Paola Ugaz
De Lima, Peru
O lançamento da candidatura do partido Terra e Liberdade, do sacerdote Marco Arana, à presidência, desencadeou um confronto de batinas no Peru, onde a Igreja Católica está dividida entre os que apóiam o crescimento econômico que o país vive com o governo de Alan Garcia e os que rejeitam o modelo econômico vigente e se opõem à exploração dos minérios do país.
O cardeal de Lima, Juan Luis Cipriano, que pertence à ordem da Opus Dei, aconselhou o padre Arana dizendo que "se ele quer entrar na política deve abandonar o sacerdócio, para não confundir as obrigações assumidas como sacerdote e levar as pessoas a algo completamente alheio ao seu ministério, como é o caso da política".
"Um sacerdote não pode assumir a sua autoridade sacerdotal para assumir posições políticas, como faz, por exemplo, o padre Arana", acrescentou Cipriani, que é conselheiro pessoal da família do presidente do Peru, Alan Garcia, além de ser próximo da associação dos empresários mais representativos do país, a Confederação de Empresas do Peru.
No entanto, o sacerdote e líder do Terra e Liberdade, Marco Arana, declarou a Terra Magazine que "Cipriani não deve solicitar a minha renúncia porque não tem autoridade eclesial sobre mim, corresponde ao meu bispo autorizar-me, solicitar a suspensão das minhas funções ou tramitar a minha secularização".
"Não há motivo para abandonar o sacerdócio enquanto a candidatura não seja aceita, é evidente que (Juan Luis) Cipriani não estava defendendo a vida pastoral de um sacerdote, mas o modelo econômico neoliberal. Ele age assim desde a época de Fujimori, a sua preocupação é política. O paradoxo é que não existe um cardeal mais político, com mais controvérsias na política do que ele", declarou Arana a Terra Magazine.
O sacerdote, de 46 anos, natural de Cajamarca - estado localizado ao norte do Peru e que tem as maiores minas de ouro do país - fundou o Terra e Liberdade para apresentar uma opção política que estivesse à esquerda do cenário político e começar a preparar-se para disputar posições com o partido do líder nacionalista, Ollanta Humala, que ficou em segundo lugar nas últimas eleições.
Arana é formado em sociologia pela Universidade de Cajamarca e em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, além de ter mestrado em políticas públicas pela Universidade Católica de Lima.
Paralelo aos estudos e à atividade pastoral, Arana participou do ativismo social, fiscalizando a empresa de mineração Yanacocha, devido às agressões causadas ao meio ambiente nos últimos 20 anos; também recebem destaque as denúncias feitas a respeito das doenças que acometem a população da região de Choropampa, devido ao derramamento de mercúrio no ano 2000. Esta ação lhe rendeu o Prêmio em Defesa aos Direitos Humanos, entregue pela Coordenação Nacional dos Direitos Humanos.
Operação do diabo
A partir de Cajamarca, Arana transformou-se em um dos personagens mais rejeitados pelos empresários da mineração do Peru. Em 2005, ele liderou as manifestações de repúdio à exploração de ouro na serra Quilish, argumentando que a atividade poluiria a água com a qual é abastecida a cidade de Cajamarca.
O extrativismo mineral na serra Quilish foi cancelado e isso freou a valorização da poderosa empresa de mineração Yanacocha na Bolsa de Valores de Nova York, assim como o seu crescimento entre as maiores empresas da América do Sul.
Desde então, Arana passou a ser um dos sacerdotes mais rejeitados pelo empresariado, o que levou a uma ação ilegal de vigilância, perseguição e escutas telefônicas realizadas por uma empresa via satélite, a C&G, vinculada à FORZA S.A., a maior empresa privada de segurança do país, formada por marinheiros da reserva e que presta serviços de segurança para a Yanacocha; conforme informações do jornal La República de 2006.
Conforme a investigação dos jornalistas do La República, o plano executado contra Arana em Cajamarca chamava-se de "operação do diabo", para mostrar um perfil do sacerdote diferente, e para que a população o visse como um demônio.
Em agosto de 2005, Arana foi seguido em todas as atividades das quais participava em Lima e Cajamarca por 16 agentes aposentados das Forças Armadas. Além disso, os agentes ocuparam um escritório no prédio que fica de frente para a Organização Não Governamental Grufides, dirigida pelo sacerdote, em Cajamarca.
A "operação do diabo" foi interrompida graças à investigação do jornal La República comandada por Edmundo Cruz, que comprovou que a perseguição sofrida por Arana foi muito parecida às ações da Missão Impossível e que tinham por objetivo causar instabilidade psicológica e reunir informações para a realização de um próximo atentado contra o sacerdote.
Tumulto no Peru
O tumulto causado pelo confronto entre o cardeal de Lima, Juan Luis Cipriani e o sacerdote diocesano, Marco Arana, provocou a disparada na carreira política de Arana com vistas à eleição presidencial do ano 2011, na qual já está confirmada a candidatura do ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006); da filha mais velha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), Keiko Sofía Fujimori; do líder nacionalista, Ollanta Humala; do ex-primeiro ministro, Yehuse Simón; da líder do setor Unidad Nacional, Lourdes Flores e o prefeito de Lima, Luis Castañeda Lossio.
O cardeal de Lima, Juan Luis Cipriani, recebeu críticas do jornalista e apresentador de televisão César Hildebrandt, que fez referências ao tempo em que Cipriani era bispo em Ayacucho, na década de 1990, tempos da "guerra suja" contra o Sendero Luminoso, quando Cipriani não dava importância às denúncias de desaparecimentos e mantinha relações amigáveis com o Exército, o jornalista repetiu uma frase do então bispo: "Saí em defesa dos pobres e dos que massacraram esta cidade. E durante esse trajeto não vi ninguém da Coordenação dos Direitos Humanos, essa estupidez".
A questão do papel desempenhado pelos sacerdotes está em debate no país andino, onde foi lembrado que o falecido sacerdote Salomón Bolo Hidalgo foi o primeiro religioso a participar de uma eleição presidencial, em 1962, quando integrou a chapa majoritária do general César Pando.
Também foi lembrado o papel do sacerdote Luis Bambarén, que durante o governo de Alejandro Toledo (2001-2006) foi escolhido para intermediar as dezenas de conflitos sociais surgidos ao redor de questões sanitárias e trabalhistas causados pelas empresas de mineração.
Bammarén, que é inimigo ferrenho de Cipriani, disse que "todo aquele religioso que entra na política deve renunciar ao seu ministério sacerdotal" e citou o exemplo do atual presidente do Paraguai, Fernando Lugo, que deixou o sacerdócio assim que foi eleito presidente.
Em um país no qual um candidato à presidência desconhecido, como era Alberto Fujimori, derrotou o candidato favorito, o escritor Vargas Llosa, em 1990, nos três últimos meses da campanha eleitoral, será que o sacerdote Marco Arana tem chances de disputar a presidência do Peru e transformar-se no Lugo peruano? Só o tempo e as eleições de 2011 irão dizer.
Terra Magazine
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