Copiado do blog do Azenha
Vi o Mundo, por Luiz Carlos Azenha
Quando eu, Azenha, escrevo que os neocons são tremendos caras-de-pau, é por tê-los acompanhado de perto durante quase 20 anos. Não aqui, onde os sub dos sub pululam nas redações. Lá, em Nova York e Washington, onde eles vivem pendurados em "centros de estudo" e "institutos" financiados pelos grandes empresários. No Brasil, o Instituto Millenium é um exemplo.
Aqui, uma das críticas centrais dos neocons ao governo Lula focalizou o Bolsa Família. Não importa que o Bolsa Família tenha sido copiado em toda parte do mundo, que tenha sido reconhecido por organizações internacionais, que tenha sido fundamental, ao lado dos aumentos no salário mínimo, para bombar o mercado interno, que sustentou o Brasil durante a crise econômica.
Os neocons apostam na falta de memória, no medo do enfrentamento político e no apelo à emoção para fazer o convencimento, tudo em termos apocalípticos. Nos Estados Unidos: se Obama não aumentar o número de soldados no Afeganistão, será a queda do último dominó. No Brasil: se as cotas para negros forem implantados, haverá guerra civil. Como argumentei anteriormente, esse apelo apocalíptico cumpre uma função dupla: é um apelo emocional que turva o raciocínio e se encaixa perfeitamente no "sloganismo" que permite convocar as tropas para "missões" com os 140 caracteres do twitter.
O Frank Rich, do New York Times, é um especialista na análise do discurso neocon. É com esse espírito que ofereço a vocês a tradução do texto mais recente dele que trata do assunto. É sobre a campanha neocon para fazer com que Barack Obama aumente o número de tropas de combate no Afeganistão. Ah, vocês acharam que era sobre Honduras? Não, gente. Honduras é coisa de sub-neocon. Neocon legítimo está fazendo campanha para esmagar alguém no Afeganistão, se possível com uma arma nuclear tática:
Dois erros causam outro fiasco
por FRANK RICH
Original, em inglês, aqui
Aqueles de nós que amamos F. Scott Fitzgerald devemos reconhecer que ele cometeu um grande erro. Existem segundos atos em vidas americanas. (Perguntem a Marion Barry ou William Shatner). A pergunta real é se todos merecem uma segunda chance. Talvez o aspecto mais surreal de nosso grande debate sobre o Afeganistão é a credibilidade dada em Washington aos desvarios dos tolos não-arrependidos que cavaram o buraco em que nos encontramos.
Sejamos claros: aqueles que exigiram que os Estados Unidos desviassem tropas e recursos do Afeganistão para o Iraque em 2002 e 2003 -- quando não havia presença da al Qaeda no Iraque -- tem responsabilidade pelos caos que aconteceu no Afeganistão. Agora eles tem coragem de tardiamente e imperialmente exigir que os Estados Unidos aumentem a sua presença de 68 mil soldados no Afeganistão para limpar a sujeira que fizeram -- ainda que o número de insurgentes da al Qaeda lá tenha caído para menos de 100, de acordo com o assessor de segurança nacional, general James Jones.
Mas por que deixar que os fatos atrapalhem? Da mesma forma que esses falcões insistiram que o Iraque "era o front central da guerra contra o terror" quando o front era o Afeganistão, agora insistem que o front é no Afeganistão, quando migrou para o Paquistão. Quando chegar o dia deles aceitarem o Paquistão como front principal, será prova de que a al Qaeda consolidou seu poder na Somália ou no Iemen.
Para apreciar a história límpida de fracassos dessa turma, considerem o mais barulhento deles, John McCain. Ele cometeu todos os erros que poderia ter cometido desde 11 de setembro. Não apenas ecoou as sugestões do governo Bush de que o Iraque colaborou com o ataque da al Qaeda contra os Estados Unidos. Propagou as provas falsas sobre armas de destruição em massa no Iraque ao extremo histérico de acusar o Iraque pelos ataques com anthrax em Washington. Prometeu que nós venceríamos a guerra no Iraque "facilmente". E previu que os sunitas e xiitas "provavelmente vão se dar bem" no Iraque pós-Saddam porque "não havia uma história de confrontos" entre eles.
