Por Bob Fernandes / Terra Magazine.
O que estava, sempre esteve por trás dos movimentos de Daniel Dantas e os seus. O que, quem, era seu alvo.
Este é o capítulo, derradeiro, desse drama, mas também comédia, daqui para sempre conhecido como o caso Dantas/Satiagraha.
Se tratará aqui da batalha pelo controle no Estado. Do Estado. De seus principais atores, dos grandes dutos de dinheiro.
Na reprodução de conversas legalmente interceptadas (leia aqui a íntegra), uma tomografia do cérebro, e das intenções de Daniel Dantas.
Os diálogos mostram quem é ele, como ator político, e de até onde pretendia e era, é, capaz de chegar.
Nas entrelinhas do que ele diz, combina, não é difícil adivinhar quem eram, quem são, tantos dos coadjuvantes.
Aqueles, aquelas que ecoavam e ecoam, reverberam Daniel Dantas & negócios.
A olhar-se apenas do viés econômico-financeiro, o que se vê na aparência é a maior batalha societária da história do capitalismo à brasileira.
Os primeiros tiros, ainda surdos, se deram nos bastidores - da economia e também da política - da privatização do Sistema Telebrás.
Dentre os protagonistas visíveis um dos maiores, senão o maior banco do mundo à época das primeiras escaramuças, o Citibank, sócio do fundo CVC/ Opportunity.
No palco também a maior empresa, italiana, a Pirelli, controladora da Brasil Telecom. E os mais poderosos fundos de pensão do Brasil: Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica)... sentados em algo como R$ 100 bilhões.
Os subterrâneos dessa "aranha" de empresas e personagens - desvelados pela Operação Satiagraha, da Polícia Federal - escondem ainda um labirinto.
Nos diálogos que se seguem, o fio de Ariadne, aquele que permitiu a Teseu entrar, entender, e voltar do labirinto.
Em 13 de novembro de 2007, via VOIP, um diálogo de contornos hitchcockianos entre Daniel Dantas e a diretora jurídica do Opportunity, Danielle Silbergleid Ninio.
Quem acompanha de perto as refregas judiciais do banqueiro com o Citibank às vésperas da fusão BrOi, identifica um debate sobre as minúcias do processo.
Instruções. Malícias. Não passariam de estratégias banais de defesa se do rol de conversas não emergissem dois nomes.
Um deles, o do ex-prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, seqüestrado e morto na noite de 18 de janeiro de 2002, em São Paulo. O outro, o de Lula, o presidente do Brasil.
Dantas busca - reprodução de suas próprias palavras -, "incruar" o processo judicial com temperos político-partidários.
Ele mesmo pede:
- Eu quero suspender o tamanho do drama, tá?...no foco de dramatização do evento...drama dropping...
Danielle, a jurídica, puxa os mortos:
- Desses mortos (NR: Celso Daniel, Toninho, ex-prefeitos de Santo André e Campinas...) foram seis ou sete, tá tendo uma divergência aqui...
Daniel, apenas ri.
Danielle emenda:
- ...eu acho que a divergência não é significativa (mais risos).
Daniel, o homem do cérebro privilegiado, recomenda:
- O melhor é dizer que são sete (NR: os mortos), e aí ele tem que dizer que são seis...
Daniel e Danielle riem.
Leitores, radiouvintes, telespectadores e internautas certamente já leram, viram e ouviram o ecoar da tese, por anos e anos a fio.
Daniel Dantas propõe a tese, para ser exposta nos seus processos e, dali, saltar para os ecos Brasil afora:
- ...quero saber o de Santo André...é como se dissesse pra ele o seguinte: olha, no rastro desse negócio de dinheiro de campanha já tem tantos mortos, tá?
Daniele sugere ao escalado para o papel de vítima, Daniel Dantas, num futuro depoimento:
- ...você não precisa contar os detalhes, mas se você não tinha medo de ser morto...
Responde a vítima:
- ...não, isso eu vou falar, isso eu vou falar...(...) mas eu lhe digo, uma coisa é não ter medo de ser, e a outra coisa é ter um na Itália...("Ininteligível", anota o perito da PF)...Brasil...é diferente.
No Brasil, realmente, é diferente. Recomenda a jurídica, ainda dia 13, às 10h54 minutos, e 13 segundos:
- Oi! é só pra te dar uma informação que no caso do Celso Daniel é que tem essas dos itens seis ou sete... é que tem mais um caso eu não sei se você lembra... que é do prefeito de Campinas... aquele Toninho do PT, aí...
Por mais de uma vez, ao referir-se a relatórios, Dantas revela uma ligação que sempre negou. Com a empresa de investigação e espionagem Kroll:
"Daniel Dantas: Tá, deixa eu te falar o seguinte, eu queria que você desse uma olhada no relatório da KROLL tá?
Danielle: Tá...
Daniel Dantas: E olhasse pontos que... porque eu quero in... incruar esse assunto da KROLL dentro da... do processo, entendeu?
Danielle: Uhum...
Daniel Dantas: Então eu queria que você procurasse pontos tipo... por exemplo... no relatório da KROLL fala que a Telefônica Itália pagou ao prefeito de SANTO ANDRÉ tá...
Danielle: Uhum...
Daniel Dantas: E o prefeito de SANTO ANDRÉ foi morto...
Danielle: Uhum..."
Hummmm.
Descobre-se, na gramparia da Satiagraha, onde era a caverna, e quem era o minotauro.
