João Paulo Kupfer
As discussões, no Brasil, sobre assuntos fiscais estão contaminadas por vírus ideológicos. O vírus é importado, mas faz tempo circula, de forma autóctone, entre nós. Sua origem foi detectada em um renitente pensamento econômico neoliberal, que teima em querer se tido com o único “científico”, mesmo depois da explosão da grande crise de 2008.
A disseminação do vírus, no Brasil, se dá em ambiente propício. Ampla desinformação e manipulação técnica facilitam a sua circulação. Os sintomas da doença são a vilanização dos gastos sociais, deliberadamente confundidos com mordomias, privilégios, corrupção, compadrios e quetais. As vítimas preferenciais são da classe média.
Dentro do grupo de risco, os mais vulneráveis são os que observam o mundo exclusivamente de uma ótica individualista. Aqueles que reclamam do baixo retorno social dos impostos e contribuições que pagam, mas só para si, sendo incapazes de aceitar as vantagens sociais das transferências de renda e os benefícios, para os mais pobres, dos serviços públicos.
Dois exemplos rápidos para não cansar o leitor:
CARGA TRIBUTÁRIA
O que dizem:
Quando se compara a carga tributária brasileira com a de outros países, o que se ouve é que, alcançando os picos de algo equivalente a 36% do PIB, é mais alta de que a de outros países de nível semelhante de renda e, pior de tudo, tão alta (ou mais) do que a de países de alta renda.
O que “esquecem” de dizer:
No caso do Brasil, as contribuições para a Previdência são incluídas no cálculo da carga, diferentemente da grande maioria dos países com os quais é feita a comparação. Assim, uma comparação correta deveria, no caso brasileiro, descontar as contribuições previdenciárias compulsórias. Com isso, a carga tributária brasileira comparável cairia para menos de 30% do PIB.
DÉFICIT DA PREVIDÊNCIA
O que dizem:
O “déficit” do regime geral da previdência (previdência compulsória do setor privado) é um saco sem fundo, que vai levar à explosão das contas públicas. Em razão do fato, é necessário reformar a previdência e cortar benefícios. Do mesmo modo, aumentos do salário mínimo e da remuneração dos aposentados, que afetam os gastos previdenciários, são desaconselháveis.
O que “esquecem” de dizer:
As receitas da Previdência são formadas não apenas pelas contribuições dos empregados e empregadores, mas também por parcelas de outras contribuições, como a Cofins e a CSLL. Mas, isso quase sempre é desconsiderado.
No caso dos gastos, ao contrário, eles são inflados com os benefícios concedidos a idosos pobres, os quais, de acordo com a lei, são de responsabilidade orçamentária da União, embora estejam incluídos no amplo espectro da seguridade social. Isso sem falar nas renúncias fiscais, com origem em ações de política fiscal.
O resultado é que o “déficit” do regime geral, com exceção de alguns poucos exercícios, nos últimos anos, na verdade, é um saldo operacional positivo.
Para aumentar a confusão técnica (e os déficits), “esquecem” também de separar o regime geral da previdência (setor privado) com o regime previdenciário dos servidores públicos. É fácil misturar e confundir uma coisa com a outra, “esquecendo” que os conceitos de formação dos fundos e as determinações constitucionais, nos dois regimes, são diferentes.
Enviado por: José Paulo Kupfer
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