URGENTE: IMPEDIR O ACORDO SECRETO ENTRE EUROPA E ESTADOS UNIDOS!
Jean-Luc Mélenchon (ex-Ministro francês, ex-Senador, Deputado da UE e fundador do Partido de Esquerda)
Por Jean-Luc Mélenchon, do “Parti de Gauche”, França, sob o título original “Vertige du moment, des faits et des mots”. Excerto traduzido e comentado pelo “pessoal da Vila Vudu” e postado no blog “Redecastorphoto”
(Entreouvido na «Vila Vudu»: Esse é o quadro planetário em que entra o Brasil - 2013-2014 – estridentemente silenciado em TODOS os jornais e televisões privadas brasileiras. A violenta campanha da tucanaria da privataria associada aos veículos da imprensa-empresa contra a reeleição da presidenta Dilma também se inscreve nesse quadro planetário. E, nesse quadro, sim, toda a tucanaria da privataria e seus veículos associados farão QUALQUER COISA pra eleger QUALQUER CANDIDATO SEU, mesmo que seja candidato raspa-de-tacho, keném o panaca do Aécim, sub-do-sub da irmã (porque não conseguiram candidato melhor).
Faço aqui, para vocês, um relato do essencial, depois de Estrasburgo[reunião da Comissão Europeia, nos dias 21-23/5/2013]. Trata-se, sobretudo, do sinal de partida para o grande negócio deste novo século na Europa: a anexação, pelos EUA, de nossas democracias europeias já fracassadas. São as primeiras negociações com vista à constituição de um livre mercado único, transatlântico, desregulado. Anos e anos de sinais de alerta não serviram de nada. O espesso tapete midiático-político abafou os ruídos do bote que dão, contra a Europa, os trusts ianques. Agora, depois de anos de discreta preparação, a coisa começa a andar.
A partir de uma simples declaração de Obama, aprovada por Merkel, depois de uma visita tão solene quanto apenas formal dos androides Van Rompuy e Barroso, a máquina começa a rodar. A Comissão Europeia vai-se autoatribuir o direito de representante para negociar. A negociação começa em julho. Hollande está entre os ausentes premiados. Quanto a Ayrault… Sabe-se lá! E os jornais e televisões, ditos «meios de comunicação»? QUEM?!
Divido essas notas em duas partes: uma apresenta, resumidamente, o conteúdo do Tratado; a outra analisa o contexto das forças políticas em relação ao mesmo tema.
Convido enfaticamente meus leitores a apropriar-se do problema. Para tanto, comecemos por conhecer os fatos. Este [texto] postado visa a ajudar nessa tarefa. Mas há também o livro editado por nós, que vocês encontram aí, na coluna à esquerda [1] neste blog. Seja como for, esse negócio sobrecarregará nossa atividade política nos próximos meses e, sem dúvida, durante anos.
Não é possível combater, sem formar opinião esclarecida sobre a questão.
É preciso, pois, começar imediatamente um trabalho de educação popular de massa, para que muitos entendam do que, de fato, se trata. Espero que nosso partido chegue ao poder a tempo de fazer gorar esse plano. Foi o que aconteceu na América do Sul. A chegada ao poder de amigos nossos conseguiu mandar para o lixo a ALCA, tratado equivalente a esse [EUA-UE], no último momento. Seja como for, é preciso começar a trabalhar ativa e imediatamente.
(…)
UMA VELHA CONSPIRAÇÃO MERCANTIL
O «prato de resistência» dessa sessão foi a votação de uma Resolução sobre o mandato da Comissão Europeia na negociação que se inicia para a construção de um grande mercado único entre os EUA e a União Europeia [UE].
Em 2009, editei uma brochura que circulou muito, sobre tudo isso. Alertei sobre os perigos desse Grande Mercado Transatlântico que se trama já há dez anos pelas costas dos eleitores e dos povos. Um total silêncio nos jornais e televisões, e uma prudente omertà dos partidos que participam desde o início dessa discussão, conseguiram ocultar completamente dez anos de discussões preliminares.
Esse vasto projeto de liberalização das trocas comerciais e dos investimentos está sendo agora acelerado – aceleração espetacular – sem que nenhum eleitor europeu tenha votado coisa alguma. Não por acaso.
