sábado, 17 de outubro de 2009

ECONOMIA - A tríplice coroação de uma nova economia.

"A concessão do Nobel de Economia sempre gera acaloradas discussões entre os pesquisadores da área. O prêmio deste ano passará à história, pois um dos laureados, a professora Elinor Ostrom, é a primeira mulher a receber o galardão. Além disso, Ostrom é cientista política e não economista, o que provocou ruído adicional. Se essa metade do Nobel causou relativa surpresa, a outra metade foi a confirmação de uma certeza que demorava a acontecer. O professor Oliver Eaton Williamson, da Universidade da California-Berkeley, era há anos considerado um forte candidato ao prêmio", escrevem, Ramón García Fernández, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP) e Huáscar Pessali, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em artigo publicado pelo jornal Valor, 16-10-2009.

Segundo eles, "o próprio Williamson, em seus escritos, sempre enfatizou a interdisciplinaridade de sua abordagem, colocando-a no cruzamento da economia com o direito e a administração".

Eis o artigo.

A concessão do Nobel de Economia sempre gera acaloradas discussões entre os pesquisadores da área. O prêmio deste ano passará à história, pois um dos laureados, a professora Elinor Ostrom, é a primeira mulher a receber o galardão. Além disso, Ostrom é cientista política e não economista, o que provocou ruído adicional. Se essa metade do Nobel causou relativa surpresa, a outra metade foi a confirmação de uma certeza que demorava a acontecer. O professor Oliver Eaton Williamson, da Universidade da California-Berkeley, era há anos considerado um forte candidato ao prêmio.

Certamente, não deve constituir surpresa que o autor vivo mais citado na área das ciências sociais seja lembrado com esta distinção. De fato, a pergunta é por que não o foi antes. Autor prolífico, Williamson escreveu cinco livros, editou outros sete e publicou muitos artigos em periódicos prestigiosos. Seus trabalhos foram traduzidos para o espanhol, russo, chinês, alemão, japonês e italiano, entre outras línguas, mas ainda não para o português. Além do Nobel, ganhou outros prêmios, foi professor visitante em uma dúzia de países e participa do comitê editorial de vários periódicos reconhecidos.

A influência de Williamson se estende a áreas como o direito, a teoria das organizações, a ciência política e a sociologia, que normalmente olham para a economia com um misto de desconfiança e admiração, dela mantendo prudente distância. O próprio Williamson, em seus escritos, sempre enfatizou a interdisciplinaridade de sua abordagem, colocando-a no cruzamento da economia com o direito e a administração. Por sinal, Williamson é membro do departamento de "business" de sua universidade, não do de "economics".

Essa característica interdisciplinar reflete bem a formação de Williamson. Nascido em 1932, ele graduou-se em administração no Massachusetts Institute of Technology em 1955, concluiu um MBA em Stanford, e resolveu fazer seu doutorado na Universidade de Carnegie-Mellon, na Escola de Pós-Graduação em Administração Industrial. Esse nome pode induzir a erros, pois a formação era essencialmente em economia: vários economistas de primeira linha, entre eles alguns futuros ganhadores do Prêmio Nobel, trabalhavam ali. A figura mais marcante da escola era Herbert Simon, nobelista de 1978. Simon liderava um grupo de economistas insatisfeitos com a visão tradicional da firma como uma "função de produção". Esta perspectiva reduz a firma a uma caixa preta, em que entram insumos e da qual saem produtos, sem que seja considerado relevante saber o que ocorre em seu interior, como relações de comando, conflitos, incentivos, divisão e coordenação de tarefas. Tudo isto era ignorado ou, na melhor das hipóteses, deixado para as teorias da administração e da organização. Em reação a isso, Simon e outros colegas em Carnegie-Mellon passaram a estudar os problemas de decisão enfrentados pelos empresários, as relações entre as pessoas e os conflitos e os mecanismos de coordenação entre diferentes grupos no interior da firma.

Williamson escreveu sua tese de doutorado dentro dessa tradição, e aos 31 anos ganhou o prêmio de melhor tese em economia dado pela Fundação Ford. Ela foi publicada como livro e se tornou referência no desenvolvimento da visão gerencialista da firma. Seu título, "A Economia da Conduta Discricionária", mostra bem sua divergência com uma visão que tratava a firma como uma máquina perfeitamente azeitada, na qual as atitudes das pessoas não faziam a menor diferença.

