quinta-feira, 13 de junho de 2013

O MEDO DO POVO.

De tempos em tempos, quando se temem revoluções ou se fazem guerras, ou no meio de uma crise econômica que transforma as nossas existências, volta o antigo medo do sufrágio universal. Do povo que participa na vida política, que demite os governos inadimplentes e escolhe novos, que faz ouvir a própria voz. É o medo que as classes superiores, cultas, já tiveram na Grécia clássica.
A reportagem é de Barbara Spinelli, publicada no jornal La Repubblica, 12-06- 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aristóteles temia a degeneração democrática, se o povo, e não a lei, se tornasse soberano. Ainda mais peremptório era um panfleto anônimo (A Constituição dos Atenienses, atribuído a Xenofonte), publicado no século V a.C.: "Em todas as partes do mundo, os melhores elementos são adversários da democracia (…). No povo, encontramos uma grande ignorância, imoderação e malvadeza. É sobretudo a pobreza que o leva a ações vergonhosas". O “demos” rejeita as pessoas de bem, "quer ser livre e comandar, e se importa muito pouco com o mau governo". Sob o seu domínio, todos os procedimentos se tornam lentos, e é o caos que hoje chamamos ingovernabilidade.
O horror ao populismo ou aos democratas demagogos tem essas raízes, que Marco D'Eramo ilustra com maestria em um artigo publicado no dia 16 de maio na revista MicroMega. Mas é depois da Revolução Francesa, e especialmente quando o direito a voto começa a se estender gradualmente, na segunda parte do século XIX, que aparece uma ofensiva ampla, e agitada, contra o sufrágio universal. Horrorizam-se os próprios democratas. Nos primeiros anos do século XX, o jurista Gaetano Mosca já vê as plebes e as máfias do Sul destruindo instituições e bom governo. É generalizada a ideia de que os melhores, e as melhores políticas, serão abaladas e aniquiladas pelo povo eleitor. Formam-se oligarquias fechadas, com a desculpa de tutelar o povo dos seus demônios.
É um medo que vem em ondas, e nem sempre o objeto que assusta é explicitamente indicado. O medo que hoje volta a se difundir pretende até salvar a democracia, pondo-lhe rédeas e cortando suas asas extremistas (os "extremismos opostos", explica d'Eramo, tornando-se sinônimo de populismo). Mas os elementos da antiga ofensiva contra o sufrágio universal estão todos presentes, escondidos. O povo imoderado e inculto deve ser vigiado, espionado: ou porque pedir demais, ou porque corre o risco de ter muitos grilos na cabeça. As Constituições também são contornadas, feitas para proteger os cidadãos dos abusos dos círculos dominantes. Onde quer que as democracias estejam lutando contra os danos colaterais dessa férrea lei oligárquica.
Isso acontece justamente nestes dias nos Estados Unidos, onde prossegue uma guerra antiterrorista cada vez mais opaca, realizada sem que o povo (e nem mesmo os aliados, na verdade) possa ter uma palavra a dizer. O auge foi alcançado por Obama, que, contudo, havia criticado a turva incomensurabilidade das guerras de Bush. No dia 6 de junho, foi revelado uma imensa operação de vigilância dos cidadãos norte-americanos por parte da Agência de Segurança Nacional: milhões de números de telefone e de e-mails, recolhidos não em zonas bélicas, mas sim em casa, com o sigilo consensual de vários provedores. Indignado, o New York Times comenta: "O presidente perdeu toda credibilidade" (depois, por prudência, retificou: "Ele perdeu toda credibilidade sobre essa questão").
Um horror análogo dos povos é reavivado pela crise econômica, governada por troicas e técnicos separados dos cidadãos: esta também, como a guerra, deve ser confiada a poucos que sabem (poucas pessoas de bem, poucos melhores, diria o Pseudo-Xenofonte). Os sábios aristocratas estão como que em uma jangada. Sob o bote, o povo se agita: força infernal, miasma imprevisível e contaminante. Infiltrado por mestiços, demagogos, pessoas culpadas duas vezes: seja quando desperdiça, seja quando não consome o bastante. Os erradicados ou, melhor, quem pensa no interesse geral, além do local, também são odiados: se você quiser bajular um partido, hoje, diga-lhe que ele não é forasteiro, mas "tem um forte enraizamento territorial". Nos cérebros dos articuladores, vagueia o fantasma, temido como uma peste desde os anos 1970, da explosão social e da ingovernabilidade.