Nenhum partido candidato ao governo de nenhum país europeu jamais incluiu essa discussão em suas respectivas plataformas eleitorais – nem, como se sabe, os socialistas franceses à François Hollande.
No início do ano, denunciei que Obama estava relançando o mesmo projeto , movimento imediatamente aprovado por Merkel. Os arcanos da União Europeia debatem, portanto, em segredo, um mandato para eles mesmos, que receberão dos 27 ministros do Comércio à Comissão Europeia, no próximo dia 14 de junho.
As negociações começaram este ano, no verão! A existência desse projeto para autorizar esses negociadores e a negociação está bem demonstrada e comprovada, com data de 13 de março, na página Web do «Conselho da União Europeia», no documento de número 7396/13. Mas é documento secreto! Na página, lê-se «não acessível». Dado que vários tratados dão à Comissão Europeia competência exclusiva para legislar sobre matéria comercial, o Parlamento Europeu não tem poder algum para limitar esse mandato. Mas, de fato, a coisa nem existe oficialmente. Os deputados europeus estão proibidos de LER os documentos. O Parlamento Europeu pode, no máximo, manifestar-se em geral sobre essa negociação, via uma «resolução», exatamente como vota, quase sempre, questões sobre as quais os deputados nada podem decidir. Assim se devem interpretar as resoluções votadas em Strasbourg dia 23 de maio, sobre as quais escrevi em meu blog europeu.
Graças ao jornal “L’Humanité”, esse projeto de mandato secreto – que só foi distribuído em inglês – pôde afinal ser conhecido, esta [última] semana. A matéria está em: “Exclusif. Humanite.fr publie les bases de travail pour l’accord de libre-échange transatlantique”.
Nenhum veículo da imprensa-empresa dominante, até agora, deu qualquer atenção à amplidão da negociação que se anuncia. No máximo, fala-se de um debate aberto há dez anos, sobre o lugar do audiovisual e a exceção cultural que há no acordo. Mas o mandato secreto que está para ser votado secretamente na Comissão Europeia prova e comprova que todo o conjunto da economia e todos os serviços públicos em toda a Europa estão às vésperas de enfrentar nova onda de liberalizações [e a correspondente privataria], caso esse acordo seja assinado.
O que faz François Hollande nessa hora? Nada! No máximo, «informa-se» passivamente sobre o que Barack Obama e Angela Merkel decidam. Na reunião dos dias 7-8 de fevereiro, o Conselho Europeu declarou-se, literalmente, com o aval de Hollande, que não disse palavra, «a favor de um acordo comercial global entre a União Europeia e os EUA».
E desde 13 de fevereiro, sempre sem que Hollande dissesse coisa alguma, é em Washington que o nome do novo acordo foi selado por Barack Obama com Barroso e Van Rompuy. Por baixo da mesa!
O projeto se chamará «Acordo de Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento», do qual só se fala sob uma sigla secreta, em globalês, «TTIP» (Transatlantic Trade and Investment Partnership). Obama e os dois dirigentes não eleitos da União Europeia definiram o objetivo do acordo: «acelerar a liberalização do comércio e do investimento». Nesses termos, a autoridade para negociar em nome de todos os países europeus será entregue à Comissão Europeia, definitivamente, dia 14 de junho próximo, pelo Conselho de Ministros do Comércio. «Legalizado» o negócio, e com o mandato para negociar outorgado à Comissão Europeia, as negociações finais poderão acontecer à margem da reunião do G8, dia 17 de junho, como propôs o britânico David Cameron. E Hollande... mudo. Não disse uma palavra sobre nada disso, ele, que representará a França na reunião do G8.
Tudo isso anda muito depressa. Tudo poderia passar completamente despercebido, como sempre, e os veículos da imprensa-empresa continuariam na tarefa de tudo esconder. Mas os amigos da cultura europeia reagiram.
Já comentei a catástrofe que esse acordo atrairá para o mundo do cinema europeu. O pessoal reagiu com firmeza. Até agora, o cinema europeu é o único setor que já se manifestou. As atividades do cinema europeu são efetivamente protegidas na Europa por mecanismos de incentivo público, mas também por leis de difusão, como as quotas obrigatórias para canções em francês, ou a obrigação de exibir número mínimo de filmes franceses. Do ponto de vista da liberalização do comércio, como pretende o acordo, todas essas leis de proteção ao cinema francês são obstáculos a serem eliminados. Mas, na verdade, todos os setores de atividade serão atingidos.