A outra grande influência intelectual de Williamson foi Ronald Coase, também um nobelista (em 1991). Coase fez nos anos 1930 uma pergunta bastante ingênua - Por que as firmas existem? - mas impossível de se responder dentro da teoria tradicional, que sempre considera o mercado a maneira mais eficiente de organizar as atividades econômicas. Se assim realmente fosse, por que um empresário compraria máquinas, contrataria operários, contadores ou secretárias, em lugar de procurar todos esses serviços no mercado cada vez que precisa deles? Coase propôs que usar o mercado tem custos que tornam vantajoso (eficiente) organizar algumas atividades em firmas nas quais a coordenação não ocorre através do mecanismo de preços, mas da autoridade (alguém dá ordens, outros aceitam obedecê-las).

A obra de Coase inspirou o primeiro livro de grande impacto de Williamson, "Mercados e hierarquias", publicado em 1975. Anos mais tarde, Williamson ampliou e sofisticou essas ideias no livro "As Instituições Econômicas do Capitalismo", de 1985. Nesses dois livros, ele desenvolveu a proposta de Coase, utilizando o conceito de custos de transação. Estes incluem os custos de tempo e dinheiro necessários para efetuar uma transação econômica, tais como procurar informação, escrever contratos e monitorar seu cumprimento, dirimir conflitos quando não há acordos e adaptar o acordo diante de imprevistos.

Dali surge uma questão mencionada na outorga do Nobel: como fazem as firmas para determinar quais atividades fazem e quais não fazem, ou seja, como se chega à decisão de fazer ou comprar feito. Por exemplo, se uma firma resolve dar refeições a seus funcionários, como decide se monta e gerencia um refeitório ela mesma contratando funcionários, terceiriza o serviço ou dá vales-refeição? Para Williamson, a firma tentará reduzir os custos de transação, escolhendo a forma de organizar a atividade que for mais econômica. Essas formas alternativas de organizar uma atividade são chamadas em sua linguagem de "estruturas de governança", e este será o critério para determinar os limites da firma, ou seja, decidir o que ela faz e o que deixa de fazer. Estas idéias são a motivação central do Nobel dado a Williamson, pois a comissão menciona suas contribuições "à análise da governança econômica, especialmente das fronteiras da firma". Reconhece-se, assim, que as relações contratuais são essenciais para compreender a organização e a dimensão das firmas, algo que antes das contribuições de Williamson era praticamente ignorado.

Sua visão teve também consequências práticas muito importantes. A teoria econômica tradicional diz que a organização eficiente das atividades ocorre nos mercados perfeitamente concorrenciais, caracterizados pela presença de um grande número de firmas pequenas. Assim, a integração vertical não faria sentido, pois firmas especializadas aproveitam melhor a divisão do trabalho. Para os apologistas da economia de mercado, isto cria uma saia justa: como compatibilizar sua visão com os muitos mercados reais caracterizados por poucas e grandes firmas verticalmente integradas? Não seria isto uma evidência de abuso sistemático de poder econômico? Williamson sugeriu que, ao contrário, são principalmente critérios de eficiência na avaliação dos custos de transação que levam uma firma a decidir se deve ser pequena ou grande, integrada ou não. Em sua visão, a grande firma não é necessariamente um problema, mas uma solução eficiente face aos custos de transação que teriam estruturas de governança alternativas - como, por exemplo, as muitas transações comerciais que seriam necessárias entre muitas pequenas firmas, encarecendo o produto final.

Um novo livro, "Os Mecanismos de Governança", de 1996, inclui uma nova e importante contribuição de Williamson. Nesta obra, o autor reforma a visão "firmas x mercados", e reconhece e desenvolve a existência de formas alternativas ("híbridas", nos seus termos) que não se encaixam na dicotomia habitual. Isto mostra um pensador atento ao mundo à sua volta: os anos 1980 viram o surgimento dos consórcios de produção, a onda de terceirizações, a explosão das franquias e outros tipos de contratos inovadores que não se encaixavam facilmente em seu esquema anterior.

Outra faceta da atividade intelectual de Williamson, não destacada pela comissão, é sua capacidade de organização intelectual. Em "Mercados e Hierarquias", ele disse que seu trabalho formava parte de uma nova corrente de pensamento, batizando-a como "nova economia institucional". Autores próximos a esta visão começaram a realizar conferências a partir de 1983, o que permitiu estabelecer uma rede de vínculos e, em termos práticos, uma nova escola. Em 1996, foi criada a Sociedade Internacional para a Nova Economia Institucional, cujos dois primeiros presidentes foram ganhadores do Nobel: Coase e Douglass North. Agora, essa lista inclui também seu terceiro presidente. Difícil imaginar outra associação acadêmica com tantos milionários laureados.
Fonte:IHU

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