Ainda o neoliberalismo
O discurso que defende acordos de livre
comércio e de livre fluxo de capitais entre nações desiguais segue vivo e
atuante. Há alguns meses as forças do liberalismo econômico empurram
com muita disposição duas novas iniciativas neste sentido. Trata-se do
Acordo de Associação do Transpacífica e da Aliança do Pacífico.
Luciano Wexell Severo
A primeira é composta por Austrália, Brunei, Chile, Estados Unidos, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietnã. A segunda está estrategicamente organizada sem a participação direta dos Estados Unidos. Ambas ações representam propostas que se distanciam do Mercosul, ampliado com o ingresso da Venezuela e as possíveis entradas de Equador e Bolívia.
No caso da Aliança e do TPP, repetem-se as promessas de maiores lucros para os setores exportadores e de chegada de grandes investimentos externos, que trarão crescimento e progresso para o Pacífico Sul. Mas, apesar do atrativo canto de sereia, a realidade não funciona desta forma. Na prática, o que se verifica há séculos é como esse tipo de acordo consolida a condição primário-exportadora da periferia do capitalismo e fortalece o caráter excludente e centrípeto do sistema. Tem sido assim desde o famoso tratado assinado entre o embaixador inglês John Methuen e o português marquês de Alegrete, em dezembro de 1703. A fundamentação teórica das vantagens da especialização foi apresentada pelos dois maiores economistas clássicos, sendo tomada como verdade plena e universal por mais de dois séculos até 1949, quando o pensamento emancipador da CEPAL demonstrou a sua inviabilidade.
No nosso caso, latino-americano, apesar dos grandes esforços para impedi-lo, houve inúmeros esforços para criar uma zona econômica coerente e articulada, voltada para dentro, sobretudo a partir do século XX. No entanto, é crucial não confundir essas ações integradoras com as tentativas hegemônicas de destrui-las. Ao longo dos tempos, observa-se na América Latina um embate permanente entre as propostas de integração integradora e os esforços por uma integração desintegradora, voltadas para fora, tal qual a Aliança do Pacífico e o TPP. Vejamos, a seguir, alguns pontos sobre esses dois possíveis caminhos.
As iniciativas efetivamente integradoras sempre ganharam força depois de grandes crises internacionais e nas situações em que ascenderam ao poder governos menos identificados com o ideário liberal. Foi assim quando, nos anos 50, a Argentina do General Juan Domingo Perón, o Brasil de Getúlio Dornelles Vargas e o Chile do General Carlos Ibañez pensaram na reativação do Pacto ABC, sonhado pelo Barão do Rio Branco. A situação voltou a ser favorável quando as esquerdas ou os militares progressistas do Pacífico empurraram o Pacto Andino, futura Comunidade Andina de Nações (CAN). Os anos 70 foram tempos dos governos do socialista Salvador Allende no Chile, do General Guillermo Rodríguez Lara no Equador, do General Juan Velazco Alvarado no Peru e do General Juan José Torres na Bolívia. Por fim, novamente houve um avanço razoável no final dos anos 80, quando os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín pensaram um plano completo de integração para o Cone Sul, que transcendia a esfera comercial. Só depois, no cenário pós-URSS e no bojo da suposta “fim da História”, os liberais Fernando Collor e Carlitos Menem desvirtuaram o Mercosul.
Por outro lado, os projetos integracionistas desintegradores, no geral liderados pelos Estados Unidos, são uma constante no cenário latino-americano. Para eles, não convém de nenhuma forma que as nações da região construam um processo de intensificação comercial, complementação produtiva e cooperação para o desenvolvimento nas mais diversas esferas. O país hegemônico sempre atuou no sentido de torpedear as aproximações e conspirar contra as políticas de união da sua periferia. Trabalha para confundir, criar divisões e gerar atritos, no melhor estilo “dividir para reinar”.
Diante da profunda crise econômica, política, social e moral, os anos 2000 representaram uma possibilidade de ressureição para a América Latina. Como parte desta virada para dentro, em 2005, na IV Cúpula das Américas, em Mar del Plata, foi derrotada a ideia estadunidense da ALCA. Com dificuldades, mas foi derrotada. É importante recordar que o rechaço à proposta anexionista americana não foi um consenso. A declaração final do encontro explicita duas posições muito distintas. Enquanto alguns países defenderam continuar o debate sobre a ALCA, as intervenções de Chávez, Lula, Tabaré Vázquez e Kirchner frearam essa possibilidade. Isto foi possível graças ao trabalho conjunto de três agentes centrais. Os povos, os governos e os empresários nacionais. Isso mesmo. Movimentos sociais, produtores privados e equipes governamentais uniram esforços para suspender a criação daquela iniciativa imperial. E venceram a batalha. Aquela foi uma típica situação na qual se abre a possibilidade de convergência de interesses contra um inimigo externo comum.
Mas os interesses estrangeiros apostam na desunião interna e se utilizam de setores supostamente críticos para atentar contra os governos progressistas. Como sempre, se aposta na falta de compreensão de setores sectários que terminam fazendo o papel de marionetes dos interesses mais reacionários. Uma coisa era o atraso e o retrocesso neoliberal dos anos 90; outra, bastante diferente, são os atuais governos vacilantes e infiltrados por conservadores. São insuficientes e geram muita agonia. Mas não os inimigos.
Na grande maioria dos países latino-americanos o que está em jogo não é a construção do socialismo ou a superação do capitalismo. O que está em jogo é a própria existência dessas nações e a possibilidade de saírem do buraco profundo do subdesenvolvimento e da dependência. Para desespero dos ansiosos, entre os quais me incluo, o que está em jogo é, ainda, a superação ou não do neoliberalismo. Por isso, grandes metas a alcançar agora seriam o resgate do poder decisório dos Estados nacionais, a retomada de políticas de desenvolvimento, a afirmação de um projeto popular e a promoção da integração da América Latina. Este texto não foi escrito no início dos anos 2000. Estamos em 2013 e, infelizmente, não passou de moda posicionar-se contra o neoliberalismo.
De acordo com esta interpretação, parece evidente que os inimigos não são os nacionalistas, os militares, os empresários privados no geral e nem os governos progressistas. Os inimigos são o imperialismo americano e os monopólios privados nacionais e estrangeiros que controlam os setores industrial, comercial, financeiro e de serviços. Por isso, é hora de rearticular alianças nacionais, populares, democráticas, integracionistas, anti-liberais, anti-imperialistas e anti-oligárquicas. É hora de insistir na completa superação do neoliberalismo.
(*) Professor do curso de Economia,
Integração e Desenvolvimento da Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (UNILA), Foz do Iguaçu, Brasil.
luciano.severo@unila.edu.br
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