De início, houve os que usaram a batalha pela «exceção cultural» para mascarar a aceitação do resto do texto; para usá-lo como árvore que oculta a floresta das liberalizações&privatarias. A lei secreta preparada pela Comissão Europeia fixa, como objetivo, a constituição de um «mercado transatlântico integrado». Visa à «liberação do comércio de bens e de serviços e de investimentos, com especial atenção à supressão de barreiras regulamentadoras inúteis». Exige que o acordo seja «muito ambicioso, indo além dos compromissos de liberalização da OMC». Vocês entenderam bem? [2]
Consideremos a coisa mais de perto. Essa operação de neoliberalização geral tem vários aspectos. Começa pela «supressão total dos direitos de alfândega» sobre produtos industriais e agrícolas. Só no item «tarifas», o acordo já é prejudicial aos europeus. Segundo os números da Comissão Europeia, a taxa média de direitos de alfândega é de 5,2% na União Europeia e de 3,5% nos EUA. Significa que, se as taxas caírem a zero, os EUA levam vantagem superior a 40%, na concorrência com a União Europeia. Essas vantagens para produtos fabricados nos EUA será ainda maior por causa da fraqueza do dólar em relação ao euro. Assim, só considerado o item quantitativo, o acordo será verdadeira máquina de exportação de empresas e postos de trabalho. O que agravará o desemprego na Europa. Até a Comissão Europeia reconhece, meio envergonhadamente, no estudo de impacto que encomendou, que o tratado provocará «queda importante» da atividade econômica e do emprego no setor metalúrgico. No setor metalúrgico?!
Há, em seguida, o aspecto não tarifário do acordo. Não só a produção sofrerá, mas haverá impacto também sobre o conteúdo das leis nacionais europeias. O projeto fala de «reduzir o peso dos custos resultantes de diferenças na regulamentação» . Propõe «buscar novos meios para impedir que as barreiras não tarifárias [quer dizer: as leis] limitem a capacidade das empresas europeias e norte-americanas para inovar e competir em melhores condições nos mercados mundiais». Barroso explicou que «80% dos ganhos que se espera obter do Acordo virão da redução do peso das muitas leis e da burocracia». Significa que os androides da Comissão Europeia veem nesse acordo a chance de avançar ainda mais, em relação ao que já temos hoje, na desregulação. O que os incomoda é «o peso» da lei.
Para liberalizar o acesso aos mercados, a União Europeia e os EUA terão de impor suas leis em todos os setores, porque qualquer norma «protecionista» (que não seja de proteção da indústria e do agrobusinessnorte-americanos) é considerada obstáculo ao livre comércio. Ora bolas! Diferente do que dizem a Comissão Europeia e seus papagaios de repetição liberais e sociais-democratas no Parlamento Europeu, os EUA e a Europa não têm «normas de rigor análogo em matéria de emprego e proteção ao meio ambiente». A verdade é que os EUA fogem hoje de todos os enquadramentos do direito internacional em matéria ecológica, social e cultural. Não assinaram várias convenções importantes da OIT sobre direitos do trabalho. Não aplicam o «Protocolo de Quioto» contra o aquecimento global. Recusaram a convenção pela biodiversidade. E recusaram também as convenções da UNESCO sobre diversidade cultural. Todos esses documentos foram subscritos por países europeus. A regra praticamente geral, que se aplica praticamente sempre, é que leis norte-americanas nesses assuntos são mais frouxas que as leis europeias.
Um mercado comum com os EUA à frente, e desregulamentado, puxará cada vez para mais baixo toda a Europa. Se se precisar de exemplo do espírito dos conglomerados norte-americanos, um bom exemplo vem de Bangladesh. Os conglomerados europeus acertaram-se para discutir normas que, segundo eles, impediriam que se repetisse o horror que se viu em Bangladesh. Os conglomerados ianques não querem nem ouvir falar em discutir coisa alguma. Regulações? Nem pensar. Considerem-se, portanto, todos, bem avisados. (...)
E a agricultura! Aí, o horror é total. O acordo exporia os europeus a deixar entrar o pior que é produzido pelo agronegócio norte-americano: carne com hormônios, aves lavadas com cloro, organismos geneticamente modificados, animais alimentados com farelo animal contaminado. E, isso, sem falar que os EUA têm o mais falho sistema de traçabilidade do planeta. Não conhecem, sequer, «indicações geográficas protegidas». Para eles, apelações como Bourgogne ou Champagne são substantivos genéricos, cujo uso deve ser livre. É o que basta para poderem vender vinho «Champagne» produzido na Califórnia. E por aí vai. Vai agradar muito à ministra da Universidade, de Hollande: fala inglês e beberica Bordeaux do Tennessee!
E TEM TAMBEM, E CLARO, A PRIVATARIA!
Mas não acabou. O projeto de acordo traz outras más notícias. Lê-se ali que a negociação tratará também da «política de concorrência, incluindo dispositivos sobre concentrações, fusões e falências». E os que esperavam que os serviços públicos seriam protegidos, lá está, bem claro, que «o acordo abrangerá os monopólios públicos, empresas públicas e empresas de direito específico ou exclusivo». O acordo visa, ainda, à «abertura dos mercados públicos em todos os níveis: administrativo, nacional, regional e local». Estão tontos ?! Pois o delírio continua.
O acordo diz, claramente, que lutará contra o impacto negativo de barreiras como «critérios de localização». É quase inacreditável. Por exemplo: será «ilegal» criar circuitos locais, curtos, de autoabastecimento de coletividades locais.
Como já se adivinha, o aspecto financeiro é o principal, no espírito dos promotores do TTIP. Cobre tudo, em matéria de investimento e finanças. Em matéria de investimentos, o acordo visa a alcançar «o mais alto nível de liberalização existente nos acordos de livre troca». Medidas específicas de «proteção aos investidores» serão negociadas, incluindo «um regime de conciliação dos contenciosos entre os Estados e os investidores».
Por trás dessas fórmulas obscuras, trata-se de dotar os investidores de direitos especiais e de procedimentos preferenciais supranacionais, pondo-os em posição superior às leis e aos direitos dos Estados. É a mesma lógica que se viu no «Acordo Multilateral sobre Investimentos», AMI, que os EUA tentaram impor em 1998 [3] e que foi abandonado sob pressão de mobilizações populares e porque a França o rejeitou declaradamente. [4]O acordo que Jospin espantou para longe, volta agora pela janela. E, agora, François Hollande está de acordo!
Mais uma boa notícia para a grande finança: o projeto favorece uma «liberalização total dos pagamentos correntes e das movimentações de capitais». É um maná para as praças financeiras anglo-saxônicas menos regulamentadas e mais especulativas. Os gigantes norte-americanos do crédito hipotecário poderão, assim, vender seus papéis podres na Europa, nas mesmas condições sob as quais os vendem nos EUA. Que benfeitores!
Como já expliquei, acordo desse tipo com os EUA seria erro geopolítico histórico. Ao longo dos últimos 10 anos, o Império viu todos os seus esforços de liberalização do comércio mundial serem sistematicamente bloqueados na Organização Mundial do Comércio, OMC, pela resistência crescente dos países do Sul. Então, o Império lança olhos para a Europa.
A Europa produz 50% da produção mundial. Aqui, portanto, os EUA tentam reconstituir sua dominação, que hoje cai aos pedaços na competição contra a China. Trata-se para eles, simplesmente, de impor a lei norte-americana a todo o mundo. [5] O projeto em construção na Comissão Europeia não faz segredo do que está fazendo: diz que as regras comuns a serem fixadas para Europa e EUA deverão «contribuir para o desenvolvimento de regras mundiais». Em resumo, é acordo que amadureceu ao mesmo tempo que a teoria do «choque de civilizações», teoria da qual é a tradução geopolítica.
TEMOS DE FAZER GORAR O GRANDE MERCADO TRANSATLÂNTICO
O Parlamento Europeu, até agora, decidiu que a Comissão Europeia é representante europeia para inventar o tal «Grande Mercado Transatlântico». Que fique bem claro: o texto elaborado pelo Parlamento Europeu não tem qualquer valor de lei, ou normativo. É o projeto de uma resolução. Examinemos o contexto político em que estamos, porque é fator decisivo para o que proponho adiante.
