Paul Krugman (Folha)
O FMI (Fundo Monetário Internacional), que normalmente exerce o papel de disciplinador sério de governos perdulários, deu um conselho incomum aos Estados Unidos. “Desencarnem!”, recomendou o FMI. “Curtam a vida! Aproveitem o momento!”
É claro que os dirigentes do FMI não usaram exatamente essas palavras, mas chegaram perto disso com um artigo na revista “IMF Survey” intitulado “Reduzir Cortes nos Gastos para Incentivar Recuperação dos EUA”. Em sua declaração mais formal o Fundo argumentou que os cortes de gastos federais que entraram em vigor em março deste ano, além de outras formas de contração fiscal, vão reduzir o índice de crescimento dos EUA deste ano quase pela metade, prejudicando o que, de outro modo, poderia ser uma recuperação bastante dinâmica. E esses cortes nos gastos não são nem recomendáveis, nem necessários.
Infelizmente, parece que o FMI não conseguiu romper por completo com o discurso de austeridade visto como insígnia de seriedade no mundo político. Ao mesmo tempo em que nos exortou a elevar os déficits por enquanto, Christine Lagarde, a diretora do Fundo, nos pediu que “pressa com a implementação de um mapa do caminho de médio prazo para restaurar a sustentabilidade fiscal no longo prazo”.
Minha pergunta é a seguinte: exatamente por que precisamos nos apressar? É urgente acordarmos agora como vamos enfrentar os problemas fiscais das décadas de 2020, 2030 e mais adiante?
SUSTENTABILIDADE…
Não, não é. E, na prática, focar sobre a “sustentabilidade fiscal no longo prazo” –que geralmente acaba se resumindo principalmente a “reformas dos benefícios sociais”, ou seja, cortes à Seguridade Social e outros programas– não é uma maneira de ser responsável. Pelo contrário –é uma desculpa, uma maneira de evitar lidar com os problemas econômicos graves que enfrentamos agora.
Qual é o problema de focar sobre o longo prazo? Parte da resposta –se bem que talvez seja a parte menos importante– é que o futuro distante é altamente incerto (surpresa!) e que projeções fiscais para o longo prazo devem ser vistas principalmente como um tipo especialmente entediante de ficção científica. Em especial, projeções de déficits futuros imensos se fundamentam, em grande medida, na suposição de que os custos da saúde vão continuar a subir em ritmo substancialmente maior que a renda nacional. Mas o custo da saúde vem crescendo dramaticamente menos nos últimos anos, e o quadro do longo prazo já está parecendo muito menos assustador do que parecia pouco tempo atrás.
A incerteza, por si só, nem sempre é motivo para inação. No caso das mudanças climáticas, por exemplo, a incerteza quanto ao impacto dos gases estufa sobre as temperaturas globais reforça os argumentos em favor da ação, para evitarmos o risco de catástrofe.
Mas política fiscal não é como política climática, apesar de algumas pessoas terem tentado traçar essa analogia (enquanto pessoas de direita que afirmam estar profundamente preocupadas com a dívida de longo prazo permanecem estranhamente indiferentes às preocupações ambientais de longo prazo). Adiar a ação em relação ao clima significa lançar bilhões de toneladas de gases estufa na atmosfera enquanto discutimos a questão; adiar a ação sobre a reforma dos benefícios sociais não tem custo comparável.
CORTES NOS BENEFÍCIOS
Na realidade, todo o argumento em favor de ação precoce sobre questões fiscais de longo prazo é surpreendentemente frágil. Como gosto de observar, a visão convencional sobre essas coisas parece ser que, para evitar o perigo de cortes futuros nos benefícios, precisamos agir agora para cortar os benefícios futuros. E não estou ironizando.
Mesmo assim, enquanto uma “grande barganha” que vincule austeridade reduzida agora a mudanças fiscais de mais longo prazo possa não ser necessária, será que buscar uma barganha desse tipo causa algum efeito nocivo? Sim. Isso porque a verdade é que não vamos ter esse tipo de acordo –o país simplesmente não está politicamente preparado para isso. Logo, o tempo e energia gastos tentando fechar tal acordo são tempo e energia desperdiçados e que seriam mais bem gastos tentando ajudar os desempregados.
Expliquemos assim: os republicanos no Congresso já votaram 37 vezes para revogar a reforma da saúde, a grande conquista política do presidente Barack Obama. Você realmente imagina que esses mesmos republicanos vão chegar a um acordo com o presidente sobre o futuro fiscal do país, que está estreitamente ligado ao futuro dos programas de saúde federais? Mesmo que um acordo desse tipo fosse alcançado de alguma maneira, você imagina realmente que o Partido Republicano honraria esse acordo se e quando reconquistasse a Casa Branca?
Quando estaremos prontos para fechar um acordo fiscal para o longo prazo? Minha resposta é: quando os eleitores tiverem se pronunciado decisivamente em favor de uma das duas visões rivais que alimentam nossa polarização política atual. Talvez uma futura presidente Hillary Clinton, depois de uma vitória inesperada nas eleições parlamentares de 2018, seja capaz de negociar um acordo orçamentário de longo prazo com os republicanos derrotados; ou, quem sabe, os democratas desmoralizados adiram ao plano de um futuro presidente Paul Ryan de privatizar o Medicare. De uma maneira ou de outra, a hora para grandes decisões sobre o longo prazo ainda não chegou.
E, porque essa hora ainda não chegou, pessoas influentes precisam parar de usar o futuro como desculpa para inação. O perigo real e imediato é o desemprego em massa, e precisamos lidar com ele agora, já.
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