É nesse marco que as palavras se distorcem, a ponto de dizer o contrário do que professam. A reforma significava melhoria das condições dos cidadãos, do seu poder de influenciar a política. Foram grandes reformas o sufrágio universal e, logo depois, a introdução do Welfare: ambos acabaram mal. Agora, o reformista elabora estratégias para manter na coleira os excessos exigentes dos governados. A proliferação na Itália de comitês de sábios (para mudar a Constituição, pelo Presidencialismo) é sintoma de um crescente distanciamento de quem comanda e o povo e, ao mesmo tempo, dos seus representantes. Ofuscamo-nos quando o Parlamento é definido como um túmulo. Felizmente, ele não é. Mas um Parlamento feito de nomeados mais do que de verdadeiros eleitos se assemelha bastante a um sepulcro caiado: e assim permanecerá, até que tenhamos direito a uma lei eleitoral decente.
Tal é o medo do povo-eleitor, do qual, por força, este último se retira e foge. Ele se expressa de vários modos (nos referendos, na web, através da imprensa independente), mas todas as vezes bate a cabeça contra um muro. O Estado desconfia disso, a ponto de espionar milhões de cidadãos, como nos Estados Unidos. E os piores inimigos se tornam os repórteres e as suas fontes, que lançam luz sobre os crimes dos governos. Em 2010, foi o caso do Wikileaks. Hoje é a vez do The Guardian e do Washington Post, que descobriram o plano de vigilância-espionagem (nome de código: Prism) do povo norte-americano.
Só restam eles, entre o Estado-panótico que está de olho em você e os cidadãos mal informados. Em inglês, as gargantas profundas que narram as más ações são chamadas de whistleblowers: sopram o apito, na presença de graves violações da lei e antepõem o dever cívico à lealdade empresarial. Muito mais depreciativamente, políticos e jornais ortodoxos os definem como espiões, senão traidores. "Não os chamem de toupeiras!", pede muito apropriadamente Stefania Maurizi no sítio do jornal La Repubblica de segunda-feira. O soldado Bradley Manning, que desmascarou, por meio do Wikileaks, os crimes dos EUA na guerra do Iraque, está há três anos na prisão. Agora, está processado e corre o risco da prisão perpétua.
O whistleblower que revelou o plano de vigilância desejado por Obama é Edward Snowden, 29 anos, ex-assistente da CIA e da NSA: está refugiado em Hong Kong e de lá informa: "A Agência de Segurança Nacional (NSA) construiu uma infraestrutura que intercepta praticamente tudo. Com a sua capacidade, a grande maioria das comunicações humanas é digerida automaticamente, sem definir alvos claros. Se eu quero ver os seus e-mails ou o telefone da sua esposa, devo apenas usar as interceptações. Posso obter os seus e-mails, senha, registros telefônicos, cartões de crédito. Não quero viver em uma sociedade que faz esse tipo de coisas. Não quero viver em um mundo em que cada coisa que eu faço e digo é gravada. Não é algo que eu pretenda apoiar ou tolerar".
O povo reage aos abusos e à indiferença do poder de vários modos: empenhando-se em associações (lembremos os referendos italianos sobre o financiamento dos partidos e sobre a água, ou o voto contra o Porcellum); ou retirando-se quando percebe que não conta nada. Outras vezes, deixa de acreditar e deserta as urnas, como nas eleições administrativas destes dias. Mas sempre poderá esperar ter, como aliados, os whistleblowers, que removerão o sigilo das ilegalidades, das coisas escondidas ou sujas da política.
Eis o que produz o desânimo causado pelo “demos”. O próprio povo tem medo, entra em secessão. O medo do sufrágio universal nunca acabou, sempre recomeça. Ele nasceu no século XIX, mas, assim como na balada de Coleridge, "desde então, a hora incerta – essa agonia retorna".

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