Os sociais-democratas capitularam. Não. Eles estão eufóricos, entusiasmadíssimos. O relator acaba de declarar que conta com esse grande mercado para «reindustrializar a Europa»! É de dar vergonha! Na sequência, repete o discurso confuso desse tipo de político: «traçar linhas vermelhas», «negociar com firmeza» e o blá-blá-blá de sempre. Consternador. O presidente da Comissão de Comércio é socialista. E festeja que as negociações estejam começando. Diz que não é necessário abandonar a discussão de alguns aspectos, como o aspecto cultural do acordo. Resumindo: para ele, está ótimo! Não fosse a intervenção do socialista francês Henri Weber, os socialistas já estariam falando como perfeitos sociais-democratas! O que mais me espanta é que, para eles, o acordo é perfeito. O tal grande mercado só traria benefícios. Sequer uma suspeita, uma, que fosse, ante a propaganda da Comissária, que garante crescimento de 2%, a partir do momento em que inventarem o tal grande mercado. E desconfiar, aí, é absolutamente necessário. Se somássemos todos os «crescimentos» que nos prometem em cada acordo que assinam, a França já teria crescido duas Chinas!
Aqui, o acanalhamento dos sociais-democratas corresponde mais ou menos ao que se vê em todos os partidos nacionais. Os socialistas franceses são inexistentes. Já não têm influência nem sobre os próprios deputados. É resultado que tem tudo a ver com a grande variação de posições dentro da política europeia. Mas tem muito a ver, também, com a evidência de que estão presos sob dupla pressão. De um lado, há os deputados alemães, que dominam o grupo social-democrata. E cada vez mais atuam em coordenação absoluta e permanente com deputados alemães de outros grupos políticos. De outro lado, são pressionados pelo «Eliseu», interessado em firmar e avalisar qualquer acordo com o governo alemão. Há inúmeros sinais desse arranjo. Não há outra explicação possível para o voto inacreditável dos sociais-democratas contra a proposta de que o Parlamento Europeu debatesse a ajuda alimentar para povos europeus. Todos se lembram que a discussão foi suspensa, de fato, pelo governo alemão. No caso da negociação transatlântica, os alemães não estão muito preocupados. Os alemães não estão em concorrência direta contra os EUA nos setores vitais de sua economia.
Em termos gerais, eis o que vai acontecer. A social-democracia europeia não perderá o sono, passados os primeiros instantes de choque. Já abraçaram o acordo. O Partido Socialista francês vai concentrar-se exclusivamente em excluir do projeto o domínio do audiovisual. Se conseguirem alguma coisa, apresentarão qualquer coisa como enorme vitória; e todo o resto do projeto do Grande Mercado Atlântico será aceito. Todas as marionetes da [rua] Solferino [sede do Partido Socialista] tocarão trombeta sobre o assunto, para que todos engulam o tratado. A justa reivindicação de exceção cultural, será usada como cortina de fumaça.
Para os Socialistas, pior seria se se tivesse discutido a exceção cultural desde o início: seriam obrigados a combater todo o projeto de acordo, o que facilitaria a nossa vida. Seja como for, a luta dos que se opõem ao tratado UE-EUA contará com o apoio de vozes prestigiadas do campo cultural. Eles falarão sem parar enquanto durar a negociação. E nós também falaremos. Não há dúvidas de que, em pouco tempo, com a discussão posta na rua, os agricultores e as associaçãoes de saúde pública também entrarão no debate – porque todos esses rapidamente entenderão que também estão ameaçados.
Verdade é que toda a civilização europeia como a conhecemos foi construída sobre intervenções do Estado. E o que acontecerá quando os cidadãos, afinal, perceberem que a questão chave de todos os debates no Parlamento Europeu e na Comissão Europeia é sempre, e só, a Defesa e as grandes indústrias fabricantes de armas e armamento?
