sábado, 7 de março de 2009

EUA - O onze de setembro visto por dentro.

Não é sempre que temos a oportunidade de ouvir um pedaço da história contada por quem a viveu. O assunto é polêmico – mas, aqui, o espaço não é para minha opinião. É apenas para relatar o que ouvi.

Ao acordar no dia 11 de setembro de 2001, Andy Card, chefe-de-gabinete do presidente norte-americano George W. Bush, foi surpreendido pelo forte cheiro de peixe podre que vinha do Golfo do México. Estavam na Flórida, na cidade de Sarasota, e Bush ia dar uma corrida, como fazia cedo toda a manhã. Card fez uma anotação mental para sugerir ao presidente que evitasse o exercício para não passar mal. Bush o ignorou e correu ainda assim.

Algumas horas depois, quando a comitiva estava chegando para uma visita à Escola Primária Booker, o assessor especial Karl Rove, responsável pela imagem do presidente, desligou o celular e perguntou ao assessor de imprensa, Ari Fleischer, se ele já tinha recebido a notícia de que um pequeno avião se chocara com um dos prédios do World Trade Center.

Foi Andy Card quem avisou o presidente, logo antes de ele entrar na sala de aula, onde se encontraria com crianças em idade de alfabetização. ‘Que acidente horrível’, disse Bush. ‘O piloto deve ter tido um ataque cardíaco, algo assim’, ele completou.

Foram poucos minutos até o chefe de gabinete ser informado do segundo avião. Os assessores trocaram olhares, uma decisão precisava ser tomada rápido. Card jamais interrompera Bush em meio a um evento até então. Ele ensaiou o que diria algumas vezes, então entrou na sala. Pretendia ser rápido. Curvou-se perante Bush: ‘Um segundo avião atingiu a segunda torre’, disse muito baixo. ‘A América está sendo atacada.’

A essas alturas, Fleischer, que estava na sala, junto com a imprensa, já havia sido informado por mensagem de texto. Ele teve medo que o presidente dissesse algo impensado. Tinha um caderno à mão e, nele, escreveu: ‘Não diga nada’. Jogou o caderno às costas, virou-se em direção aos jornalistas para que Bush o lesse, quando voltou o presidente fez um aceno de que compreendera.

Washington foi contatada, os agentes de segurança estavam num frenesi, na Flórida. Após longos minutos, tiraram o presidente da escola e o levaram ao Air Force One, avião presidencial.

‘Nós não tínhamos informação nenhuma’, conta Doug Feith, número dois do então secretário de Defesa Donald Rumsfeld. ‘Nessas horas, recebemos mais informações pela imprensa do que pelos serviços de inteligência.’ Eles não conseguiam encontrar quem dissesse quantos aviões estavam no ar naquele momento em todo o país, ou quantos eram os possíveis seqüestrados. Um dos advogados da presidência, o futuro secretário de Segurança Nacional Michael Chertoff, lembra: ‘Não sabíamos de nada, podia haver uma segunda parte para o plano de ataque.’ Quando um terceiro avião, comandado por um piloto particularmente habilidoso, se chocou contra o Pentágono, já não havia mais dúvidas: o plano de ataque previa eliminar o governo dos Estados Unidos.

A comitiva havia mal entrado no Air Force One quando Carr fez a pergunta mais difícil ao presidente. ‘Eles estão autorizados’, respondeu Bush. Ele havia sido piloto da Guarda Nacional, quando jovem. A autorização, dada a todos os pilotos de caça do país, era para abater aviões civis caso parecesse necessário. ‘Eu posso bem imaginar como é para um garoto de 22 anos receber essa ordem’, disse o presidente.

A comitiva presidencial estava no ar quando recebeu a informação, só depois descartada, de que o próprio Air Force One, seria uma das próximas vítimas. Durante algumas horas, sem ter notícias precisas, os membros do governo acreditaram que o vôo 93 da United Airlines havia sido abatido por um caça. Só depois tiveram notícia da revolta a bordo que o levou a cair.

Os depoimentos nos quais este post se baseia foram oferecidos em público, na tarde do dia 28 de fevereiro, no National Constitutional Center da Filadélfia, estado da Pensilvânia. Os membros do governo dos EUA achavam que ia haver mais ataques nos dias e meses seguintes. ‘E se houvesse mais ataques’, se pergunta Michael Chertoff, ‘o que aconteceria? Sabe a Segunda Guerra? Os campos de detenção de japoneses? O povo americano ia nos cobrar campos de detenção para árabes se houvesse um segundo ataque.’

Muitas das decisões tomadas pelo governo dos EUA desde aquele dia foram polêmicas. Quando a al-Qaeda, incluindo Osama bin Laden, estavam cercados na região de Tora Bora, no Afeganistão, o exército norte-americano não subiu. Enviou guerrilheiros afegãos – e muitos acreditam que esta foi a principal oportunidade perdida de captura do homem que liderou o Onze de Setembro. Nos anos seguintes, as decisões questionáveis se acumularam. Guantánamo. A invasão do Iraque. Abu Ghraib.

‘No caso de Guantánamo’, diz Chertoff, ‘acho que devíamos ter ido ao Congresso e perguntado o que fazer com aqueles prisioneiros.’ Seus companheiros no painel não se manifestam, há silêncio.

É apenas um dos indícios de que os homens do presidente não falam com uma voz uniforme. Há dissonância. Agora que nenhum deles está mais no governo é que a história começará a ser escrita.
Fonte: Pedro Dória

Nenhum comentário: