terça-feira, 11 de novembro de 2008

A DIREITA ANTIINTELECTUAL ENTRA EM CRISE.

Pedro Doria

Um dos resultados da eleição de Barack Obama é que a direita brasileira periga ficar órfã e terminar sem argumentos.

Entre os leitores do Weblog, recebi mais ou menos em igual proporção pedidos de mais e de menos cobertura das eleições dos EUA. Optei por mais. A política norte-americana ainda é profundamente influente em todo o mundo. Influente e de muitas maneiras diferentes. No Brasil, uma das influências mais evidentes é no discurso conservador. Tanto aqui no Weblog quanto na imprensa em geral, os argumentos da direita são diretamente importados dos Estados Unidos. Se algo está na pauta das preocupações do Partido Republicano e de seus pensadores, estará sendo repetido sem lá muita originalidade nos artigos e comentários da direita brasileira.

Acontece que o discurso republicano tem um motivo de ser: foi cuidadosamente construído, ao longo das últimas décadas, para atrair eleitores e fontes de financiamento eleitoral. Se o governo Bush optou por ignorar, e por vezes fazer graça, do Aquecimento Global, é porque a indústria petroleira é uma importante fonte de recursos de seu partido. Se o discurso do cristianismo foi reforçado e até Darwin, coitado, terminou sendo questionado, é porque os eleitores evangélicos estavam entre os mais ativos grupos demográficos ano após ano e atraí-los era uma forma de garantir vitórias políticas. O discurso de um partido político não nasce do vácuo: vem do desejo de vencer eleições. Não é à toa que políticos de direita, no Brasil, ignoram o que escrevem os colunistas e blogueiros da direita brasileira. Políticos preocupam-se com vitórias eleitorais, não em repetir o que dizem os mestres vindos do norte. E boa parte daquele discurso, lá, não ecoa no eleitorado, aqui.

Ao contrário do que dizem alguns dos mais entusiasmados, a vitória de Barack Obama não tem o tamanho da vitória de Ronald Reagan, em 1980. Reagan venceu em quase todos os estados do país. Foram 489 votos no Colégio Eleitoral contra 49 de Jimmy Carter. Obama deve receber 365 votos contra 162 de John McCain. Bill Clinton teve votação maior do que a de Obama em 1992 e 96. Ainda assim, aqui mesmo no Weblog, não faz nem um ano que muitos dos conservadores faziam graça da idéia de que os norte-americanos pudessem eleger um homem negro cujo nome do meio era Hussein. Não só elegeram como deram a ele uma vitória clara, confortável e, sim, consagradora.

Mas o ponto é: o que garantiu a vitória de Obama? Ele teve maioria entre negros, entre hispânicos, entre mulheres, entre judeus – mas os democratas sempre tiveram vitórias nestes grupos.

Quem mudou de lado em 2008 foi o público com diploma superior.

George Bush, o pai, recebeu 41% dos votos dos eleitores com educação de nível superior. Bob Dole, em 1996, 46%. Nestes dois pleitos, Bill Clinton teve 39% e 44% respectivamente. Gerald Ford pode ter perdido a eleição para o democrata Jimmy Carter, em 1976, mas venceu entre os eleitores com nível superior: 55%. Ronald Reagan, em 80, recebeu 51% destes votos. (Apenas 35% foram para Carter.) Na eleição passada, George W. Bush teve 52% dos votos de quem passou por uma universidade.

Barack Obama teve 53% dos votos dos norte-americanos com nível superior.

É sempre bom ter cuidado com estatísticas. Não é que todo o eleitor bem educado tenha mudado de partido. Os democratas há muitos anos vencem entre os eleitores com pós-graduação. Não custa lembrar que para ganhar títulos como o de médico, engenheiro ou advogado, nos EUA, é preciso uma pós. A faculdade, o college, não basta. Mas fato é que aqueles com diploma universitário e não mais são antigos e fiéis eleitores republicanos, e votavam no partido de Reagan em número tão grande que pendiam a estatística contra os democratas.

