sexta-feira, 6 de março de 2009

O DISCURSO DO PRESIDENTE.

Mauro Santayana.

O presidente da República foi claro, no discurso de ontem, durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, ao defender o retorno do Estado à direção das sociedades nacionais. Apesar do ânimo acerbo da oposição, será muito difícil a seus adversários responder à essência do pronunciamento.

Ele tocou nas questões básicas da atualidade internacional, criticando o ilimitado poder do sistema financeiro, que atuou como quis, sob a "apatia" dos governos, até que a realidade impusesse a volta do Estado ao controle da economia. Defendeu a estatização dos bancos, alinhando-se aos que propõem a mesma medida, afirmando que os governantes não devem temer essa providência, essencial para a retomada da ordem no mundo. Tratando dos paraísos fiscais, falou em regulá-los, quando deveria ter sugerido, como Obama, a sua simples extinção.

Um dos momentos fortes foi a lembrança da subordinação do Brasil ao Fundo Monetário Internacional, de que nos livramos quando saldamos o nosso débito com o órgão. Lembrou que o governo brasileiro (como, de resto, os de outros países) não tinha autonomia para empregar os recursos fiscais disponíveis. A execução orçamentária dependia da revisão de meros funcionários do FMI que, de lápis em punho, cortavam despesas, contingenciavam verbas, exigiam explicações, como se fôssemos meros administradores de bens alheios.

O pagamento das dívidas, herdadas dos governos anteriores, junto àquele órgão e ao Clube de Paris, correspondeu a uma carta de alforria para os brasileiros. Ainda não conseguimos livrar-nos totalmente da dívida externa, mas já temos em caixa mais do que temos a pagar. Os sociólogos e cientistas políticos, que buscam os motivos para a popularidade do atual chefe de governo, talvez encontrem, nesse sentimento de orgulho nacional, uma das razões. Com todos os gravíssimos problemas, como o da violência urbana que nos aterroriza – tema que faltou ao pronunciamento de ontem – os brasileiros começam a levantar a cabeça. Outro ponto importante do discurso foi o que se referiu às políticas sociais como indutoras do desenvolvimento econômico. O aumento, ainda que insuficiente, do salário mínimo, aliado à ajuda do Bolsa Família aos programas de inclusão social, como o de Luz para Todos, promoveu a ampliação do mercado interno e o impulso ao crescimento industrial. Roosevelt demonstrou que a solidariedade é o melhor investimento das sociedades nacionais. Foi em nome da solidariedade que Harry Hopkins, modesto assistente social, sugeriu a Roosevelt, ainda governador de Nova York, a política distributiva que seria o âmago inicial do New Deal.

O presidente poderia ter sido mais veemente, ao se referir ao governo anterior, mas diluiu a sua crítica dentro do contexto da globalização neoliberal. Ele poderia ter dito, por exemplo, que, com todas as dificuldades brasileiras naquela quadra, o país era dos poucos que dispunham de condições para resistir aos ucasses de Washington. Mas ocorreu o contrário: cumprimos, sem reservas, as "lições de casa" cobradas pelo Consenso de Washington. O Estado se demitiu de seus deveres para com o povo, a fim de garantir a liberdade irrestrita do mercado. O governo privatizou o que quis, violando todas as regras do bom senso e da ética, desfazendo-se de um patrimônio construído por todas as gerações de brasileiros, a troco do desemprego, do endividamento, da miséria. Disse o presidente que a crise não pode ser pretexto para mais sacrifícios dos trabalhadores, e só com investimentos maciços e diretos do Estado será possível recuperar os empregos e, com eles, os salários perdidos nos últimos meses.

A oposição, provavelmente, irá inquinar o pronunciamento de Lula como demagógico. Os resumos divulgados ontem pela internet distorciam suas frases. Chegaram a atribuir-lhe elogio ao Manifesto Comunista, quando o presidente, ao contrário, via-o como caminho equivocado para a esquerda brasileira de nosso tempo. O presidente pode cometer seus equívocos. Mas não lhe falta apoio popular. E, enquanto houver democracia, mesmo a precária que temos, é esse apoio que dá legitimidade aos governantes.

Fonte: JB

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