sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O EFEITO OBAMA E CHAVES.

Boris Muñoz
De Caracas

Quando Barack Obama tomar posse na presidência dos Estados Unidos, no dia 20 de janeiro de 2009, uma de suas primeiras tarefas será voltar o olhar para o próprio quintal. Depois de oito anos do mal afamado governo de Bush, a América Latina mudou de maneira notória: sua economia cresceu a uma média de 4% desde 2001, alcançando uma dimensão que a equipara à economia européia; apesar dos conflitos, as relações entre os países estreitaram-se; e vários governos optaram por um modelo político-econômico diferente do neoliberalismo encarnado por Washington. Um fato é sintomático da mudança: uma dezena de países se autodenominam de esquerda.

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A América Latina também deverá voltar os olhos para o gigante do norte a fim de aproveitar a promessa de mudança feita por Obama. Hugo Chávez será um dos que buscará mais ativamente virar a página Bush. Desde 2002, quando a Casa Branca apoiou a tentativa de golpe de estado contra Chávez, as relações entre ambos os governos foi de mal a pior.

Chávez aproveitou a política imperial de Bush para reacender as fibras anti-imperialistas de um continente que, por causa do conjunto de intervenções e golpes de Estado promovidos pelo Departamento de Estado, sempre foi visto com receio e desconfiança pelo poderoso vizinho. O conflito entre Chávez e o império atingiu seu ápice no dia 12 de setembro deste ano, quando o mandatário venezuelano expulsou o embaixador norte-americano Patrick Duddy e pronunciou a famosa frase: "Vão para o inferno, ianques de merda!".

Mas a política é a arte da oportunidade e da conveniência. Cedo ou tarde, as coisas devem voltar a seu curso normal. De maneira que, se com a derrota do republicano John McCain Chávez perdeu o principal motivo de sua retórica anti-imperialista, a chegada de Obama é a ocasião propícia para renegociar os termos da uma relação bilateral que, indo além das diferenças ideológicas, resulta vital para ambos países.

De fato, durante as últimas duas semanas, à medida que tornava-se mais tangível a vitória de Obama, Chávez começou a ventilar que se reuniria com o novo presidente norte-americano. Na segunda-feira, 3, véspera da eleição, ele foi mais além: convidou Obama para um encontro de igual para igual.

José Vicente Rangel, ex-vice-presidente e ex-chanceler do governo de Chávez, indica que a vitória de Obama será positiva para a América Latina. "O novo presidente dos Estados Unidos é um homem inteligente e o selo popular que teve sua candidatura servirá de ponte entre a corrente de mudanças democráticas da América Latina e os americanos progressistas que entendem que a política de Bush sobre a região foi nefasta".

Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, Rangel, que continua sendo um dos principais conselheiros de Chávez, revelou que já houve contato de alto nível entre Chávez e o pessoal de Obama. Rangel refere-se à visita de Bill Richardson - governador do estado do Novo México - ao Palácio de Miraflores no final de abril.

Richardson atuou como embaixador extra-oficial para iniciar uma aproximação entre Chávez e Obama. Embora por enquanto as relações encontrem-se congeladas, o corpo diplomático já dá sinais de que a era Bush chegou ao fim. "Há um novo momento e é necessário iniciar uma nova relação", disse na noite da eleição o encarregado dos negócios norte-americanos em Caracas.

José Vicente Rangel assinala que com Obama se inicia um processo de transição que tem quatro pontos. O primeiro é evitar a política de microfone que levou à guerra de declarações entre Caracas e Washington. O segundo é estabelecer um diálogo sério sobre problemas reais como a colaboração frente ao narcotráfico. O terceiro diz respeito ao terrorismo: a relação entre Chávez e as Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC) é um dos aspectos que mais causou preocupação entre os que consideram o movimento insurgente um grupo terrorista; de fato, Rangel aborda o tema com cautela: "há uma relação histórica entre os governos da Venezuela e as guerrilhas colombianas. Essa relação tem pelo menos 30 anos e nunca foi interrompida".

O quarto e último ponto merece uma menção à parte: o petróleo. Os Estados Unidos são o maior comprador de petróleo venezuelano e, ao mesmo tempo, a Venezuela é o quarto provedor do país. Chávez usou estrategicamente o petróleo para influenciar governos da América Latina e ameaçar Washington com um iminente corte do fornecimento. "Porém, na verdade, não há petróleo mais barato nem mais confiável para os EUA do que o nosso. Inclusive, nos últimos meses houve um aumento de 29% no fornecimento".

Por sua vez, durante a campanha, Obama insistiu mil e uma vezes no ponto de que um de seus objetivos era eliminar a dependência do petróleo venezuelano dentro de um prazo de dez anos. Estejam suas palavras certas ou não, o novo presidente está consciente de que, ao comprar o petróleo venezuelano, os Estados Unidos estão apoiando indiretamente a revolução bolivariana: o petróleo é uma arma para viabilizar ou prejudicar seu projeto.

Assim como Chávez utiliza o petróleo para pressionar seu sócio, Obama pressionará para balancear a influência deste na região. Esta influência não é apenas política, pois, nos últimos cinco anos, a Venezuela multiplicou por cinco - através de subsídios petrolíferos, acordos econômicos e dinheiro vivo - a assistência econômica dos Estados Unidos. Portanto, para cumprir sua promessa de devolver o prestígio ao seu país, Obama deverá combinar sua negociação com Chávez com base numa maior colaboração econômica.

Que Obama tenha manifestado sua disposição em reunir-se com Chávez anuncia uma iminente distensão. Contudo, serão a realpolitik e a mudança tecnológica os fatores que determinarão as novas regras do jogo.

De acordo com José González, analista internacional de finanças da empresa Econoinvest, as transformações fundamentais não serão imediatas, mas sim de longo prazo. "A agenda de Obama tem compromissos mais urgentes, como a imensa crise econômica e o Oriente Médio. A Venezuela é uma prioridade de terceira ordem, mas que tem muita importância no contexto da grande mudança que Obama propõe. Porque daqui a 10 ou 20 anos terá se concretizado a revolução que tornará muito mais eficiente e viável o consumo energético dos Estados Unidos. Esta revolução 'verde', obviamente, terá um impacto definitivo na Venezuela".
Terra Magazine

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