Wálter Fanganiello Maierovitch
Em Bucareste, um jovem executivo revelava, em entrevista televisiva difundida pela Europa, preocupação pela iminência de perder o apartamento hipotecado. A razão decorria do fato de não mais ter como pagar as prestações. Quando da compra com a garantia hipotecária, ele ganhava o equivalente a mil euros, em leus, a unidade monetária da Romênia.
A moeda local se desvalorizou e o contrato celebrado pelo romeno, com prazo de 30 anos, estabelecia prestações em euros. O jovem executivo, que já colocou o automóvel à venda para tentar saldar prestações em atraso e, pelo que tudo indica, ficará sem casa e condução, diz haver levantado o empréstimo junto a uma instituição de crédito da Europa Ocidental, que opera no Leste Europeu.
Depois da última revelação, outro romeno, sem financiamento contraído mas com queda de movimento no seu ponto comercial, observou serem muito atuantes na Romênia grupos financeiros austríacos, suíços, franceses, alemães, belgas, italianos. Esses grupos, sempre ligados a bancos, investiram pesadamente na construção civil e ofereceram aos romenos créditos. Na sua opinião, serão os bancos “estrangeiros” (não romenos) os prejudicados com a inadimplência.
A explicar mais incisivamente, ele frisou que o seu “conacional” perderia o apartamento, mas a credora hipotecária não conseguiria mais revendê-lo. Só esqueceu da entrada da criminalidade organizada nessa crise, que começou hipotecária e virou bancária-financeira. O governo da Áustria já informou que as suas instituições investiram pesadamente em atividades bancárias no Leste. Não deu valores ou falou em “títulos podres”.
Abre-se, mais uma vez, um cenário ideal para a atuação das máfias, que se fortaleceram nesses vinte anos de queda do Muro de Berlim. Quando da derrubada e fim do bloco oriental, várias interceptações telefônicas, que já estavam em curso e realizadas pela direção antimáfia italiana, revelaram o teor da ordem proveniente do órgão de cúpula da Cosa Nostra aos seus representantes: comprem tudo o que puderem. Assim, o capital especulativo mafioso ingressou no Leste e teceu uma rede pronta a buscar vantagens, na presente crise. E não se deve esquecer que o lucro é a única ideologia das máfias.
No domingo passado, por ocasião do último summit do Conselho da União Europeia (UE) que reuniu chefes de governo e de Estado, o premier húngaro falou da necessidade de saneamento no sistema bancário do Leste Europeu, que dá sinais de estar mais quebrado que o arroz vendido na Venezuela. Na verdade, ele voltou à fórmula dos dois blocos, empregada como se o Muro de Berlim ainda não tivesse ruído e a aprovação do Tratado de Maastricht não remontasse a fevereiro de 1992.
Na preliminar do encontro da cúpula da UE, uma iniciativa dos representantes de sete países do Leste, o polêmico primeiro-ministro da Hungria, Ferenc Gyurcsány, falou na volta do Muro de Berlim, caso não ocorresse a ajuda. O premier Gyurcsány é aquele que mentiu na campanha eleitoral sobre sucesso absoluto de políticas econômicas conduzidas pelo Executivo. Sem perceber, foi gravada uma cínica conversa dele, na qual garantia aos correligionários mais chegados que pelas mentiras que contara o seu partido (MSzP) sairia vencedor. A gravação ficou conhecida em 2006 e ocorreram por parte de cidadãos húngaros violentas manifestações nas ruas e praças.
Em um trecho da gravação, o economista Gyurcsány debochava: “A Divina Providência, a abundância de dinheiro e papéis em circulação na economia mundial, e, também, centenas de pequenos truques que apliquei, os quais não é necessário mostrar a vocês no momento, nos ajudaram a superar este momento. Contei um monte de mentiras, mas, agora, não podemos mais insistir nelas”.
Na informal preliminar à reunião da cúpula europeia, Gyurcsány mencionou um plano para tirar o sistema bancário da Europa Oriental da bancarrota. O tal plano, posteriormente apresentado aos chefes de governo e de Estado presentes em peso no summit, consistia de uma ajuda de 180 bilhões de euros.
Como nem os representantes das quebradas Polônia, Romênia, República Tcheca e Países Bálticos aceitariam experimentar um prato de goulash ofertado pelo economista-premier Gyurcsány, o plano da Hungria não colou. E nem Mireck Topolanec, presidente da República Tcheca e de turno da União Europeia, deixou que se prolongassem discussões sobre este plano.
Bem informada sobre a atuação da criminalidade dos potentes, a chanceler alemã, Angela Merkel, deu um pouco sutil breque na pretensão de Gyurcsány: “Desaconselho discussões sobre cifras gigantescas”.
Até agora, nenhum dos representantes dos 27 Estados membros da UE sabem com exatidão o tamanho do rombo e quanto seria necessário para salvar o sistema bancário europeu, como um todo. Por isso, cada governo se incumbirá de levantar internamente a situação e as torneiras serão abertas mediante análise de caso por caso. Irlanda, Grécia e Áustria, em situação de maior risco, nem reclamaram.
Fonte:Carta Capital.
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