sexta-feira, 13 de março de 2009

O GRANDE ÁRBITRO E A ESQUIVA VERDADE.

Mauro Santayana

Está faltando ao debate sobre a Operação Satiagraha a necessária isenção. Admita-se, para orientar a dúvida, que o delegado Protógenes Queiroz tenha violado as normas usuais das investigações dessa natureza. Ele estaria, assim agindo, exorbitando de suas funções por excesso de zelo, ou na defesa de interesse menos nobre. É preciso saber se o delegado cometeu irregularidades, e, as tendo cometido, a que punição está sujeito. Essa é uma das margens da questão. Na outra se encontram as atividades do banqueiro Daniel Dantas. Os cidadãos brasileiros, que sustentam o Estado, têm o direito de saber se o banco Opportunity e seu fundo atuam dentro das normas legais do país. O banqueiro se dirigiu normalmente aos guichês do Estado, a fim de fundar sua empresa, cumprindo as exigências burocráticas, ou obteve privilégios por parte da equipe econômica do governo da época? Noticiou-se que ele foi levado ao então presidente da República, a quem anunciou o propósito de criar o Fundo. Saber quem o levou, e por que, é importante. Não é normal que o presidente da República se meta em tais assuntos. É importante saber a quem ele se associou e quais foram os favores recebidos, se os houve. Sabe-se que membros do governo decidiram beneficiar um consórcio na privatização das empresas telefônicas, "na marra", porque nele se encontrava o Opportunity. É preciso descobrir a que essa preferência atendia: se ao interesse nacional ou ao interesse do pequeno grupo de burocratas e economistas que, associados a Dantas, se enriqueceria durante o processo. É bom lembrar que os gestores da privatização das telefônicas dividiram depois a direção das empresas estrangeiras e da Anatel.

Dizem que o delegado cometeu crime ao investigar o nome do ex-presidente da República. Com todo o respeito que a ele se deve, não seria exagero que o delegado procurasse saber por que – e a informação, divulgada na época, nunca foi desmentida – o chefe de governo recebeu o banqueiro para jantar a dois, em sua residência oficial, pouco antes de terminar o mandato. Se é verdade que o fez sem ordem judicial, o delegado deve ser punido pelos seus superiores.

Parcela considerável da cidadania começa a suspeitar que as acusações ao delegado Queiroz e ao juiz Fausto de Sanctis visam a desviar o trem de seus trilhos. As investigações se iniciaram para verificar se o banqueiro Dantas cometera crimes econômicos. A Justiça já o condenou por isso, mas como parte da Justiça nacional é zelosa no cumprimento do due processo of law dos que podem pagar bons advogados, e afoita em meter na cadeia os que furtam biscoitos em supermercados, o doutor Dantas pode recorrer em liberdade, enquanto lhe sobrarem dinheiro e brechas processuais.

A Polícia Federal não pode erguer-se como poder autônomo no Estado, como alguns de seus delegados reivindicam. Cabe ao ministro da Justiça superintender suas atividades e mantê-la no respeito à lei e aos direitos dos cidadãos. É, no entanto – e com o devido respeito – estapafúrdia a ideia de submetê-la ao controle de corregedorias de justiça. Os corregedores de justiça têm muito a fazer na investigação dos desvios dos magistrados, que, para nossa infelicidade, não são poucos, nem raros. E não cabe à própria magistratura alçar-se em interventora no Poder Executivo, em atrevido abuso de suas atribuições. Só o Congresso pode legislar sobre o assunto.

É notória a ligeireza com que o ministro Gilmar Mendes se pronuncia sobre todas as coisas. Ele diz que fala em nome de um dos três poderes da República. Mas os poderes da República – e essa é a realidade do Estado democrático – não são exatamente iguais em sua grandeza. O poder mais elevado da República, embora não venha sendo o mais louvado, é o Legislativo, porque representa diretamente o povo e faz as leis. Os altos tribunais não têm iniciativa constitucional para nada. Sua legitimidade é derivada dos outros dois poderes, cujos membros são eleitos. Os bons juízes sempre se mantêm discretos sobre os pleitos e só se manifestam nos autos. Não é assim que se tem comportado o presidente do STF, sempre disposto a repreender os outros. Ele se convenceu de que a curul do STF lhe confere o que não lhe atribui a Constituição: o arbítrio supremo sobre o Estado e a sociedade.

Em suma: o povo brasileiro, que legitima as instituições com seu voto, e as sustenta com seu trabalho, tem direito à verdade. A toda a verdade.
Fonte:JB

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