição cubana pelas tropas ianques de ocupação, o país tem vivido sob a pressão de Washington. Primeiro, patrocinaram no país governos corruptos e violentos, e depois da Revolução submeteram-no ao bloqueio. Se não houvessem antes transformado a ilha em sua permissiva chácara de fim de semana, outra teria sido a história.

Estamos chegando ao fim de um ciclo. Os movimentos de Obama e de Raúl, com as mudanças em Havana, são, entre outros, os sinais de uma nova época. E convém lembrar: época, de acordo com o étimo grego, também significa intervalo, pausa.
Fonte:JB

Nenhum comentário: