Anita não é negra como os cubanos. Médica e brasileira, ela “não serve” para o CFM
13 de setembro de 2013 | 15:42
Como a nossa elite é racista e desumana, para mostrar a monstruosidade do corporativismo médico e das dificuldades que impõe aos profissionais que se formam fora do Brasil, o acaso trouxe uma brasileira, loura, formada em Medicina na Inglaterra, experiente a ponto de ter chegado ao mais alto grau como “consultant” em Ginecologia e Obstetrícia no hospital da Universidade de Oxford, o que significa dirigir e orientar estudantes e médicos nesta área.
Anita Makins Huxley cresceu em São Paulo, mas se formou em Medicina na Universidade de Nottingham e tornou-se Mestre em Saúde Pública em Países em Desenvolvimento, pela London School of Hygiene and Tropical Medicine.
Anita quis voltar ao Brasil e atender pacientes brasileiros.
Mesmo tirando as melhores notas entre todos os que tentaram o “Revalida” na USP, por duas vezes, não conseguiu ser considerada capaz para exercer a medicina no Brasil.
Para seguir sua vocação de cuidar da saúde de mulheres e crianças carentes, teve de ir trabalhar na República dos Camarões, em Cabo Verde e em Moçambique, através da ONG Solidarmed.
Deixemos que Anita conte a sua história, como fez ano passado à seção de cartas doEstadão fui buscar os dados sobre sua carreira profissional, para que possamos nos envergonhar mais do corporativismo abjeto que tomou conta desta questão:
Parece-me lógico que o país precise se defender da entrada de médicos mal qualificados no sistema de saúde, o que não entendo é por que médicos brasileiros competentes, formados pelas melhores instituições internacionais, com ampla experiência, estão sendo barrados de exercer a sua profissão no seu país.
Sou brasileira com 2º grau completo em conceituado colégio paulistano. Estudei Medicina na Inglaterra, onde adquiri 12 anos de experiência no sistema de saúde do governo (National Health System), chegando ao mais alto nível dentro da hierarquia de Consultant Obstetrician and Gynaecologist no prestigioso John Ratcliffe Hospital, hospital da Universidade de Oxford. Também trabalhei nos Camarões e durante um ano na Serra Leoa com os Médicos Sem Fronteiras.
Tentei por duas vezes revalidar meu diploma pela USP, gastei uma fortuna em documentação e viagens, mas o exame, que levaram seis meses para corrigir, foi feito para ninguém ser aprovado. Fiz mestrado em Saúde Pública no London School of Hygiene and Tropical Medicine.
Também sou membro do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists e fiz parte do International Executive Board dessa Instituição.
Não estudei Medicina para ganhar dinheiro, mas para ajudar os outros.
Como meu país não quer aproveitar minha formação e experiência, estou atualmente trabalhando para uma ONG suíça numa região muito pobre do norte do Moçambique, encabeçando um projeto em Saúde Materna e Neonatal. Sinceramente não entendo por que a minha experiência não é levada em consideração neste processo de revalidação, e é muito pretensioso afirmar que todos os médicos formados no exterior são incompetentes.
Por favor, Doutora Anita, não descreia definitivamente de seu país, por conta disso.
É que gente que estudou Medicina para ajudar os outros, como a senhora diz, envergonha os dirigentes das corporações médicas e de parte dos círculos acadêmicos.
É que gente com solidariedade, disposição, vontade, ganas de usar seu trabalho para melhorar a vida e o mundo passou a “não servir”.
É porque equipamentos complexos, hospitais com hotelaria, congressos financiados pela indústria farmacêutica, coisas assim, são essenciais.
Não essencial são as crianças, como o garoto de três anos que vesti para ser enterrado, morto por meningite porque um médico que não olha direito para os pacientes e manda embora rapidamente o devolveu ao lar pobre e distante na zona rural de Niterói, para voltar às pressas, horas depois, numa madrugada de domingo de Carnaval, com cianose e quando já nada se podia fazer.
Vivi os minutos mais tristes da minha vida ali, porque o pai e a mãe – ele servente de pedreiro, ela caixa da padaria proximo à minha casa – estavam inválidos pela dor.
Um garoto mulatinho, tão bonito quanto o seu pequeno Frederico – que vi com vc, toda orgulhosa, no Facebook- e tão bonito quanto tantos negrinhos assim que a senhora cuidou aí na África.
Faça ele crescer amando a vida e as pessoas, e não os títulos e os preconceitos.
Faça isso por ele e por todos os meninos e meninas daqui, daí, do mundo inteiro, que não precisam de um “Revalida”, de uma certidão, de um papel para que os reconheçamos seres humanos independente de que cor tenham, de que língua falem, de que seus pais sejam ricos ou pobres, de que tenham ou não o cartão de um plano de saúde.
E que, por isso, faz com que eles sejam sagrados.
Faça isso para que ele creia que ainda somos seres humanos, por favor.
Por: Fernando Brito
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