domingo, 9 de novembro de 2008

TRABALHO ESCRAVO - É mais fácil negar que assumir o problema de frente.

Em matéria publicada pela Agência Brasil, André Amado, subsecretário-geral de Energia e Alta Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores, declarou que não se pode dizer que há trabalho escravo na plantação de cana-de-açúcar no país. Para ele, isso seria uma distorção da realidade. Amado deu essa declaração durante um coletiva de imprensa para promover a Conferência Internacional sobre Biocombustíveis, marcada para novembro aqui no Brasil.

“O que nos deixa um pouco indignados é essa preocupação de qualificar o trabalhador rural, porque faz um trabalho muito difícil, à luz do sol, horas a fio, como um escravo. Por quê? Ele tem condições muito difíceis de vida, mas são condições muito difíceis de vários trabalhadores rurais e urbanos brasileiros e nem por isso eles podem ser considerados como escravos. Isso faz parte de uma campanha de denegrimento da atividade de produção de biocombustíveis no Brasil”, argumentou.

Adoraria trocar um dedo de prosa com Amado e indicar alguns colegas dele dentro do Itamaraty que têm uma visão diferente do assunto. Será que o ministério não conversa internamente?

Bem, vamos por partes. Primeiro, é de muito mau gosto usar o termo “denegrimento” para falar de uma coisa negativa. Entidades do movimento negro e setores do governo federal lutam contra esse preconceito lingüístico há anos. Isso mostra uma certa distância entre ele e a base social do país.

Tocando no assunto principal: em 2007, dos 5.999 trabalhadores libertados da escravidão pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, 3.131 estavam em fazendas de cana-de-açúcar. Significa que a cana é o principal problema do trabalho escravo? Não. Isso aconteceu em nove fazendas apenas - a cana usar mão-de-obra em grande quantidade. A pecuária é um setor com menos libertados, mas com muito mais fazendas que incidiram no crime, dezenas por ano – o que faz dele, ao meu ver, o problema mais grave no trabalho escravo.

Aliás, o setor é exportador e traz mais divisas para o país que o etanol. Carne com trabalho escravo é exportada. Mas não se fala muito nisso, não é?

A cana no Brasil é cultivada com trabalho escravo? Uma parte, muito, muito pequena. Mas não significa que pouco é nada. E os estudos do Comitê Gestor do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo mostram que o etanol dessas usinas abastecia grandes distribuidoras em todo o país. Que hoje são signatárias desse acordo e afirmar estar cortando os empregadores que estão na “lista suja” – cadastro oficial do governo que mostra quem cometeceu esse crime. E inclui usinas de cana.

Tudo isso para dizer o seguinte: tem gente lá fora querendo erguer barreiras comerciais contra os produtos brasileiros sob justificativa de estar defendendo os nossos trabalhadores, mas com reais motivos protecionistas. Mas alegar isso não isenta nossa responsabilidade em acabar com esse crime contra os direitos humanos. Já que ele não é generalizado no setor, não seria o caso do Itamaraty atacar os escravagistas e mostrar as ações que vêm sendo feitas nesse sentido ao invés de dizer que nada existe?
Fonte: BLOG DO SAKAMOTO.

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