sábado, 15 de novembro de 2008

ANOS DE CHUMBO - PF apura sequestro no regime militar.

Por André


A Polícia Federal procura testemunhas do seqüestro de dois argentinos que se refugiaram no Brasil na década de 1970, durante o regime militar. Esse é o primeiro procedimento formal tomado pelas autoridades brasileiras depois que a Justiça italiana acusou ex-militares e policiais de participarem da Operação Condor, desencadeada pelos países do Cone Sul para localizar militantes esquerdistas que atuavam entre o Brasil, Argentina e Uruguai. As buscas policiais, feitas no Rio Grande do Sul, são parte de um inquérito aberto à pedido da Procuradoria da República em São Paulo.

Passados mais de 30 anos, os investigadores admitem que são remotas as chances de encontrar fatos novos relacionados ao ítalo-argentino Manuel Lourenço Vinhas e um padre — ainda não identificado —, também de origem argentina, que foram levados do Brasil para o país de origem, onde eram procurados pelas autoridades locais. “Essas pessoas saíram da Argentina e entraram no Brasil pela fronteira. Depois, foram localizadas e devolvidas aos argentinos”, conta o procurador Ivan Marx, do Ministério Público em Uruguaiana (RS). “Por isso, pedimos a abertura de inquérito na PF para tentar encontrar alguma pista de como isso aconteceu.”

O inquérito foi aberto depois que a procuradora da República em São Paulo Eugênia Fávero entrou com uma ação na Justiça Federal pedindo que a União indenize familiares de supostas vítimas de tortura no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), na capital paulista. Ela relacionou os coronéis Carlos Alberto Ustra e Audir Santos Maciel como os responsáveis pelo comando da corporação durante a ditadura. Além disso, a procuradora encaminhou pedido para outros estados, sugerindo a abertura de procedimentos criminais. No Rio Grande do Sul, outros dois processos foram arquivados e outros dois estão sendo analisados no Rio de Janeiro.

Anistia.

Segundo Ivan Marx, o inquérito aberto pela Polícia Federal em Uruguaiana não tem ligação com a anistia, mas trata-se de um procedimento criminal. “Estamos apurando a existência de crimes contra a humanidade”, afirma o procurador, ressaltando que o caso dos dois argentinos fora identificado na investigação feita pelas autoridades italianas que chegaram a pedir a prisão de vários militares e delegados brasileiros, alguns deles falecidos. A apuração focava italianos supostamente seqüestrados durante a Operação Condor, principalmente na Argentina.

Na busca de testemunhas, a Polícia Federal vai tentar localizar funcionários de uma empresa de ônibus que transportaram os argentinos, mas ainda não pretende chamar supostos envolvidos. “Não é o momento adequado para ouvir os suspeitos, que são as pessoas apontadas pelas autoridades italianas. Isso acontecerá em outra fase”, diz Marx. Além disso, as autoridades brasileiras deverão requerer documentos da Argentina, que já abriu diversos processos dessa natureza, inclusive com condenações que chegaram à prisão perpétua.

A investigação da Polícia Federal será a primeira oportunidade que a Justiça brasileira terá para se manifestar à respeito dos acusados de crimes contra a humanidade. Até agora somente processos na área cível estão em tramitação e todos tratam de indenizações contra as vítimas da ditadura. “Talvez no inquérito o Judiciário tome uma posição a este respeito”, observa Ivan Marx, ressaltando que em alguns países do Cone Sul isso já vem ocorrendo. É o caso, por exemplo, da Argentina. A expectativa é que a Polícia Federal prorrogue a investigação, que não deverá ser concluída este ano.

O número 5

5,foi o número de países da América do Sul integrantes da aliança criada, no início dos anos 1970, com o objetivo de neutralizar movimentos de esquerda e opositores aos regimes militares no poder. O acordo entre Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile — supostamente financiado pelo governo norte-americano — unificou esforços dos aparatos repressivos e facilitou a troca de informações e de prisioneiros de diferentes nacionalidades. A operação só foi dissolvida em meados da década de 1980, com a redemocratização dos países

Procuradora defende debate

No Brasil, há vários procedimentos relacionados ao regime militar, mas a maioria é referente ao ressarcimento de vítimas ou a documentos. Na Bahia, por exemplo, há uma investigação do Ministério Público para apontar envolvidos na queima, ocorrida em 2004, de papéis militares referentes ao período da ditadura na Base Aérea da Aeronáutica. Mas o que mais causou polêmica foi o pedido de indenização no caso do Doi-Codi. A ação impetrada pela procuradora Eugênia Fávero gerou uma crise no governo, dividindo setores favoráveis e contrários à apuração de crimes ocorridos durante a ditadura.

Segundo Eugênia, a polêmica não foi causada apenas pelo processo, mas pela manifestação de autoridades do governo. “Eu não acho que foi a ação que gerou a repercussão, que aconteceu quando integrantes do Executivo começaram a opinar sobre o assunto, como aconteceu em um evento no Ministério da Justiça. Mas isso foi positivo.”

Mas o assunto não deve se encerrar na ação de indenização proposta pelo Ministério Público em São Paulo. A Procuradoria da República no estado já tem documentos da CIA, o serviço secreto americano, referentes ao regime militar brasileiro, que vão começar a ser analisados. Os papéis foram encaminhados por organização não-governamental especializada nesses casos. (EL)

Críticas a Mendes

O secretário dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, disse que o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, deveria evitar fazer declarações que demonstrem simpatia pela ditadura. Ele se referia a comentário feito por Mendes há uma semana sobre a imprescritibilidade do crime de tortura. Mendes afirmou que se tratava de uma discussão com dupla face: “O texto constitucional diz que também o crime de terrorismo é imprescritível.” Segundo Vannuchi, a ditadura utilizava a expressão terrorismo para designar todos os que se opunham ao Estado de exceção, mesmo os que nunca aderiram à idéia da luta armada. “O ministro precisa manter o distanciamento em relação àquele regime”, disse.

entenda o caso.

Tortura e condenação.

A polêmica sobre a Lei da Anistia (6.683/79) teve início quando o Ministério Público Federal em São Paulo entrou na Justiça Federal com uma ação contra um grupo de coronéis da reserva e a União. O MPF pediu a condenação dos oficiais por tortura e a abertura dos arquivos do regime militar sob a alegação de que houve omissão do Estado em não cobrar dos militares o ressarcimento ao Tesouro das indenizações pagas aos familiares de vítimas da ditadura.

A ação cita, por exemplo, o coronel Carlos Alberto Ustra, que chefiou o DOI- Codi, um dos centros de repressão no regime militar. A Advocacia-Geral da União (AGU) contestou a ação, que corre na 8ª Vara Federal de São Paulo. Alegou, entre outros argumentos, que o processo prescreveu e que os crimes de tortura cometidos na ditadura foram perdoados pela Lei da Anistia, que “traz um espírito de reconciliação e de pacificação nacional”.

O posicionamento foi interpretado pelo Ministério Público como uma defesa dos torturadores. O assunto causou um racha no governo Lula e pôs ministros em lados opostos. De um, o advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, consideram que a anistia foi ampla, geral e irrestrita. E que, portanto, o debate não deve ser reaberto. De outro, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, afirmam que os crimes de tortura são imprescritíveis porque devem ser considerados comuns e não políticos. Uniu-se aos dois a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que foi presa e torturada.
Fonte: Blog Consciência Política.

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