Ricardo Kotscho.
Balaio do Kotscho
BRASÍLIA _ A esperança de encontrar os corpos dos desaparecidos, sabemos todos, é remota. Mas os parentes dos guerrilheiros mortos em operações do Exército na região do rio Araguaia, no começo dos anos 1970, nunca a perdem.
São 78 os desaparecidos conhecidos _ 57 guerrilheiros, 20 camponeses e um soldado. Seus parentes lutam até hoje para poder enterrar os mortos de acordo com suas convicções religiosas e em respeito à sua memória.
Quase 40 anos após a Guerrilha do Araguaia, desencadeada pelo PCdoB, uma dissidência armada do antigo Partido Comunista Brasileiro, contra a ditadura militar, o governo brasileiro continua empenhado em resgatar a verdade sobre este período amargo da nossa história.
É por este motivo que estou novamente em Brasília nesta tarde calorenta de quinta-feira. Amanhã cedinho, embarco num avião da FAB para Marabá, no sul do Pará, junto com meus colegas do Comitê Interinstitucional de Supervisão das Atividades do Grupo de Trabalho, constituído pelo governo federal em abril deste ano, com a participação de militares e representantes da sociedade civil, para retomar as buscas dos desaparecidos.
Liderado pelos ministros Nelson Jobim, da Defesa, e Paulo Vanucchi, dos Direitos Humanos, o grupo acompanhará os trabalhos de escavação em Mutuma, município de São Geraldo, e na Fazenda Bacaba, onde fará sua primeira reunião de trabalho na região.
Os trabalhos estão agora entrando na terceira fase e deverão se estender até o final de outubro, quando começa o período de chuvas. Duas expedições já foram realizadas desde o começo de agosto, sem resultados até agora.
É como procurar agulha em palheiro, pois nestas quatro décadas as terras onde os corpos poderiam ter sido enterrados foram totalmente reviradas e a topografia mudada. Mas os trabalhos prosseguem.
Na última reunião do grupo, em Brasília, no dia 10 de setembro, Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamim, ministro do Superior Tribunal de Justiça, um dos 11 integrantes do comitê de supervisão criado pelo presidente Lula, resumiu o pensamento que move todos os envolvidos nesta operação:
“Dar uma satisfação aos familiares, dar uma satisfação à sociedade brasileira e demonstrar o envolvimento do Estado Brasileiro no resgate histórico perante as gerações futuras”.
Dos cerca de 80 guerrilheiros enviados para a selva pelo PCdoB no início dos anos 1970, apenas 20 sobreviveram. Os demais foram mortos em combate durante as três operações desencadeadas pelo Exército a partir de 1972, até o final de 1974.
Estive pela primeira vez nesta região conhecida por Bico do Papagaio, em 1980, para fazer uma série de reportagens para a Folha de S. Paulo, mais tarde publicadas no livro “Massacre dos Posseiros – Conflito de Terras no Araguaia-Tocantins”, da Editora Brasiliense.
Depois do final da guerrilha, a guerra pela terra ali continuou por outros meios e personagens, envolvendo grileiros, posseiros, garimpeiros, índios, policiais militares, religiosos, juízes e promotres, numa luta sem fim, que prossegue até hoje.
Ali, às margens dos belos rios Araguaia e Tocantins, na encruzilhada de três Estados, pegando o sul do Pará, o oeste do Maranhão e o antigo norte de Goiás (hoje Tocantins), vigorava a lei do mais forte numa terra de todos e de ninguém, onde nem o Exército e muito menos a Justiça conseguiam colocar um pouco de ordem.
Vou ver amanhã como anda a vida por lá tantos anos depois e conto para vocês no sábado (devo voltar no final da noite de sexta-feira).
Em tempo: antes que algum desavisado tire conclusões apressadas a respeito da minha participação neste Comitê Interinstitucional, informo que se trata, segundo decreto presidencial que o criou, de “serviço público relevante, não remunerado”.
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