A pergunta, portanto, é: por que eleitores com diploma universitário e não mais, este ano, abandonaram o Partido Republicano que elegem pleito após pleito faz pelo menos quatro décadas?

Um dos motivos é a mudança demográfica. Os EUA são um país mais diverso do que jamais foram. Por conta das políticas de cotas universitárias, há mais negros, hispânicos, nativos, asiáticos com diploma nas mãos. Estes grupos votam democrata e se o candidato é de uma minoria, tão mais fácil.

Mudança demográfica não explica tudo. Já havia negros, hispânicos etc. com diploma quatro anos atrás. E Obama também venceu entre os apenas brancos com diploma superior. Por quê?

Muitos dos intelectuais e analistas conservadores já tem sua explicação: o antiintelectualismo marcante do governo George W. Bush. O traço já estava ali, mas Bush o exacerbou. Virar as costas para a ciência pode atrair dinheiro petroleiro, no caso do Aquecimento Global, ou atrai eleitores da direita religiosa – no caso do bombardeio à Evolução, na proibição de financiamento do estudo de células tronco embrionárias, são tantos os exemplos. Mas afasta outros tipos de eleitores.

Um dos fenômenos da imprensa, nos EUA, é que enquanto os jornais despencam em circulação e as revistas semanais como Time e Newsweek lutam para sobreviver, títulos de nicho crescem. É o caso da britânica The Economist, da New Yorker, da Atlantic Monthly. São revistas sofisticadas. Crescem porque há mais gente com diploma superior, mais gente com pós-graduação. O noticiário do dia-a-dia este público encontra na Internet, não precisa ler o New York Times em papel. Mas para uma compreensão profunda da notícia, ainda não há na rede coisa como a Economist ou a New Yorker.

Este público vota, também. Nem todo mundo é de esquerda, de forma alguma. E muitos são religiosos. Mas conservadores com nível superior tendem a ser libertários. Para eles, religião é assunto pessoal e não deve se misturar com assuntos de Estado. Se um presidente interfere em uma questão como o direito de homossexuais casarem, o libertário considera que o Estado está interferindo no que cabe ao indivíduo decidir. Se boa parte dos cientistas que estudam o assunto consideram que é preciso combater o Aquecimento Global enviando menos carbono para a atmosfera, alguém que foi à universidade considera que cientistas devem saber do que estão falando.

David Frum, da revista conservadora National Review e um dos pais do neoconservadorismo resume a questão assim: ‘Americanos com nível universitário hoje acreditam que os democratas não porão seu dinheiro a perigo mas consideram que seus valores pessoais correm risco num governo republicano.’ O colunista conservador do New York Times, David Brooks, vem há meses reclamando de Sarah Palin e de sua óbvia desqualificação para exercer um cargo de responsabilidade. Palin é uma versão piorada de George W. Bush.

A vitória de Barack Obama dá início a uma briga interna no Partido Republicano. É uma briga pragmática. Discutem o que é preciso para voltar a vencer. Os intelectuais do partido dizem que é preciso uma transformação interna. O que dizem é: a classe média branca deseducada que forma sua base já não tem a representatividade necessária para garantir uma vitória eleitoral. Seus inimigos no partido dizem que o problema não é esse. O problema é que McCain não apelou de forma convicta à base. Estes gostariam de ver Sarah Palin encabeçando uma chapa em 2012. Os intelectuais do partido têm horror à idéia. Consideram que é hora de o Partido deixar Darwin em paz e encarar questões como células tronco embrionárias e Aquecimento Global com a seriedade que merecem.

Se os cérebros do Partido Republicano vencerem a briga, comentaristas e articulistas da direita brasileira terão de copiar doutro canto suas idéias.
Fonte:Site pedrodoria.com.br

Nenhum comentário: