Mauro Santayana
Se a comunidade internacional se mantiver firme, como até agora, o retorno de Zelaya ao poder em Honduras poderá ser o fim de quase dois séculos de caudilhismo militar na América Latina. A mudança de postura dos países centrais, ao apoiarem a decisão da OEA e das Nações Unidas, é o grande fato novo e alentador deste novo século. Ao que parece, já não lhes interessa fomentar a violência política na América Latina, como ocorria até recentemente. Os novos desafios do mundo não admitem essas manobras sujas da geopolítica.
Os golpistas alegam que Zelaya violara a Constituição, ao aspirar à reeleição, mediante referendo popular. Admitindo-se que plebiscitos são controvertidos, pela sua natureza maniqueísta, e que sua convocação violava a carta política, caberia processo político regular contra o presidente. O usurpador Micheletti alega que o Poder Legislativo e a Suprema Corte aprovaram a destituição do presidente, mas só o fizeram depois do fato consumado. Zelaya poderia ter sofrido processo regular de impeachment e deixado o poder, se fosse o caso, como ocorreu a Fernando Collor. Quando os juízes aprovam a invasão do domicílio do chefe de Estado, madrugada alta, o sequestro da família por homens armados e sua expulsão sumária do território nacional, quem está violando a Constituição é a Suprema Corte. O mesmo ocorre com a maioria parlamentar que aprova o golpe. Além disso, a população de Honduras parecia satisfeita com seu presidente, não obstante as dificuldades econômicas históricas, por se tratar de uma das mais infelizes repúblicas da América Central. O termo banana republic foi criado, em 1904, exatamente para identificar Honduras, pelo escritor norte-americano O. Henry, em seu livro de contos Cabbages and kings. O intervencionismo norte-americano na região, em favor da United Fruit e Standard Fruit, é conhecido. Em 1911 e 1912, os americanos enviaram seus marines a Honduras, a fim de garantir a isenção de impostos às empresas bananeiras, por 25 anos.
A técnica do golpe é a mesma, e não há pais desta nossa infeliz América Latina que não tenha sofrido a violência, sempre executada pelas Forças Armadas, em benefício de um general qualquer, sempre títere de Washington, ou de civis dispostos à obediência. Em nossos países tem vigorado, desde a independência, a máxima de Arturo Illia: "A los militares, o se les manda, o se les obedece". Com sua visão de Estado, Jefferson, que participou ativamente, com La Fayette e outros, da redação dos primeiros rascunhos da Constituição Francesa de 1791, sugeriu que o texto determinasse a toda autoridade militar submissão direta a uma autoridade civil. Para nossa desgraça, em busca do poder a qualquer preço, os políticos batem à porta dos quartéis e pedem a intervenção armada. Mesmo quando os governos militares parecem necessários para a consolidação do Estado – como no caso das guerras de libertação de nossos vizinhos e, em nosso caso, da proclamação da República – os efeitos históricos são péssimos. Não são poucos os jovens oficiais que sonham ser, um dia, Bolívar e, em nosso caso, Deodoro ou Floriano (não falemos em Castello Branco, Costa e Silva, Médici e outros).
República é sinônimo de democracia, de Estado de direito. Não há meia democracia ou Estado mais ou menos de direito. Os conflitos políticos são inevitáveis, e inerentes à democracia, e só são resolvidos com democracia.
Não há como contemporizar, no caso hondurenho. Se o usurpador insistir em impedir o retorno de Zelaya, cabe à comunidade internacional avançar em sua condenação à aventura liberticida, e isolar o regime, até que o país retorne à normalidade republicana. É preciso registrar que toda a América Latina se encontra sob o meridiano de Tegucigalpa. E não podemos, no Brasil, baixar a guarda. Já estão circulando, pela internet, textos pedindo o retorno dos militares ao poder. Os que respeitamos as Forças Armadas e com elas contamos para a defesa permanente da soberania nacional, não podemos desonrá-las, ao admitir tal hipótese. Fez bem Celso Amorim em reiterar a Hillary Clinton nossa firme posição contra o golpe.
Os conflitos políticos são os tributos que pagamos à liberdade. E é preferível a corrupção com a imprensa livre, que a denuncie, mesmo com possíveis excessos, do que a corrupção sob o segredo das ditaduras, que só vamos conhecer décadas depois.
Fonte:JB
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