sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ANOS DE CHUMBO - Ex-recrutas chilenos ameaçam revelar crimes da ditadura.

Em campanha para obter indenização do Estado, recrutas do serviço militar obrigatório durante a ditadura no Chile (1973-1990) ameaçam revelar crimes do regime comandado pelo general Augusto Pinochet (1915-2006).

A reportagem é de Thiago Guimarães e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 12-11-2009.

Os ex-soldados alegam ter sofrido danos psicológicos e físicos nos quartéis e querem ser reconhecidos como vítimas da ditadura. Reivindicam pensões, cobertura médica e compensação econômica, mas dizem que a promessa de quebrar o silêncio de décadas é uma questão de "redenção pessoal".

"Estamos dispostos a dizer o que vimos e vivemos, porque não devemos lealdade a ninguém. As pessoas a quem devíamos lealdade não são leais conosco. Hoje fingir que não tenhamos tido responsabilidade ou participação em violações a direitos humanos seria como tapar o sol com a peneira", disse Fernando Mellado, 55.

Recruta de 1973 a 1975, Mellado é presidente da divisão Santiago da Agrupação de Ex-Soldados Conscritos, que reúne 8.500 ex-soldados na capital chilena e 70 mil no país. Diz que os chilenos devem entender como era receber um fuzil aos 18 anos e participar de um regime que, segundo dados oficiais, deixou 2.008 mortos e 1.183 desaparecidos.

Mellado lidera o lobby que há cinco anos tenta obter, pela via política, reparação semelhante a dos exonerados políticos ou parentes de vítimas do regime. A ameaça de revelar os crimes da ditadura, contudo, é recente, resultado da falta de respostas oficiais.

"Queremos falar, mas por redenção e expiação pessoal. Depois de 36 anos, ainda acordo sobressaltado à noite. Poderia ter evitado uma surra a um civil se tivesse feito algo?", diz.

Em agosto, o governo Michelle Bachelet, que trata o tema dos crimes da ditadura com cautela, deixando demandas nas mãos da Justiça, fez uma proposta aos ex-recrutas. Ofereceu aumentar pensões inferiores a R$ 235 e cobertura médica para quem teve invalidez certificada pelo Exército.

Por não serem militares de carreira, porém, os ex-recrutas não têm direito aos benefícios. "É uma proposta vazia", criticou Mellado.

Protesto

No ultimo dia 31, centenas de ex-soldados se reuniram em frente à sede do governo para protestar. Entre eles José Paredes, acusado da morte do cantor e compositor Victor Jara, um dos mais populares artistas chilenos à época, morto quatro dias após o golpe, apoiado por Brasil e EUA, que derrubou o socialista Salvador Allende.

Para Mellado, o caso de Paredes denota contradição do Estado no trato aos ex-recrutas: reparações estão prescritas, mas crimes não. "Dizem que está tudo prescrito, mas prendem um ex-soldado por assassinato." Hoje Paredes responde ao crime em liberdade.

O líder dos ex-recrutas diz que nenhum órgão oficial manifestou interesse em ouvir seus relatos. Afirma que só procurarão a Justiça se tiverem garantia de imunidade.

Para o analista político Raúl Sohr, as demandas dos ex-recrutas não têm tido muita repercussão no país. "A maioria das pessoas percebeu o caso mais como uma demanda individual do que como uma contribuição à Justiça", disse.

Sohr também minimiza a importância das eventuais confissões. "As provas que podem entregar têm valor relativo, pois a memória é débil. Se interrogados duramente por um juiz, podem cometer imprecisões."
Procurado, o Ministério da Defesa do Chile não respondeu.
Fonte:IHU

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