sexta-feira, 14 de agosto de 2009

CHINA - um exército de 20 milhões em fuga para a zona rural.

O primeiro a ver a fissura na represa ocupacional chinesa foi Jin Jiangbo. Ele tem 36 anos. Não é economista. É fotógrafo. Há um ano, quando Pequim ainda apresentava recordes produtivos, ele desceu ao longo do delta do rio das Pérolas. Em Guadong, epicentro mundial das exportações, encontrou fábricas fechadas, dormitórios vazios, pavilhões abandonados (veja imagens abaixo). Um deserto desconhecido, que ele mesmo não entendia. As suas imagens, no início, foram censuradas. Um ano depois, agora que a crise do Ocidente amadureceu também no Oriente, esses impulsos proféticos se tornaram no símbolo da China. O país que produz de tudo, a 60 anos da revolução comunista, está minado pela primeira grande crise do seu capitalismo.

A reportagem é de Giampaolo Visetti, publicada no jornal La Repubblica, 12-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Um exército de novos desempregados em fuga das cidades costeiras, onde estão sendo fechadas até sete empresas de cada dez, retorna para os vilarejos rurais nos últimos 20 anos. Para a terceira economia do mundo, que anunciou há pouco tempo a superação do Japão em breve, é um choque. Mais de 20 milhões de ex-agricultores, que migraram e se transformaram em operários, retornam para casa. O contra-êxodo dos novos desempregados, vítimas do mais impressionante boom industrial da história, muda também o perfil da paisagem.

Periferias urbanas, futuristas e sem fronteiras, recém construídas, se despovoam e caem em ruínas. Os campos antigos do interior, que ficaram privados de serviços, povoados por idosos, explodem e se enchem de barracas. Os dados oficiais fixam o desemprego em 4,1%. Porém, os especialistas deslocam o nível real para pouco abaixo de 20%. Por trás do curto-circuito chinês, a recessão nos EUA e na Europa. As exportações, em julho, despencaram em 22,9%. As importações marcam 14,9% negativos. Milhares de empresas dependem da exportação em até 80%. Dos seis milhões de novos graduados, três milhões estão sem trabalho.

Os 586 bilhões destinados pelo governo sustentam crédito e investimentos. Porém, não são suficientes para parar as demissões. Nas fábricas, nestes dias, esperava-se os pedidos para os presentes de Natal de todo o mundo. A última praia de 2009: brinquedos, aparelhos hi-tech, moda. No entanto, agora, nada. O consumidor global espera, e o ex-produtor de arroz chinês, que, enquanto isso cedeu a sua terra, perde o seu posto. Os especialistas em fluxos migratórios dizem-se certos: nos próximos meses, para o sudeste asiático, mas também para a Europa e a África, a China não enviará mercadorias, mas novamente mão-de-obra.

Ninguém, entre Xangai e Shenzhen, estava preparado para combater os cortes nas empresas, privatizadas em 95% em 30 anos. As consequências são dramáticas. Milhões de pessoas, que perderam tudo, viajam dois ou três mil quilômetros para retornar, derrotados, aos lugares de origem irreconhecíveis. Nas fábricas, a tensão aumenta. Sem horas extras, o salário cai de 250 para 40 euros por mês. Os operários não conseguem mais enviar dinheiro para casa ou pagar os estudos dos filhos. Os idosos, privados de pensão e aposentadoria médica, perdem a sua única fonte de subsistência. Até 2030, segundo as projeções, 320 milhões de pessoas com mais de 65 anos farão o nascente "welfare state" made in China explodir.

Chamada pelos EUA a "salvar o mundo", essa nova China dominante começa assim a ter medo de não conseguir salvar nem mesmo a si mesma. Centenas de revoltas, que desembocaram em conflitos e homicídios, conturbaram a vida das empresas nas últimas semanas. Os empresários, que até o último momento culpam as falências ou fusões, escolhem a noite para escapar. Para conservar seu posto, ou para obter um novo, os trabalhadores são obrigados a pagar aos dirigentes que restam. As contratações, revelou ontem o jornal do governo China Daily preanunciando prisões, são até leiloados por 10 mil yuan. Em alguns casos, as empresas pedem "antecipações retributivas" aos dependentes, com a promessa de restitui-lhes em quatro anos.

