Por Mauro Santayana
A Revolução de 3 de outubro de 1930, que amanhã fará 79 anos, é um dos movimentos políticos brasileiros menos conhecidos e, mesmo assim, dos mais criticados. Os conservadores, que detestavam Getulio Vargas, e pisam ainda a sua memória, relacionam-na com o Estado Novo, mas é necessário entender as circunstâncias daquele tempo. Getulio foi ditador, e aceitava o título. Ele não pediu a ninguém que empregasse eufemismos durante o seu primeiro período de governo, que vai de 10 de novembro de 1930, quando recebe oficialmente o governo da Junta Militar, à promulgação da Constituição de 16 de julho de 1934. Transformada a Constituinte em Câmara dos Deputados, ele foi eleito de forma indireta, como previa a Carta, para cumprir o mandato até as eleições marcadas para 1938. Entre 10 de novembro de 1937 e 29 de outubro de 45, com o Estado Novo, preferiu ser chamado Chefe da Nação.
A Revolução de 30 amadurecera durante a década anterior, em que, pela primeira vez no Brasil, a questão social passou a ser vista como um problema nacional. Os trabalhadores do Rio e de São Paulo, com a participação dos imigrantes anarco-sindicalistas, intensificaram as suas reivindicações, iniciadas nos últimos anos do século 19 – que foram os primeiros da República. O inconformismo dos tenentes e de ponderáveis forças políticas civis, já nos meses finais de 1929, acabou confluindo na ideia de nova agremiação política, a partir de entendimentos regionais, com a Aliança Liberal. É de se lembrar que os jovens tenentes se sublevaram em 22, em Copacabana e, em 24, na rebelião de São Paulo. Seus remanescentes constituíram a Coluna Prestes e – com algumas exceções - se somaram a Vargas no movimento armado de outubro.
É corrente a versão de que a Revolução de 30 surgira do rompimento de um compromisso político entre São Paulo e Minas. O mineiro Arthur Bernardes, como presidente no quatriênio 1922–26, apoiara a candidatura de Washington Luís, então governador de São Paulo, à sua sucessão; em troca, caberia a Washington promover a candidatura de Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, governador de Minas, à Presidência, nas eleições de 1930. Conservador convicto, ele decidiu lançar, como seu sucessor, Júlio Prestes, então governador de São Paulo. As oligarquias paulistas não queriam alternar o poder com os mineiros. Podemos dizer que esse fator político pode ter sido o estopim do movimento – mas as razões maiores estavam no envelhecimento da República oligárquica e na emersão das classes médias urbanas. O grande lema de Washington Luís, representante das oligarquias rurais, o identificava: “A questão social é um caso de polícia”. E foi com a repressão policial contra os trabalhadores que garantiu os privilégios das oligarquias. Desde o acordo de Taubaté, os estados formavam estoques de café a fim de manter os preços. Em razão disso, os fazendeiros aumentavam a produção, enquanto os governos se endividavam, com dinheiro de fora e os investimentos estatais minguavam, ao mesmo tempo que a situação social se agravava. Com dinheiro fácil, os aristocratas paulistas – como lembrou Yan de Almeida Prado – viajavam sempre para Paris, a fim de escapar da algaravia dos imigrantes. Os bancos estrangeiros propuseram ao presidente Arthur Bernardes que pagasse a dívida externa com a privatização e desnacionalização do Banco do Brasil e da Estrada de Ferro Central do Brasil. O mineiro, que era nacionalista, respondeu asperamente que não.
A plataforma de Vargas, como candidato da oposição, lida em janeiro de 30, na Esplanada do Castelo, no Rio, ousava atacar os poderosos e destacava a necessidade de enfrentar-se a questão social e de tornar menos cruel a vida dos trabalhadores urbanos e rurais. Até então – disse à multidão que o ouvia – o Estado favorecera os ricos, e era chegada a hora de cuidar dos pobres. Mais ainda: colocava o desenvolvimento econômico como o único caminho para a soberania nacional e falava em aço, em petróleo, em mineração, em energia elétrica, em indústria química.
A Revolução de 30, mesmo com o autoritarismo, que era a ideologia da década (tanto à esquerda, quanto à direita), trouxe o Brasil para o século 20, e abriu caminho ao desenvolvimento posterior. Há, entre o país daqueles anos e o de hoje, notável coincidência. O Brasil, já em 1934, foi o primeiro país da América – bem antes dos EUA – a sair da crise de 29, da mesma maneira que foi o primeiro a superar a crise do ano passado.
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