Por Darío Pignotti - Adital - de Buenos Aires
Lula receberá Ahmadinejad em 2010
Os gestos públicos são fotográficos; porém, os privados são contundentes. Por exemplo, que o norte-americano pediu ao brasileiro ajuda para pilotar o tema Cuba na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Foram duas fotos de impacto distinto; porém, significado político convergente. Uma percorreu o mundo, mostrando ao Primeiro Mundo, encarnado em Barack Obama e Nicolas Sarkozy, ambos igualmente subjugados pelo caminhar ondulante de uma terceiromundista, nesse caso, a carioca Mayra Tavares, 17 anos, membro da delegação brasileira encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva, na cúpula de chefes de Estado celebrada na semana passada em L’Áquila, Itália. Em outra foto, seguramente não tão insinuante quanto a anterior, o líder norte-americano posou, junto a Lula, com uma camiseta da seleção brasileira autografada por vários jogadores.
A primeira conclusão, óbvia, nos leva a sustentar que Obama ‘gosta muito do Brasil’. A segunda, não tão definitiva, é que há sinais para supor que o romance entre Brasília e Washington é sólido e promete ser de largo alcance.
Pode-se também repassar outros dois episódios, certamente menos fotográficos e mais relevantes. Em junho, Brasília foi escolhida pela Casa Branca como uma espécie de fiadora nas negociações, intensas e por momentos à beira do fracasso, que, finalmente, puseram fim a 37 anos de veto da OEA contra Cuba. Enquanto a Assembleia da OEA realizava a sessão em Honduras, Lula recebeu uma chamada de Obama para, segundo transcendeu, consultá-lo sobre a estratégia a seguir e ensaiar algum tipo de ação conjunta.
A brilhante administração do democrata Obama precisou contar com o respaldo brasileiro para o voto condicionado a favor da readmissão de Cuba na OEA na qual se propôs romper com a herança do republicano George w. Bush e apresentar suas credenciais diplomáticas ante a comunidade latino-americana.
Para Washington, Lula é, sem sombra de dúvida, o líder da América Latina, afirmou na quinta-feira Thomas Shannon, subsecretário adjunto do Departamento de Estado, que se está retirando para assumir como futuro embaixador no Brasil. Os ditos de Shannon não fizeram mais do que rubricar o que foi assinado por outros presidentes do hemisfério, desde o mandatário paraguaio, Fernando Lugo, até sua colega chilena, Michelle Bachelet.
No entanto, surpreendeu a sugestão proposta por Obama durante uma reunião com Lula em L’Áquila para que o Brasil atue como mediador oficioso entre os Estados Unidos e o Irã. Essa é a novidade da política externa brasileira: Sua projeção como ator extra-regional, capaz de ser um aliado confiável dos EUA, sem renunciar a suas relações, cada vez mais fluidas, com Teerã, ao ponto de estar praticamente agendado um encontro entre Lula e Mahmud Ahmadinejad para 2010.
Como os bons dribladores, Lula, que foi um decoroso jogador de futebol em seus anos de juventude, aceitou a sugestão do companheiro Obama, porém evitou, em princípio, aceitar o papel de menino de recados de Washington. Considerou desejável que Irã emule o Brasil em matéria nuclear e desenvolva tecnologia com fins pacíficos. Tradução: Esquivou-se de dizer a Ahmadinejad que acabasse de uma vez por todas com seus ensaios atômicos, algo que teria sido mal recebido pelo governo persa.
Sucede que Lula, agora com Obama, e antes com George W. Bush, nunca rompeu com Washington; porém, sempre procurou ter uma certa margem de manobra para ganhar legitimidade com os países do Terceiro Mundo. Assim aconteceu em março de2003, quando o Brasil reprovou a invasão norteamericana ao Iraque e continuou mantendo relações diplomáticas com o governo de Saddam Hussein; ou em 2008, quando patrocinou a criação do Conselho de Defesa sulamericano em explícita resposta à reativação da IV Frota. Seguindo essa mesma tese de política externa, que bem poderia ser definida como de autonomia sem confrontação aberta com Washington, há duas semanas o Ministério das Relações Exteriores pôs em funções o primeiro embaixador brasileiro na Coreia do Norte.
Em suma, a irrupção do Brasil como um dos jogadores de peso, ainda que não determinante, na mesa de poder mundial não é fruto apenas da ubicuidade de Lula, mas da construção de espaços de poder em um cenário cada vez mais multipolar e, não menos importante, sua crescente robustez econômica.
Tradução: Adital/Correio do Brasil.
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