Leonardo Boff
Observando o processo de mundialização, entendido como nova etapa da humanidade e da Terra, no qual culturas, tradições e povos os mais diversos se encontram pela primeira vez, tomamos consciência de que podemos ser humanos de muitas maneiras diferentes e que se pode encontrar a Última Realidade, a mais íntima e profunda, seguindo muitos caminhos. Pensar que há uma única janela pela qual se pode vislumbrar a paisagem divina é a ilusão dos cristãos do Ocidente. É também o seu erro. Hoje o atual Papa vive repetindo a sentença medieval, superada pelo Vaticano II, de que "fora da Igreja não há salvação". Para ele, ela é a única religião verdadeira e as outras são tão somente braços estendidos ao céu mas sem a certeza de que Deus acolha esta súplica. Pensar assim é ter pouca fé e imaginar que Deus tem o tamanho da nossa cabeça. Quem não encontrou pessoas profundamente piedosas de outras religiões, nas quais se percebe claramente a presença de Deus? Não reconhecer tal realidade é, na verdade, pecar contra o Espírito Santo que está sempre alimentando a dimensão espiritual ao largo dos tempos históricos.
Nas minhas muitas viagens, nos encontros com culturas diferentes e com pessoas religiosas de todo tipo, me dei conta da necessidade que todos temos de aprender uns dos outros e da profunda capacidade de veneração da qual os mais diferentes povos dão convincente testemunho.
Há alguns anos, dei palestras em muitas cidades da Suécia sobre ecologia e espiritualidade. Numa ocasião me levaram quase ao pólo norte onde vivem os samis (esquimós). Eles não gostam de encontrar estrangeiros. Mas sabendo que era um teólogo da libertação, quiseram conhecer esta raridade. Vieram três líderes indígenas. O mais velho logo me perguntou:"Os índios do Brasil casam o Céu com a Terra ou não"? Eu logo entendi a intenção e respondi de pronto:"Lógico que casam, pois deste casamento nascem todas as coisas". Ao que ele, feliz, retrucou:"então são ainda índios e não são como nossos irmãos de Oslo que já não acreditam no Céu". E dai seguiu-se um diálogo profundo sobre o sentido de unidade entre Deus, o mundo, o homem, a mulher, os animais, a terra, o sol e a vida.
Experiência semelhante vivi em 2008 na Guatemala quando participei de uma belíssima celebração com sacerdotes maias junto o lago Atitlan. Havia também sacerdotisas. Tudo se realizava ao redor do fogo sagrado. Começaram invocando as energias das montanhas, das águas, das florestas, do sol e da mãe Terra. Durante a cerimônia, uma sacerdotisa se avizinhou de mim e disse:"você está muito cansado e deve ainda trabalhar bastante". Efetivamente, por vinte dias percorri, de carro, vários países participando de eventos e dando muitas palestras. E então ela com seu polegar pressionou meu peito, na altura do coração, com tal força a ponto de quase me quebrar uma costela. Tempos depois, retornou a mim e disse:"você tem um joelho machucado". Eu lhe perguntei: "como sabe"? E ela respondeu: "eu o senti pela força da Mãe Terra". Com efeito, ao desembarcar na praia, retorci o joelho que inchou. Levou-me junto ao fogo sagrado e por trinta a quarenta vezes passou a mão do fogo ao joelho até que esse desinchasse totalmente. Antes de terminar a celebração que durou cerca de três horas, retornou a mim e disse: "está ainda cansado". E novamente pressionou fortemente o polegar sobre meu peito. Senti estranho ardor e de repente estava relaxado e tranqüilo como nunca antes.
São sacerdotes-xamãs que entram em contacto com as energias do universo e ajudam as pessoas no seu bem viver.
Certa vez perguntei ao Dalai Lama:"Qual é a melhor religião?" E ele com um sorriso entre sábio e malicioso respondeu: "É aquela que te faz melhor". Perplexo continuei: "o que é fazer-me melhor?" E ele: "aquela que te faz mais compassivo, mais humano e mais aberto ao Todo; esta é a melhor". Sábia resposta que guardo com reverência até os dias de hoje.
Fonte:ADITAL.
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