O mais vergonhoso é que McCain estava errado também sobre o Afeganistão e o Paquistão. Ele rotineiramente minimizou ou descartou as crescentes ameaças nos dois países durante os últimos seis anos, temendo o risco de que tomassem recursos de sua cruzada no Iraque.
Dois anos depois do 11 de setembro ele dizia que "a longo prazo" de alguma forma iríamos "empurrar com a barriga" no Afeganistão. (Ele agora tem a cara-de-pau de acusar o presidente Obama de querer "empurrar com a barriga" lá). Mesmo depois que a insurgência acelerou no Afeganistão em 2005, McCain ainda contava vantagem sobre "o sucesso marcante" da guerra prematuramente abandonada. Em 2007, 15 meses depois que o presidente do Paquistão Pervez Musharraf assinou um "cessar-fogo" falso cedendo território na fronteira do Afeganistão aos terroristas, McCain deu sinal de positivo para Musharraf. Como candidato presidencial no verão de 2008, McCain se importava tão pouco com o Afeganistão que o país não mereceu nem mesmo uma menção nos planos de segurança nacional publicados em seu site de campanha.
McCain não assume responsabilidade por nada disso. Perguntado por Katie Couric esta semana sobre nossos fracassos no Afeganistão, McCain falou como se fosse um pedestre inocente. "Acho que a razão de não termos feito um trabalho melhor no Afeganistão é que nossa atenção -- por razões certas ou erradas -- estava no Iraque". Como o Tonto diz para o Lone Ranger, "quem somos nós, homem branco?".
Com seus tribunos no Congresso e a blogocracia, McCain Linha-Torta ainda presume que dá as ordens aos Estados Unidos. Com seus colegas dos "Três Amigos", Joe Lieberman e Lindsey Graham [colegas de McCain no Senado americano], ele levou à página editorial do Wall Street Journal a conclusão de que "não temos escolha" mas jogar tudo no Afeganistão -- por razões certas ou erradas, presumivelmente -- da mesma forma que fizemos no Iraque. Por que? "Os Estados Unidos abandonaram o Afeganistão uma vez, depois do colapso da União Soviética", eles escreveram. "O resultado foi o 11 de setembro. Não devemos repetir o erro".
Esse argumento desavergonhado presume -- talvez corretamente -- que ninguém nesse país tem memória. Então deixa eu providenciar um lembrete: já fizemos aquele erro de novo quando nos afastamos do Afeganistão para invadir o Iraque em 2003 -- e fizemos isso com o apoio dos Três Amigos. Lá atrás, também, eles promoveram sua estratégia como forma de prevenir outro 11 de setembro -- ainda que nenhum culpado pelo 11 de setembro estivesse no Iraque. Agora eles estão nos pedindo para pagar pelo erro que eles cometeram desperdiçando recursos americanos em outro país no qual a al Qaeda quase já não está presente.
Para defender seus pontos-de-vista, os Amigos e seus colegas de viagem misturam o talibã com a al Qaeda da mesma forma que, antes, "confundiam" o regime de Saddam com a al Qaeda. Mas como Rajiv Chandrasekaran do Washington Post relatou na quinta-feira, as autoridades de inteligência dos Estados Unidos agora dizem que "existem poucas ligações, se existem, entre os comandantes do talibã no Afeganistão hoje e os líderes da al Qaeda" -- muito distante da aliança entre os guerrilheiros do talibã e bin Laden em 2001.
Os truques de mão retóricos nos argumentos dos falcões não acabam aí. Se você ouvir cuidadosamente o McCain e a câmara de eco neocon você vai notar certos tics. O presidente Obama deve tomar sua decisão amanhã, ou o armageddon (quem sabe com nuvens de cogumelo) vai chegar. Precisamos "vencer" no Afeganistão -- mas "vitória" eles definem vagamente. Isso porque nunca construiremos um estado que funcione naquele país, onde nunca houve um. Nem conseguiremos uma vitória decisiva contra os terroristas dispersos e sem estado nos enfiando num cenário infernal onde há poucos deles.