Conversam, no dia 15 de novembro de 2007, Daniel e a irmã, Verônica, e a jurídica Daniele. Humberto Braz presente. O assunto é enfiar Lula na história:
- ...e aí, vamos dizer, o discurso do presidente da República é um indício, mas pode não ter acontecido antes, mas eu acho que aconteceu, e quanto mais indícios eu tiver, melhor...
Parênteses. Em outros tempos e locais, em conversas com um "companheiro de esquerda", Daniel refere-se a Lula como "o barba". E ao companheiro envia garrafas de vinho.
A 15 de novembro, com Danielle, combina:
"Danielle: Oi! oh não sei se é suficiente mas eu olhando aqui o timeline (cronograma-inglês) eu me toquei o seguinte... o LULA ele foi eleito em outubro de dois mil e dois, toma posse em janeiro, em novembro de dois mil e dois você sela o documento que você é informado que vinha uma...
Daniel: (Ininteligível)... já vou usar, mas eu queria mais elementos...
Danielle: Tá bom então... beijo.
Daniel: Tá..."
A Daniel Dantas, segundo seu próprio roteiro, cabe um papel: o de vítima.
Vítima de uma orquestração do governo, e de Lula, e é essa, será, a estratégia nos processos que enfrenta. Nos Estados Unidos, na Itália. E no Brasil.
"Estratégia Presidencial"
O que Daniel Dantas não sabia, e agora Terra Magazine revela, é que seu alvo, Lula, sabia.
Em Maio de 2003, cinco meses depois de iniciado seu governo, o presidente Lula chamou o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e ordenou:
- Esse negócio de Opportunity, esse Daniel Dantas, você cuida desse problema pra mim?
Lula, a um amigo, perguntou:
-Como é que pode um cara com um porcento controlar um negócio de bilhões, mandar nos fundos de pensão?
O presidente recordava-se de um único encontro com o banqueiro, e da impressão que dele guardou:
-É um escroque.
Ministro-chefe da Casa Civil, Dirceu teria, pelo menos, dois encontros com Daniel Dantas.
Isso antes de deixar o governo. Depois...
O primeiro, dias depois da determinação de Lula, na primeira quinzena de Maio daquele 2003. O segundo, pouco depois.
O próprio Dantas relatou os encontros na CPI dos Correios e à justiça de Nova York.
Informou, nas ocasiões, ter sido avisado por Dirceu que os fundos de pensão estavam interessados em tomar dele, Dantas, o controle da Brasil Telecom.
Segundo Dantas, José Dirceu teria dito ainda que quem resolveria o assunto seria Cássio Casseb, então presidente do Banco do Brasil - e um dos principais espionados no caso Kroll.
Dantas revelou à CPI ter havido uma segunda conversa com Dirceu, para reportar ao ministro o encontro com Casseb. As palavras ditas foram:
- Expliquei para ele (Dirceu) o que tinha acontecido (na reunião com Casseb) e ele (Dirceu) me disse que o governo não tinha que tomar partido nessa disputa e que se porventura eu detectasse que o governo estava intervindo a favor de outro que eu teria liberdade de lhe comunicar.
José Dirceu, à época, contou a pelo menos dois interlocutores, em uma conversa em seu gabinete, que o governo "não prejudicaria nem beneficiaria" Daniel Dantas, apenas "seguiria a lei".
Lula seria informado dos fatos três anos e cinco meses depois daquela determinação a seu ministro. Na terça feira, 24 de outubro de 2006.
A cinco dias do segundo turno e de sua reeleição para a presidência da República, Lula foi informado.
Não em toda a inteireza, mas de maneira superficial, o presidente da República saberia da dimensão, da grandeza do que se movia.
A menos de 120 horas de sua reeleição, Lula começava a conhecer aos menos os contornos do que contra ele se movia há meses.
Movia-se, quase sempre, realimentado pelos ecos.
Uns, inocentes. Outros, pautados.
Lula entendeu, enfim, o que se movia já há meses, há mais de um ano para ser exato. Entendeu em toda a dimensão, todo o barulho, e decidiu:
-...bem, o que tiver que ser, será. E, por mais quer tentem, não conseguirão me atingir... E quem tiver que ser preso, será.
Lula, 10h da manhã de um dia em março de 2007, sala reservada no aeroporto de Congonhas, São Paulo:
-... não, não sei como anda investigação, nem quero saber, mas se tiver que prender, vai prender qualquer um...
Interlocutor:
- Mas, presidente, e se isso chegar no governo, na sua gente?
Lula:
- A mim não interessa em quem vai chegar. Se chegar, se provas existirem, e não fofocas, se a justiça mandar, vai ser preso. Qualquer um vai ser preso, não importa quem.
Interlocutor:
- Presidente, vão tentar interromper a investigação...
Lula:
- Se os crimes existem, e não sei como esta nem se está a investigação, não é assunto meu, eles serão presos...
O presidente Lula soube ali apenas de ligeiros contornos da operação que Dantas e os seus chamavam entre si de "Estratégia presidencial".
A estratégia era, foi desde sempre, ajudar a bombardear Lula, derrubá-lo se possível, impedir sua reeleição se tanto não se conseguisse.
Lula soube então, da estreita vinculação entre os movimentos dos estrategistas e importante porção do que ecoava para atingi-lo.
Quem nele mirava para salvar-se, agora, depois de curta temporada interrompida pelo Supremo, experimenta a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.
Aguarde-se o contra-ataque.
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