Luiz Carlos Bresser-Pereira (Folha de S.Paulo)
Quando, em outubro de 2008, explodiu a crise financeira global, previ que seus reflexos na economia real seriam menores do que os do crash de 1929 porque a reação monetária e fiscal dos governos seria muito mais forte e decidida do que fora 80 anos antes.
De fato, isso ocorreu, o desemprego aumentou muito menos do que nos anos 1930, e, agora, os países de renda média como a China e o Brasil já saíram da crise, enquanto os países ricos começam a sair. Ninguém, entretanto, está muito seguro do que acontecerá com a retomada. Nada indica que seja forte e firme tanto poderá ser lenta e hesitante como poderá ser seguida de nova crise.
Aposto na primeira alternativa. Como os países ricos foram aqueles cujas empresas e famílias mais se endividaram, será necessário um tempo relativamente grande para que elas consigam se desalavancar. Enquanto for esse o quadro, o investimento e o consumo privado permanecerão deprimidos. O grande esforço fiscal realizado pelos países teve o efeito esperado de minorar a insuficiência de demanda agregada, mas não teve o condão de relançar o gasto privado, de forma que a recuperação deverá ler lenta, na forma de um `U` com ampla base.
Nos países ricos, portanto, a probabilidade de que nova crise se desencadeie é pequena. Os mercados de commodities e de ações estão se reaquecendo em consequência do grande aumento da liquidez internacional, mas esse aumento de preços dos ativos não é suficiente para criar uma nova bolha: nos Estados Unidos, o mercado acionário está apenas 15% acima do valor de setembro de 2008.
Já nos países de renda média, a retomada é mais forte. No Brasil, a ação do Ministério da Fazenda e dos bancos públicos foi bem-sucedida, a confiança foi retomada, e os investidores em ações já recuperaram boa parte de suas perdas. Não haveria, entretanto, espaço para nova crise financeira? No curto prazo, não creio. Bolhas especulativas são raras nos países de renda média e não chegam a ser suficientemente fortes para dar origem a crises bancárias, entre outras razões porque os bancos locais não se mostram dispostos a financiar a especulação necessária para que uma bolha de ativos resulte em crise desses mesmos bancos.
No Brasil, o que há a temer são as crises cambiais ou de balanço de pagamentos que decorrem de tentar crescer com poupança externa: foi assim em 1982 e em 1998. Como o financiamento dos deficit em conta corrente é feito em moeda estrangeira, o país fica sempre sujeito à perda da confiança dos credores externos e a uma `parada súbita` seguida de violenta depreciação da moeda local. Estamos caminhando nessa direção, já que a tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio voltou a se manifestar e o país já voltou à situação de deficit em conta corrente, mas não há por que temer uma crise nos próximos dois anos porque as reservas brasileiras continuam muito elevadas. Pelo contrário, o que devemos esperar é que a economia brasileira volte a se aquecer e que, em 2010, tenhamos uma taxa de crescimento relativamente elevada, compensando a baixa expansão de 2009.
Não se imagine, porém, que estaremos voltando ao desenvolvimento sustentado. Nossas taxas médias de crescimento continuarão modestas -aproximadamente a metade do que poderiam ser se decidíssemos seguir o exemplo dos países asiáticos e combinássemos responsabilidade fiscal com uma política cambial que garantisse uma taxa de câmbio competitiva.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney).
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