Marina Silva
É preciso continuar processo de regularização iniciado em 2007 no Parque Nacional do Itatiaia, diz Marina
Em 1937 foi criado o primeiro Parque Nacional brasileiro, o de Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, em terras dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Setenta e um ano depois, o parque é duplamente simbólico. Por ser um marco dos esforços de conservação de nossa biodiversidade, sobretudo na tão devastada Mata Atlântica, e por ser um retrato das fragilidades do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que conta com recursos financeiros muito aquém das necessidades de implantação efetiva das áreas naturais protegidas e de garantia de seu funcionamento, dentro das características estabelecidas em lei.
Hoje o Itatiaia é objeto de uma polêmica que remete a essa carência. As terras que o compõem pertenciam originalmente ao Visconde de Mauá. Em 1908 foram adquiridas pelo governo federal com o intuito de transformá-las em dois núcleos coloniais que não prosperaram. Em 1929 ali foi criada uma Estação Biológica subordinada ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Em 1937 a área passou a ser Parque Nacional, com 12 mil hectares. Em 1982 foi ampliada para 30 mil hectares.
Quem o conhece sabe que é um ambiente especialmente belo, com elevado grau de conservação, o que sempre o fez reconhecido e valorizado por grandes naturalistas e outros cientistas, desde o século XIX. Para a população em geral, tem o atrativo de ser bastante acessível, visto estar a uma distância relativamente curta da cidade do Rio de Janeiro. É um dos poucos parques nacionais com uma estrutura consolidada para turismo ecológico e educação ambiental em várias modalidades.
Em 2008, surgiu uma proposta de desmembramento de cerca de 1300 hectares em sua porção sul, na parte baixa onde originalmente existiu o Núcleo Colonial. Os autores dessa proposta fazem parte da Associação Amigos do Itatiaia, que reúne, na maioria, ocupantes de casas de veraneio e alguns hotéis que ainda estão no território do Parque mas deverão ser indenizados e retirados de lá.
A expansão dessa ocupação se deu após 1937, por meio de parcelamentos irregulares e um ativo mercado imobiliário ilegal dentro do Parque. Essa forma de uso do solo, pela política do fato consumado - para depois procurar sua legalização - é largamente difundida no Brasil e atinge de maneira particularmente perversa as áreas que deveriam ser dedicadas à conservação ambiental. Muitos as invadem, certos de que, um dia, tudo passará a ser legal.
O fato é que não dá mais para contemporizar com essa prática. O Parque de Itatiaia é emblemático e até por isso é preciso fazer um grande esforço para zerar, na forma da lei, as pendências com moradores que lá estão irregularmente, garantindo finalmente a integralidade da área protegida. Sem subterfúgios nem argumentos que procuram demonstrar ser a permanência dos ocupantes altamente vantajosa para os propósitos ambientais, quase um favor para o parque.
Não é assim, e todos sabemos o quanto será valorizada uma propriedade ou um empreendimento comercial praticamente dentro de um Parque Nacional, ainda que numa área desmembrada, com outro nome simplesmente para chancelar situação que não deve ser tolerada. Mesmo que os moradores irregulares se comprometam a observar regras de proteção ambiental, nada justifica o privilégio indevido de se apropriarem de parte de uma Unidade de Conservação que pertence à sociedade brasileira e deve estar inteiramente dedicada ao cumprimento dos propósitos da política nacional de meio ambiente.
E aí voltamos ao início deste artigo. As carências das áreas protegidas não devem servir de pretexto para que elas sejam loteadas ou comidas pelas bordas, em benefício de minorias. O poder público deve ao País a dotação de recursos suficientes para fazer a regularização fundiária de todas as Unidades de Conservação, de modo que possam cumprir sua missão de constituir um sistema capaz de promover a inserção adequada dos recursos naturais dentro dos objetivos de desenvolvimento sustentável do País.
No caso do Parque do Itatiaia, é preciso continuar seu processo de regularização iniciado em 2007, com pagamentos de indenizações. Este é o caminho coerente com o interesse social. Outras soluções, que aceitem a redução da área do parque, serão uma espécie de rendição ao pragmatismo e uma abertura de precedente que poderá funcionar como senha que atingirá outros parques Brasil afora.
No final de março, o Ministério do Meio Ambiente deverá apresentar seu parecer à proposta de desmembramento. Aguardemos.
Fonte:Terra Magazine.
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