O «Grande Mercado Transatlãntico» é a anexação da Europa pelos EUA. Que bandalheira! Nada restará de algum ideal europeu, com esse grande mercado. Nosso presente estará destruído e nosso futuro, em impasse. Que Europa restará, se já não se puder buscar harmonizar salários, ou impostos, e nenhuma cooperação for sequer pensável? A «livre concorrência» atropela todos esses projetos. Se os projetos europeus insistirem em não morrer, choverão sanções sobre eles... A prova desse funcionamento de coerção vê-se já no Canadá, já processado em bilhões de dólares por «entraves» que o país teria criado à «livre concorrência». Esse tratado de livre comércio transatlântico comandado pelos EUA decretará, se aprovado, a dissolução da União Europeia, que se liquefará no mercado único dos EUA.
Nós, os partidos de esquerda da Europa do Sul, sabemos que a palavra radical e o programa radical não vivem, um sem o outro. É hora de todas as táticas e estratégias de pressão, discussão e manifestações sem parar.
Nossos amigos da América do Sul conseguiram fazer gorar a ALCA, projeto semelhante pilotado pelos EUA. Temos de ter a mesma meta, sem descanso: fazer gorar o «Grande Mercado Transatlântico»!
NOTAS DOS TRADUTORES
[1] Le grand marché transatlantique, Bruno Leprince Ed., Paris, 2012.
[2] A recente eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevedo para dirigir a OMC, o qual tomará posse em setembro, muito mais do que indicar que “o mundo se curva ao Brasil potência” – como escreveram alguns mal-informados metidos a nacionalistas informadíssimos – indica, isso sim, que há grande número de países que se opõem ao TTIP e que se reuniram em torno do candidato que manifestava a posição desses países. Ali, esse grupo venceu com larga margem de votos. De fato, o que se vê hoje é gigantesca, planetária, queda-de-braço entre “o capitalismo versão ocidental, gerido por estado capitalista, e o capitalismo gerido por estado comunista (chinês)” (ver especialmente as p. 10-11, item 18, do texto do acordo que está em discussão, publicado por L’Humanité, (em inglês). O Brasil está no meio desses dois blocos, tentando uma via própria, especialíssima, pacífica, negociada (Santo Darcy Ribeiro, nos ajude! Valha-nos São Chávez!) E os BRICS, além de muitos países «pequenos» ou «pobres» da OMC veem no Brasil hoje governado por nossos governos Lula-Dilma uma possibilidade de resistir a esse movimento de assalto pelas corporações norte-americanas. Isso também estará em disputa nas próximas eleições presidenciais no Brasil. Dificilmente se poderia pensar em eleição mais crucialmente importante para os dois lados: para os neoliberais da privataria e tucanaria udenista golpista (que tentam voltar ao poder no Brasil, para fazer reverter os avanços democráticos que o Brasil alcançou, e realinhar o Brasil, de cima a baixo, à banqueirada de Wall Street) e para os brasileiros que elegemos os governos Lula-Dilma (que precisamos preservar os avanços democráticos já conquistados, por pequenos que ainda sejam, mas, de fato, a qualquer preço e custe o que custar. E que, pelo visto, teremos de fazê-lo sem discurso político consistente e sem partido que preste).
[3] Sobre esse AMI, ver em: “AMI – ACORDO MULTILATERAL DE INVESTIMENTO”.
[4] “Para a obtenção de empréstimos internacionais do FMI e do BID, o governo FHC aceitou algumas regras que tinham sido propostas no “Acordo Multilateral de Investimentos” (AMI) mesmo ainda não aprovadas. O governo de FHC se comprometeu a não utilizar qualquer tipo de controle sobre investimentos, remessas de lucros e dividendos e o movimento de capitais. Garantiu a não adoção de qualquer política industrial ou comercial restritiva ao capital estrangeiro. Prometeu, também, a automática elevação da taxa interna de juros, em caso de perda de reservas ou aumento da inflação, e permitiu que o FMI tivesse o controle informal das nossas políticas monetária e fiscal”. (Associação dos Engenheiros da Petrobrás, em: “DIPLAPIDAÇÃO DA SOBERANIA”.
[5] Gosto de chamar esse acordo de “a nova OTAN” – disse Andras Simonyi, embaixador da Hungria na “Organização do Tratado do Atlântico Norte”, OTAN (L’Humanité, loc. cit.).”
FONTE: escrito por Jean-Luc Mélenchon, do “Parti de Gauche”, França, sob o título original “Vertige du moment, des faits et des mots”. Excerto traduzido e comentado pelo “pessoal da Vila Vudu” e postado no blog “Redecastorphoto”
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