domingo, 15 de novembro de 2009

ONU TEME LIMPEZA SOCIAL POR CAUSA DAS OLIMPÍADAS NO RIO.

A afirmação é da comissária de Direitos Humanos, em visita ao Brasil. Ela advertiu sobre o risco de "limpar as ruas" para a Copa do Mundo de 2014 e para as competições olímpicas de 2016. E falou sobre o perigo do uso "excessivo" da força.

A reportagem é de Eleonora Gosman, publicada no jornal Clarín, 14-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Sul-africana de nascimento, mesmo que de origem tamil (grupo étnico hindu), a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos não teve medo de percorrer as favelas mais violentas do Rio de Janeiro. Durante cinco dias, Navanethem Pillay (foto) andou por terrenos ásperos em Salvador, a capital baiana, e nos morros cariocas. Com uma perceção afinada, advertiu o governo brasileiro e o fluminense sobre o risco de "limpar as ruas, apressar-se para tratar a segurança pública sem preocupação com os direitos humanos" para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Pillay cresceu e se desenvolveu no pior período do seu país, durante os 40 anos de apartheid. Mas sua condição de não branca e filha de um motorista de ônibus não foi um obstáculo para se formar como advogada da Faculdade de Direito de KwaZulu-Natal, de onde partiu para doutorar-se em Harvard. A partir desse lugar, sabe bem quais são as características de um "apartheid brasileiro invisível". Sem temer as repercussões de suas palavras, disse o que muitos no Brasil se empenhar em ocultar por trás de um pretensa "assimilação racial".

Segundo Pillay, existem hoje "milhões de afro-brasileiros e indígenas que estão afundados na pobreza, sem acesso aos serviços básicos e às oportunidades de emprego". E concluiu com uma observação: "Até que isso não mude, a situação discriminatória prejudicará o progresso do Brasil em outras frentes".

Seu diagnóstico é implacável: "Existe um vínculo direto entre a segurança e os direitos humanos". Destacou que não por casualidade a maior quantidade de vítimas de homicídios no Brasil se localiza entre os jovens negros ou mulatos. Não teve dúvidas em assinalar que não é casual esse número alarmante: "o uso excessivo da força por parte de agentes policiais, milícias e grupos de traficantes de drogas figura entre as causas principais de morte", nos setores racial e economicamente discriminados.

Mas Pillay também reconheceu que o presidente Lula da Silva está em alerta. "Tive com ele discussões francas e abertas. Também com os seus ministros, os juízes e funcionários dos governos estaduais. Nenhum deles minimizou os problemas que afetam a nação". Em sua reunião com Lula, viu o presidente em uma atitude de escuta e de assimilação de tudo o que a Comissária da ONU dizia. "Não é com violência que se pode frear a violência", sentenciou. E, para encerrar, acrescentou: "Quando forem investir em segurança, é preciso ter uma preocupação especial com os direitos humanos".

A funcionária descreveu a realidade muitas vezes dramática que afundam a vida dos habitantes das favelas na submissão ao senhorio feudal, seja por causa da liderança de narcotraficantes ou por milícias (grupos paramilitares integrados por ex-membros dos órgãos de segurança).

Nas últimas semanas, houve várias batidas policiais nas favelas do Rio e várias prisões. Foi pouco depois de a cantora Madonna cancelar uma visita a uma das favelas mais perigosas da capital carioca por questões de segurança.

A comissária lembrou, ainda, que o Brasil é o "único país da América do Sul que não tomou medidas para revelar e culpar aqueles que cometeram abusos durante o período do regime militar". Para ela, que se converteu na primeira juíza não branca de seu país, pouco depois que Nelson Mandela assumiu a presidência da África do Sul, "o fato de a tortura exercida durante a ditadura militar ainda não ter sido discutida no Brasil representa um incentivo para que esta seja uma moeda corrente na atualidade e continua sendo no futuro".

Pillay concluiu que os Jogos Olímpicos de 2016 podem ser uma "oportunidade" para que o Brasil transforme um círculo vicioso em um virtuoso. Para isso, sugeriu ao presidente Lula da Silva que crie uma Comissão da Verdade e da Conciliação, no estilo do que Nelson Mandela fez na África do Sul.
Fonte:IHU

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