sexta-feira, 20 de março de 2009

A ÉTICA, A LÓGICA E AS RAZÕES DO ESTADO.

Mauro Santayana

Não há, na ética ou na lógica, argumentos em favor da terceirização dos serviços públicos. Trata-se de demissão dos deveres e responsabilidades do Estado, seja por comodidade dos governantes, seja pelo interesse criminoso em enriquecer alguns privilegiados, quase sempre associados às autoridades que os contratam. O sistema era comum nas monarquias, e ainda mais grave nas monarquias absolutas, que chegavam a leiloar cargos que a corrupção fazia altamente rendosos, como os de juízes. A prodigalidade dos reis, que se consideravam os donos de seus países e do destino dos súditos, era comum na concessão direta dos privilégios e na remuneração da ociosidade da nobreza.

Contra tal descalabro é que se fizeram as grandes revoluções republicanas do século 18. Embora os historiadores vejam muita semelhança entre o movimento pela independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, há uma diferença básica. Nos Estados Unidos criava-se um Estado independente e a ruptura se fazia contra a monarquia britânica, cuja nobreza ajudava a sustentar. As condições políticas e jurídicas das colônias as preservaram de um corpo nativo de nobres indolentes. Na França a situação era outra. Os norte-americanos se encontravam longe dos reis e dos barões ingleses. Os franceses sofriam cotidianamente a exploração de seu trabalho e a ignomínia social. Por isso correram rios de sangue durante o movimento revolucionário francês, e só houve baixas no combate regular entre os rebeldes e as forças britânicas.

A idéia de República é a da igualdade, do bem comum. Não são do espírito republicano os privilégios que conhecemos. O que era inerente às monarquias, principalmente às absolutas, constitui aberração nas sociedades republicanas. Entenda-se que os governos ditatoriais que infestaram o Terceiro Mundo não são republicanos: estão à margem do direito e não são coisa alguma, a não ser tiranias criminosas.

Daí o absurdo da compra de trabalho, pelo Estado, mediante intermediários. Podemos admiti-la nas relações econômicas privadas, ainda que lembre o aluguel de escravos durante o Império. Mas o Estado não pode alugar trabalhadores. Do ponto de vista moral é inconcebível, e inaceitável do ponto de vista administrativo. Informações da imprensa revelam que uma merendeira de escola primária em São Paulo recebe, líquido, salário no valor de R$ 500 – e o erário público paga ao intermediário quatro vezes mais. Ainda que o lucro dessas empresas fosse de apenas 10 ou 20 por cento – e é muito mais – trata-se de exploração suplementar do trabalho alheio.

No bojo das denúncias que atingem o Senado – e atingirão a Câmara dos Deputados – surge a informação de que há, ali, milhares e milhares de servidores terceirizados. Muitos deles, se não a maioria, contratados não por necessidade mas, simplesmente, para atender a objetivos políticos, pessoais e familiares dos parlamentares e dos altos funcionários do corpo permanente do Congresso.

O caso é ainda mais grave quando se trata da segurança pública. Durante o regime militar surgiram empresas de segurança, geralmente organizadas por oficiais reformados e policiais aposentados, contratadas pelo governo para exercer indevidamente a violência, um monopólio absoluto do Estado. Hoje, esses corpos privados – e ilegítimos, embora legalizados – dispõem de pessoal armado, em número superior ao do poder público. Reconheça-se que esse não é pecado original nosso. O presidente Obama já anunciou que vai acabar com o costume nos Estados Unidos, diante do descalabro da terceirização da guerra no Iraque. Ali a segurança dos comandantes americanos é feita por corpos privados. No Brasil há delegacias de polícia cuja segurança é da responsabilidade de empresas particulares. A terceirização é mais um expediente do capitalismo neoliberal e predador, que não só obtém lucros fáceis mas também fragiliza o Estado e suas instituições.

O governo da União já está tomando providências contra o sistema. É necessário que uma lei do Congresso, explícita, sem ambiguidades, dê fim a esse costume injusto e ilógico, proibindo-o em todas as esferas do Estado.
Fonte:JB

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