quinta-feira, 23 de julho de 2009

AFEGANISTÃO - A classe teimosa demais para desistir.

Thomas L. Friedman
Do The New York Times

Estou aqui na Província de Helmand, no sul do Afeganistão. Esta é a parte mais perigosa do país. É onde a máfia e os mulás se encontram. Aqui é onde o Talibã colhe as papoulas que se transformam na heroína que financia a sua insurreição. É por isso que, quando o presidente Barack Obama anunciou que mais do que duplicaria as tropas americanas no Afeganistão, aqui é onde os fuzileiros navais aterrissaram para brigar com o Talibã. Está 115 graus (Fahrenheit, 46º Celsius) ao sol, e o Almirante Mike Mullen, diretor do Estado-Maior-Geral dos Estados Unidos, está se dirigindo aos soldados em um teatro de operações improvisado.

"Vamos fazer uma contagem", disse Mullen, "quantos de vocês estão no seu primeiro destacamento" - Umas duas dúzias de mãos se levantam. "Segundo destacamento?" Mais mãos se levantam. "Terceiro destacamento?" Muitas mãos se levantam ainda. "Quarto destacamento?" Mais umas duas dúzias de mãos se levantam. "Quinto destacamento?" Outras mãos ainda se levantam. "Sexto destacamento?" Uma mão se levanta. Mullen pede ao soldado para dar um passo à frente para apertar sua mão.

Esta cena é uma razão para preocupação, para otimismo e para questionar tudo o que estamos fazendo no Afeganistão. É preocupante, pois entre os surtos no Iraque e no Afeganistão, estamos tiranizando nossos militares. Não sei como estas pessoas e suas famílias suportam isto. Nunca tantos exigiram tanto de tão poucos.

A razão para otimismo? Todos estes destacamentos nos deixaram com um grande quadro de oficiais com experiência em Iraque e Afeganistão, agora administrando ambas as guerras - de generais a capitães. Eles sabem de cada erro que foi cometido, ouviram todas as mentiras, viram seus próprios soldados serem mortos por estupidez, imaginaram soluções e construíram relações com insurgentes, xeques e imames no chão, que deram aos melhores deles um entendimento detalhado do Oriente Médio "real", que rivalizaria com qualquer professor de estudos sobre o Oriente Médio.

Há bastante tempo, argumento que deveria haver um teste para qualquer oficial que queira servir no Iraque ou no Afeganistão - apenas uma pergunta: "Você acha que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta?" Se você responder "sim", você pode ir para a Alemanha, Coréia do Sul ou Japão, mas não para o Iraque ou o Afeganistão. Bem, esta guerra produziu uma classe de oficiais que são pensadores muito anticonvencionais. Eles aprenderam tudo da forma mais difícil - não em aulas em Annapolis ou em West Point, mas nas ruas de Fallujah e Kandahar.

Eu os chamo de: "A Classe Teimosa Demais para Desistir". Digo isto com afeto e respeito. Quando tudo parecia perdido no Iraque, eles foram teimosos demais para desistir e descobriram uma nova estratégia anti-insurgência. Ela não produziu um sucesso irreversível ainda - e pode nunca produzir. Mas manteve viva a esperança de um resultado decente. As mesmas pessoas estão tentando fazer a mesma coisa no Afeganistão agora. A sua maior descoberta estratégica? "Não contamos mais os inimigos mortos em ação", me contou um dos oficiais.

No começo, tanto no Iraque quanto no Afeganistão, nossas tropas faziam contagem de corpos, à la Vietnã. Mas a grande mudança veio quando os oficiais no comando destas guerras entenderam que as relações construídas importavam mais do que os mortos em ação. Uma relação construída com um prefeito ou imame ou insurgente iraquiano ou afegão valia muito mais do que um morto em ação. Relações trazem informações; elas trazem cooperação. Uma boa relação pode salvar as vidas de dezenas de soldados e civis. Uma razão pelo qual a tortura e Abu Ghraib saíram do controle foi porque nossos soldados haviam construído tão poucas relações que, ao invés disto, eles tentavam tirar informações das pessoas batendo nelas. Mas a construção de uma relação dá trabalho.

E isto leva ao meu desconforto. Os Estados Unidos acabaram de adotar o Afeganistão como nosso novo bebê. O aumento nas tropas que Obama ordenou aqui no início do seu exercício levou esta missão de uma intervenção limitada, com resultados limitados, para um projeto completo de construção de uma nação, que levará muito tempo para dar resultados - se der. Viemos aqui para destruir a Al-Qaeda e, agora, estamos em uma longa guerra com o Talibã. Será que isto é realmente usar bem o poder americano?

Pelo menos A Classe Teimosa Demais para Desistir está no comando, e eles têm uma estratégia: Limpar áreas do Talibã, mantê-las em parceria com o exército afegão, reconstruir estas áreas construindo relações com governadores distritais e assembleias locais para ajudá-los a melhorar suas habilidades de oferecer serviços para o povo afegão - especialmente tribunais, escolas e polícia - para que eles possam dar suporte ao governo afegão.

As más notícias? Esta é a Introdução à Construção de um Estado, e nossos parceiros, a polícia e o governo afegão atual, são tão corruptos que não apenas alguns afegãos preferem o Talibã. Com tempo, dinheiro, soldados e trabalhadores de assistência infinitos, provavelmente poderemos reverter isto. Mas não temos nada disto. Sinto uma distância surgindo entre nossos fins e nossos meios e nossas limitações de tempo. Meu coração diz: Missão crítica - ajude aqueles afegãos que querem um governo decente. Minha cabeça diz: Missão impossível.

Será que Obama entende o quanto apostou de sua presidência ao transformar o Afeganistão em um país estável? Agora é muito tarde. Então, espero que A Classe Teimosa Demais para Desistir possa levar tudo que aprendeu no Iraque e ajude a reconstruir O País que Está Muito Quebrado para Funcionar.
Fonte:Terra Magazine.

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