Mais revelador, talvez, é que aqueles que pedem uma escalada militar no Afeganistão se negam a pronunciar o nome do presidente do país, Hamid Karzai, ou as eleições fraudulentas de agosto que acabaram por tirar a legitimidade de seu governo. Fazer isso requereria explicar aos Estados Unidos porque deveríamos colocar nossas tropas em aliança com um parceiro corrupto enterrado até o joelho no tráfico de drogas. Se Karzai e as eleições forem varridas da História, eles podem arguir que nada mudou desde a posse de Obama e que, portanto, Obama não tem o direito de reavaliar sua declaração anterior de que a guerra no Afeganistão era "uma guerra necessária".
Aqueles que querem mais tropas de combate no Afeganistão também evitam definir os custos reais. O Congressional Research Service estima que a guerra estava custando 2,6 bilhões de dólares por mês mesmo antes de Obama acrescentar 20 mil soldados lá este ano. Com certeza conservadores fiscais como McCain e Graham, que se referem a deficits como "roubo entre gerações", tem a obrigação de explicar qual será a nova conta do Afeganistão e de onde virá o dinheiro adicional. Mas isso requereria que eles usassem palavras temidas como "sacrifício" e "impostos mais altos" quando eles querem nos fazer crer que essa guerra, como a do Iraque, vai sair de graça.
Os números reais de tropas também parecem enganadores. Atacando preventivamente a possibilidade de "meias medidas" de Obama, Lieberman perguntou a Andrea Mitchell, da rede MSNBC, na semana passada, se seria "contrainsurgência real" ou "contrainsurgência light". Mas a medida que Lieberman apoia -- a recomendação do general Stanley McChrystal [comandante americano no Afeganistão] é de 40 mil tropas adicionais -- é, em si, contrainsurgência light.
No seu manual de campo sobre o assunto, o general David Petraeus estipula que uma contrainsurgência real requer de 20 a 25 soldados para cada mil habitantes. isso significa uma estimativa conservadora de 640 mil soldados para o Afeganistão (população, 32 milhões). Cerca de 535 mil soldados americanos não foram bem sucedidos combatendo uma contrainsurgência no Vietnã do Sul, que tinha metade da população e pouco mais de 25% da área do Afeganistão.
O Afeganistão não é o Iraque. É mais pobre, maior e mais populoso, mais fragmentado e menos historicamente suscetível a intervenção estrangeira. Mesmo que os países fossem os mesmos, as guerras não são. Nenhum aumento de tropas serve para todos os lugares. O presidente Bush mandou tropas adicionais ao Iraque só depois que líderes sunitas na província de Anbar se afastaram da al Qaeda e pediram apoio americano. Não há equivalente do Anbar Awakening no Afeganistão. A maioria dos afegãos "não se sente ameaçada pelo talibã em seu dia-a-dia" e "não está pedindo a proteção americana", de acordo com o dito por Richard Engel no noticiário da NBC da semana passada. Depois de uma guerra de oito anos, muitos vêem os americanos como força de ocupação.
Os americanos, enquanto isso, querem ler as letras miúdas depois de oito anos de fiasco e pouca cobrança de responsabilidade. Enquanto McCain e companhia permanecem congelados onde estavam em 2001, muitos dos seus concidadãos aprenderam com a tragédia do Iraque. As pesquisas persistentemente mostram que o país está cético sobre o que poderia fazer e o que pode obter no Afeganistão. Eles votaram em Obama porque queriam uma nova visão de segurança nacional, pós-11 de setembro, e não serão tão facilmente forçados pelas bravatas dos falcões com seus cenários apocalípticos. Isso dá ao nosso presidente o tempo e o espaço necessários para acertar no segundo ato dessa longa guerra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário