Se me fosse dada a opção de escolher o currículo de formação de novos jornalistas, eu optaria por colocá-los para estudar História. Não dá para ver o golpe em Honduras fora de seu contexto econômico e histórico internacional.
Por Luiz Carlos Azenha, no blog Vi o Mundo
Do ponto-de-vista da economia, a crise nos Estados Unidos teve um tremendo impacto em toda a América Central. Nos Estados Unidos os centro-americanos cumprem o papel de derrubar os salários locais. E ajudam a sustentar as economias de seus países de origem com as remessas de dólares.
Com a crise, as elites locais da América Central, atreladas a interesses estrangeiros, não querem fazer qualquer concessão. O principal produto desses países é a mão-de-obra barata: os homens imigram, as mulheres trabalham nas maquilas, empresas que montam produtos exportáveis para os Estados Unidos.
Fazer concessões aos movimentos sociais implica em ameaçar a vantagem competitiva que esses países podem oferecer aos investidores estrangeiros: o trabalho semi-escravo.
De repente, surge na equação um sujeito chamado Hugo Chávez. Com o dinheiro do petróleo, pode equilibrar esse jogo. Todos esses países são dependentes de importação de energia. Além de acesso a petróleo mais barato, através de Chávez os governos podem obter financiamento externo para projetos de infraestrutura e programas sociais.
Ou seja, é uma perspectiva de autonomia numa região que sempre foi quintal político e econômico dos Estados Unidos, o que vale também para o grande vizinho ao Norte, o México.
Portanto, Manuel Zelaya era um exemplo a ser combatido. Embora eleito por um partido de centro-direita, ameaçava romper o pacto das elites hondurenhas, assentado sobre a exploração da mão-de-obra local.
Zelaya, como vocês sabem, deu aumento de 65% no salário mínimo.
Quanto à conjuntura internacional, Honduras desempenha um papel importante como uma espécie de porta-aviões em terra para projetar o poder militar dos Estados Unidos na América Central.
Embora Zelaya não tenha falado em acabar com isso, as ideias dele representavam ameaça de médio prazo, especialmente num quadro em que a Venezuela se contrapõe abertamente aos Estados Unidos na América Central e no Caribe.
Engana-se quem acha que a transição do governo Bush para o governo Obama foi completa. Os neocons não deixaram o poder completamente nos Estados Unidos. Alguns deles são assessores de Hillary Clinton no Departamento de Estado. Outros lutam de dentro da burocracia estatal. E há a câmara de eco neocon nos institutos de estudos internacionais, revistas e jornais, que trava uma luta diária para influenciar a política externa. Eles são fortíssimos no Pentágono e na CIA.
Além de pregar a completa hegemonia política, econômica e militar dos Estados Unidos, os neocons agem em defesa de grandes interesses econômicos, os mesmos que sustentam seus institutos e publicações.
A História da América Central é a história da subordinação local a esses interesses.
Foi para combater a "ameaça comunista" que os Estados Unidos derrubaram o governo de Jacob Arbenz na Guatemala, em 1954, num período em que a United Fruit tinha o monopólio da produção de banana e era dona da maioria das terras; a subsidiária dela, International Railways of Central America (IRCA), controlava o transporte; e a Electric Bond and Share (EBS) controlava a produção e distribuição de energia.
"Vista no contexto da Guerra Fria, a intervenção dos Estados Unidos na Guatemala foi a primeira expressão na América Latina de uma política desenvolvida inicialmente na Grécia. No período depois da Segunda Guerra Mundial, o capital dos Estados Unidos estava se expandindo mundialmente em uma escala sem precedentes. Movimentos de trabalhadores nos Estados Unidos e no estrangeiro (especialmente os abertos às ideias comunistas) eram vistos como ameaça a essa expansão e portanto tinham que ser colocados sob controle. No estrangeiro, a intervenção de 1947 na Grécia foi o precedente. Os Estados Unidos jogaram centenas de milhões de dólares na Grécia para esmagar uma revolta revolucionária militarmente. A Doutrina Truman deu a justificativa, ao dizer que os Estados Unidos precisam 'apoiar povos livres que estão resistindo à subjugação por minorias armadas'. A Guatemala foi a primeira aplicação dessa lógica na América Latina (vista também na derrubada do governo nacionalista de Mossadegh no Irã). Nesse contexto, os Estados Unidos fizeram um teste na Guatemala de um modelo para reverter revoluções sociais na América Latina clandestinamente, sem mandar os fuzileiros navais. Muitos aspectos desse modelo foram aplicados na invasão da baía dos Porcos (Cuba) e em operações clandestinas subsequentes, inclusive na guerra dos contra nos anos 80 contra a Nicarágua". (Do livro The Battle for Guatemala, de Susanne Jones).
Hoje, os grandes interesses econômicos que colocam Barack Obama na parede representam o capital multinacional que prega a "flexibilização" do trabalho, o desmanche do estado, a criminalização dos movimentos sociais reinvindicatórios, o estado da segurança nacional, a guerra permanente e o acesso desimpedido às matérias primas.
A grande ameaça a esses interesses é o voto popular. A grande arma deles é a mídia. O golpe em Honduras resultou de uma conjuntura política interna, mas dentro de um contexto econômico e político internacional. É o neogolpe. A repetição da História, agora como farsa, na qual o antichavismo faz o papel do anticomunismo, para despistar os verdadeiros objetivos: garantir a completa subordinação da mão-de-obra. É a parte que nos cabe nesse latifúndio.
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