domingo, 4 de outubro de 2009

HONDURAS - Polarização política invade as ruas, as casas e os locais de trabalho.

Cena presenciada na manhã de quartafeira na capital hondurenha: um táxi freia bruscamente. Do carro sai uma mulher corpulenta, bolsa imitação de marca europeia a tiracolo, e grita:

— Chavista! Chavista!

O taxista sai acelerando, mas antes responde no mesmo tom:

— Golpista! Golpista!

A cena não durou mais do que alguns segundos, mas exemplifica a polarização causada pela crise política que se arrasta por mais de três meses.

A reportagem é de Ricardo Galhardo e publicada pelo jornal O Globo, 04-10-2009.

Em Tegucigalpa, quase todo mundo tem uma posição pró ou contra a volta do presidente deposto Manuel Zelaya ao poder. Para os defensores do governo de Roberto Micheletti, os defensores de Zelaya são chavistas, alusão ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O raciocínio inverso vale para os apoiadores de Micheletti, chamados de golpistas, por motivos óbvios.

Aumento do salário mínimo dividiu hondurenhos

São frequentes os relatos de desavenças entre vizinhos, colegas de trabalho e até pessoas da mesma família por razões políticas. Os motivos para assumir uma posição ou outra são distintos.

Nem todos os que defendem a volta de Zelaya ao poder são simpatizantes do presidente deposto. Muitos querem apenas a volta da normalidade constitucional quebrada pela deposição de Zelaya na madrugada de 28 de junho, quando o presidente foi tirado de sua casa ainda de pijamas e embarcado em um avião militar.

Outros são militantes do Partido Liberal (o mesmo de Micheletti) ou movimentos sociais de esquerda. Mas a grande maioria é de gente beneficiada pelas políticas sociais de Zelaya, a principal delas o aumento de 65% no salário mínimo.

— Era só abrir a geladeira de casa para perceber a diferença que este aumento fez na vida da gente — disse a costureira Isabel Bolanos.

O mesmo vale para os favoráveis à manutenção de Micheletti. Nem todos são burgueses da elite hondurenha, como pregam os zelayistas.

Muitos são pessoas que se sentiram prejudicadas pelas políticas de Zelaya, inclusive o aumento do salário mínimo.

— Na empresa onde eu trabalhava, o patrão demitiu 15 dos 80 funcionários para reduzir a folha de pagamento — disse o padeiro Élan Jaramillo.

Em alguns casos, até os argumentos, como a defesa da democracia, são os mesmos para amar ou detestar os dois presidentes hondurenhos. Para alguns, Micheletti é um bom político, mas merece deixar o poder por ter participado de um golpe de Estado. Para outros, os laços de Zelaya com Chávez e sua proposta de fazer uma nova Constituição representavam uma ameaça ainda maior à democracia, embora reconheçam que ele tenha feito um bom governo.

Crise pode levar a um novo cenário político e partidário A única unanimidade é que a crise já dura tempo suficiente para criar fissuras na sociedade, que levarão ainda mais tempo para ser apagadas.

— Uma ferida nunca se cura de um dia para o outro. Geralmente, elas tomam muito tempo e deixam recordações. Quando se passa a mão sobre uma cicatriz se recorda que ali houve dor, sangue e sofrimento — disse o bispo-auxiliar de Tegucigalpa, Juan José Pineda, um dos interlocutores na tentativa de acordo político em Honduras.

Para a socióloga Julieta Castellanos, reitora da Universidade Autônoma de Honduras e uma das poucas analistas políticas isentas do país, mesmo que Zelaya volte ao poder e legitime as eleições do dia 29 de novembro, o próximo governo terá muito trabalho para recompor o tecido social esgarçado pela crise.

Segundo ela, a resistência ao golpe aglutinou diversos setores sociais antes vinculados aos principais partidos políticos, Liberal e Nacional, que há décadas dominam Honduras.

Isso pode levar a um rearranjo das forças políticas e a um novo cenário partidário.

— Dependendo da forma como a resistência manejar isso, podemos evoluir de um sistema de partidos ideológicos para outro, de partidos de classe. Isso seria uma novidade enorme na política hondurenha — disse ela.
Fonte:IHU

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