Nas universidades, incluindo as de Pequim, milhares de formandos fingem ter sido contratados para poder discutir a tese e não ter que voltar para as faculdades do interior. A ordem do governo é peremptória: as previsões ocupacionais, muito otimistas, devem se tornar realidade. Entre alunos e professores, desde janeiro, registra-se um boom de suicídios. Liu Wei, formanda e informática em Hebei, deixou um diário. O seu testemunho, difundido na Internet, se tornou o espelho do drama escondido das autoridades. "Envergonho-me - lê-se - porque os meus familiares fizeram grandes sacrifícios para eu não ter que seguir o seu destino. Agora não posso mais pagar a minha mensalidade e não encontrarei um trabalho para mantê-los". Ela se matou por 70 euros por mês.

Milhões de falsos contratos teriam sido escritos com a cumplicidade dos dirigentes comunistas de muitas províncias. Segundo o partido central, o crescimento chinês continua em 8%. A produção industrial de julho marca 11% positivos, e o emprego no primeiro semestre estava em 0,13% positivo. Ninguém confia mais em ninguém. A população assiste à ruptura daquela que estava se tornando a classe média e ao retorno da Idade Média agrícola da cosmopolita "geração Ikea".

"Não surpreende - diz Tao Li, professor da School of Business de Shenzhen - que os dados oficiais sobre o desemprego sejam amplamente subavaliados. Quem perde o emprego registra-se só para obter subsídios públicos. Mas estes são limitados, ou sujeitos a corrupção e clientelismo político. Os desempregados-fantasmas são o efeito da nova desconfiança interna chinesa". A incerteza silenciosa é clara. Milhões de causas por insolvência assediam os tribunais. Os bancos custam a recuperar os créditos de imóveis e bens de baixo custo. Os 20 milhões de "novos desempregados chineses made in USA" somam-se aos 140 milhões de migrantes que trabalham deslocando-se de província para província. O consumo de energia industrial, em seis meses, diminuiu em 48%.

Na capital, o gasto alimentar, desde janeiro, também sofreu um corte de 32%. O próprio jornal Global Times, voz indireta do partido comunista, referiu nesta quarta-feira que as pessoas reagiram "com ironia" à notícia de que os salários urbanos cresceriam em 13%, até 2.142 dólares por mês. Altos funcionários públicos, protegidos pelo anonimato, referem-se a um governo "em forte fibrilização". As ondas de desempregados, pela primeira vez, abalam o poder. Há semanas, eles semeiam insatisfação e raiva no coração da nação. Às vésperas do 60º aniversário da revolução de Mao, no dia 1º de outubro, Pequim teme que as revoltas diante das portas fechadas se unam às revoltas étnicas até agora reprimidas com sangue.

Os novos desempregados de Guangdong dão mais medo do que as populações de Uygur e do Tibete. Os "incidentes em massa", em um ano, foram mais de 80 mil. De minoria, os ex-operários podem se tornar maioria e prejudicar o triunfante nacionalismo capitalista dos "han". Com os empresários que retornam para o campo, e os intelectuais pendurados em "gastos reembolsados" temporariamente, os trabalhadores braçais, famintos devido à crise dos preços, e os separatistas, sempre mais infiltrados pelo integralismo religioso, podem formar um bloco social difícil de ser combatido. "É o trabalho - diz Shi Xiao, diretor do Observatório Social de Xangai - o verdadeiro nervo à flor da pele desse poder. Colocou tudo em função do dinheiro, fazendo com que o país esquecesse os seus direitos. Se falir com relação ao emprego, o partido pode ouvir em breve questionamentos sobre a democracia".

Preocupado por toda forma de contestação, o general Meng Guoping anunciou um plano para "administrar de modo mais eficaz as revoltas, emergências e confrontos étnicos". É o primeiro desse tipo, a 82 anos da fundação da Armada Popular de Libertação. "O plano é apresentado como luta contra o terrorismo - diz o economista Eric Fishwick -, mas o grupo do presidente Hu Jintao pensa em como gerir os milhões de chineses que estão perdendo tudo".

Pequim sabe que "o futuro é incerto", e que a economia financeira escapou de suas mãos. Por ordem do Escritório Nacional de Estatísticas, defensor extremo do crescimento chinês, o governo se refugia assim na tradição poética. "Estou orgulhoso de ser um tijolo no edifício ocupacional da república", escreveu Guo Zhenglan, demitido em Changping, aderindo à "campanha de Estado pelo trabalho". Yan Qiao, que até junho construía bolas de neve falsa para o mercado europeu, o superou. "Graças às estatísticas - declarou - posso reordenar as minhas estrelas no céu da fábrica".
Fonte:IHU

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